24/10/13

SERMÃO LIBERAL - Contributo Para o Estudo do Liberlismo (I)

Encontrei um sermão do Pe. F. J. Patrício, pregado na Real Capela da Lapa (Porto, 1874), dedicado a D. Pedro IV.

Com a intenção de contribuir para o estudo do liberalismo em Portugal, dou-vos algumas das partes mais significativas do sermão:

"Difícil é o encargo, árdua e emperoza de vir derramar os bálsamos da consolação sobre os corações lanceados pela mágoa, no dia em que a nossa querida pátria, envolta nos crepes do luto, pranteia a morte do mais prestantes dos seus filhos."

"O que trocou as comodidades do sólio imperial pelas asperezas dum Calvário eriçado de privações e sacrifícios; o que empregou todo o vigor da sua grande inteligência, toda a robustez do seu braço possante e todo o alento do seu magnânimo coração para nos fazer irmãos e livres; - esse, coroou o seu nome com a ingente glória que o perpetuará na memória das futuras gerações!"

"E este aparato fúnebre daqui, não significa somente a nossa dor, não exprime apenas a nossa gratidão, aquilata o alto apreço em que temos as acções do herói da liberdade, é a adesão soberana aos princípios fraternais, por ele implantados e fortalecidos do Portugal de Aljubarrota e do Buçaco."

"Grande parte da geração que lhe presenciou os feitos, já dorme o sono da morte ao lado do túmulo do grande libertador, e de dia em dia vão rareando as fileiras daqueles que melhor testemunho dariam à geração nova de quantas fadigas, quantos suores e quanto sangue custou a nossa regeneração política; mas que importa?..."

"..., porque acima do sepulcro das gerações ergue-se a história; e essa há de conservar intactas, a despeito de todas as invejas, as tradições gloriosas daquele que se sacrificou para nos assegurar a liberdade."

Bandeira dos liberais portugueses
"Excelentíssimo e Reverendíssimo Pelado desta diocese, digníssimas autoridades civis e militares, responsáveis mezarios desta Real Irmandade, venerandas relíquias do Exercito Libertador e brioso povo do Porto:
Suplicando-vos benevolência e atenção, tenho, de confessar que subo a esta tribuna sagrada, não como órgão dum ou doutro partido político, mas na fé de sincero propugnador dos princípios liberais que do coração preso e estremeço, já como herança legada por meu pai(um dos expatriados de 1828,) já pelos mágicos enlevos com que a liberdade se me apresenta ao espírito e se transforma em poderosa convicção e viva crença no coração que pulsa com todo o fogo dos vinte e quatro anos; por isso a minha linguagem será franca e desassombrada, sem esquecer os deveres da moderação que me impõe o carácter sacerdotal."

"Como nos compraz contemplar esses atletas do bem e apóstolos da luz, sublimes de amor à pátria e sobre tudo à humanidade, que se esforçaram por dissipar as trevas do obscurantismo com que era acorrentado o pensamento, sufocada a palavra e paralisada a acção!...
Eis o motivo porque cresce e se agiganta o respeito e a gratidão dos povos perpetuando os nomes gloriosos dos seus libertadores, entre os quais fulgura brilhantíssimo o daquele a quem tributamos hoje estas honras solenes.
Os tão distintos benefícios que liberalizou na sua vida asseguram para sempre os sólidos alicerces ao padrão indestrutível do nosso reconhecimento."

"Descreve agora quantas tentativas e audazes empenhos tem patenteado o ansiar das gentes por sacudirem torpes jugos e humilhantes escravidões, seria empresa e demonstração mui longa para a estreiteza desse discurso, e por isso limitar-me-ei a mostrar-vos qual foi o movimento liberal com que na nossa pátria germinaram e fortaleceram as instituições que hoje nos regem."

"O dia vinte e quatro de agosto de 1820 trouxe-nos o astro formoso de mais benefícios raios - a liberdade! - Portugal, que nasceu livre desde que lhe guiaram os primeiros passos os lampejos da espada do grande Afonso, não podia ficar indiferente ao poderoso movimento liberal que encaminhava os povos por estrada mais lúcida e que assentava em novas bases as constituições sociais. Alentado, em parte, pelo exemplo doutras nações, reassumiu os antigos direitos, que embora submersos pelo passado na vala do esquecimento, aos resplendores de um século de liberdade e progresso deviam ser reconquistados como elemento indispensável para prosperidade e vida." (nota: La liberté est léssance même du progrés. - Bastiat.)
Este despertar de um letargo tão longo operou-se ao som mágico de um idílio de paz e de amor; foi bonançoso e sereno; nem sequer uma nuvem negra tapetou este céu, nem um átomo apenas de impureza corrompeu os perfumes às rosas desta primavera de luz!
Felizmente não se deram entre nós algumas das indignas cenas da Revolução Francesa, da qual surgiram grandes progredimentos, mas que brotaram como os frutos dos terrenos próximos ao Vesúvio, onde a colheita se torna tanto mais abundante quanto mais o sol foi crescendo pelas lavas. No inflamado seio do vulcão revolucionário, que tão horrendo arfou nos memoráveis dias de 1793, foi que se depurou o dogma liberal que tão caro custou à França. A voz de Danton, Marat e Robespierre estendeu-se o sudário do terror e as iras da plebe colérica ferem a própria realeza; Luís XVI e Maria Antonieta caiem das alturas de um trono às baixezas de um patíbulo, porque nas horas tremendas da tempestade dos mais altos edifícios são os mais expostos às fúrias do raio!
Que de excessos precederam a conquista da luz redentora da constituição liberal na pátria de S. Luís! Entre nós não sucedeu assim. O povo ergueu-se na soberania augusta dos seus direitos, sem mover ódios nem atear discórdias, e a realeza uniu-se ao povo liberalizando-lhe assentimento e sanção. O senhor D. João VI, que se havia retirado para o Brasil em consequência da invasão napoleónica, voltando ao reino em 1821, de bom grado aceita e jura a Constituição; e em 1826, depois do falecimento deste soberano, o senhor D. Pedro IV dá-nos esse código liberal que faz honra ao Salon que o traçou - a Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa. -
Até aqui, a alvorada esplêndida do sol vivificante que alumiava a nova cruzada da civilização; agora as maquinações encobertas daqueles que, preferindo as teorias de um credo já fóssil, conspiram contra as novas e mais lúcidas reformas.
O punhal, tantas vezes afiado nas combinações misteriosas e nos conciliábulos secretos, principiou a ostentar o vírus de que estava eivado nas duas tentativas de rebelião em que um mancebo inexperiente e cego, guiado e protegido pelos inimigos da liberdade, levantou mão sacrílega contra o trono de seu augusto pai. Daí em diante, mais desesperados se tornaram os esforços dos que pretendiam esmagar debaixo dos seus velhos e caducos preconceitos as novas e fecundas instituições que nos eram já vigor e vida. Depois da usurpação do trono português por um príncipe... (digo talvez de melhor sorte), esse príncipe... que, com os seus juramentos de fé púnica fundiu novas algemas para os nosso pulsos, colocou a nação debaixo do execrando jugo da arbitrariedade e da prepotência, atirou cartel de desafio a vinganças mesquinhas e deu lugar à aleivosa perseguição fulminada contra aqueles para quem a Carta era um segundo evangelho e a liberdade uma segunda religião.
A revolta de 1828 no Porto, foi o brado de indignação contra as torpezas da tirania; porém, a vaga do despotismo ainda pôde equilibrar no seu negro dorso a monarquia absoluta e esmagar no desterro, nos cárceres e nos patíbulos os sinceros propugnadores da causa liberal; e àqueles que puderam escapar aos golpes da vindicta, restava o exílio entre o vaguear miserando em países estranhos!"

"Sou padre, e não me esqueço de que o meu ministério é todo de paz e todo reconciliação."

"Ei-lo transpondo o oceano, certo de que maior era o mar de lágrimas dos que ansiavam a sua vinda. Ei-lo buscando pelos diferentes países da Europa os expatriado de 1828."

(continuar na II parte)

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