14/10/13

ROMANUS PONTIFEX - Bula de Nicolau V a Portugal, (1454) (I)

Nicolau, Bispo, Servo dos servos de Deus.
Para a perpétua memória.

Papa Nicolau V
O Romano Pontífice, sucessor daquele que tem as chaves do reino celestial, e vigário de Jesus Cristo, debruçando-se com paternal cuidado sobre todas as regiões do mundo, e sobre as qualidades dos diversos povos que nelas vivem, procurando e desejando alcançar a salvação de cada um destes, ordena e dispõe salutarmente com deliberação propícia, coisa que estima ser do agrado da Divina Majestade, a fim de que as ovelhas que do alto lhe foram confiadas sejam reduzidas ao único redil do Senhor e obtenham para si o prémio da felicidade eterna, e empetre o perdão às almas.

Com a ajuda do Senhor, isto acreditamos provir se ajudarmos com favor condigno e graças especiais àqueles reis e príncipes católicos que, como campeões da Fé cristã e lutadores intrépidos, não só reprimem a crueldade dos sarracenos e restantes infiéis inimigos do nome cristão, mas também os combatem, a eles e seus reinos e lugares - em partes remotíssimas, e por Nós desconhecidas - para a defesa e aumento da mesma Fé e os submetem ao seu domínio temporal, não olhando a trabalhos e gastos, como sabemos pela evidência dos factos. E assim o fazemos, para que os ditos reis e príncipes, suportando qualquer gasto, se animem a prosseguir e ampliar esta obra tão digna de louvor e saudável.

Recentemente, chegou aos Nosso ouvidos, não sem grande regozijo e alegria para o Nosso espírito, que o nosso dilecto filho e nobre varão, o Infante D. Henrique de Portugal, tio do nosso queridíssimo filho em Cristo, D. Afonso, ilustre Rei de Portugal e Algarve, seguindo as pegadas do seu pai D. João, de clara memória, Rei dos mencionados Reinos, abrasado no ardor da Fé e em zelo pela salvação das almas, como católico e verdadeiro soldado de Cristo criador de todas as coisas, e como acérrimo e fortíssimo defensor da sua Fé e lutador intrépido, aspira ardentemente desde tenra idade a que o nome do mesmo glorioso Criador seja difundido, exaltado e venerado, em todas as terras, da orbe até aos lugares mais remotos e desconhecidos, assim como aqueles inimigos da milagrosa Cruz na qual somos redimidos, quer dizer, os pérfidos sarracenos e todos os outros infiéis, para que sejam trazidos ao grémio da sua Fé.

D. Afonso V (ilustração alemã)
Depois que o dito Rei D. João submeteu ao seu domínio a cidade de Ceuta, na África, aquele Infante em nome do dito Rei fez muitas guerras contra os mesmos inimigos e infiéis, às vezes com sua própria pessoa, com grandes trabalhos e gastos, com muitos perigos e perca de pessoas e coisas, com muitas mortes dos seus naturais, não se deixando vencer nem aterrar por tão grandes privilégios, trabalhos e danos, antes enobrecendo-se cada vez mais com maior ardor a prosseguir este piedoso e louvável propósito, povoou de fiéis o mar Oceano, certas ilhas desabitadas, e mandou fundar e construir nelas igrejas e outros lugares piedosos em que se celebrassem os Ofícios Divinos. E pela louvável obra e indústria do Infante, muitos naturais e habitantes das várias ilhas do referido mar, vindo ao conhecimento do Deus verdadeiro, receberam o sacramento do baptismo para louvor e glória do mesmo Deus, salvação de muitas almas, propagação da Fé ortodoxa e aumento do culto divino.

Ademais, como chegasse a notícia deste Infante que nunca, ou pelo menos não havia memória humana de que se tinha negado por este mar Oceano até às costas meridionais e orientais e que tal coisas era tão desconhecida para nós ocidentais que nenhuma notícia certa tínhamos da gente daquelas partes, querendo prestar nisto um serviço a Deus, pelo seu esforço e indústria fazia navegável o referido mar até aos índios que, segundo se diz, adoravam o nome de Cristo, de maneira que pudessem entrar em contacto com eles e movê-los em auxílio dos cristãos contra os sarracenos e os outros inimigos da Fé, assim como fazer guerra contínua aos povos gentios ou pagãos que por ali existem profundamente incutidos da seita do nefandíssimo Maomé, e prégar e fazer prégar entre eles o santíssimo nome de Cristo, que desconhecem. Por isso, sempre sob autoridade real, de vinte e cinco anos a esta parte, com grandes trabalhos, perigos e gastos, não cessou de enviar quase todos os anos em navios muito ligeiros, os quais se chamam caravelas, um exército de gentes dos ditos reinos a descobrir o mar e as províncias marítimas às partes meridionais e pólo atlântico.

Assim foi que, depois destas naves terem avistado e descoberto muitos portos e ilhas e mares, ocorreu que chegaram logo à província da Guiné. Foram então ocupadas algumas ilhas, portos e mares adjacentes à mesma província, continuando a navegação chegaram à boca de certo rio, que habitualmente julga-se ser o Nilo. E contra os povos daqueles lugares, em nome deste Rei Afonso e do Infante, durante alguns anos foi feita guerra, e nela foram subjugadas e possuídas pacificamente muitas ilhas vizinhas, que todavia são possuídas com o mar adjacente. Depois disto, muitos guineenses e outros negros, capturados pela força, e também alguns por troca com coisas não proibidas ou por outro contrato legítimo de compra, foram trazidos aos mencionados reinos; dos quais, neles, um grande número converteu-se à Fé católica, esperando-se que, com a ajuda da divina clemência, se entre eles desta forma o progresso continuar, estes povos converter-se-ão à Fé ou pelo menos muitas almas deles hão de ser salvas em Cristo.

Infante D. Henrique, tio do Rei D. Afonso V
Segundo sabemos, também os referidos Rei e Infante, com tantos e tão grandes privilégios, trabalhos e gastos, tal como grande perca de naturais destes reinos (dos quais muitos nele também morreram) e contando apenas com o auxílio dos seus naturais fizeram recorrer aquelas províncias, desta maneira adquiriram e possuíram portos, ilhas e mares, como se disse, como verdadeiros senhores. Mas, temendo que alguns levados pela cobiça navegassem a estas partes e tratassem de usurpar para si o remate, fruto e glória desta obra, ou ao menos impedi-la, desejando, com fins de lucro ou com malícia, levar ou entregar aos infiéis ferro, armas, cordas e outras coisas e bens que se proíbem dar-lhes, ou que ensinassem as estes infiéis o modo de navegar, o que os tornaria inimigos mais fortes e resistentes, e desta maneira se entorpeceria e acaso cessasse a continuidade da empresa, não sem grande ofensa a Deus e grande humilhação para toda a Cristandade; para evitar tudo isso, e para a conservação dos seus direitos e posses, sob certas penas gravíssimas então declaradas, proibiram e estabeleceram com carácter geral que ninguém, salvo com os seus navegadores e naves e pagando certo tributo e obtendo antes expressa licença do mesmo Rei e Infante se atrevesse a navegar a estas províncias, contratar nos seus portos ou pecar nos seus mares.

Mas, movidos pela inveja, malícia ou cobiça, contrariando a citada proibição e sem licença nem pagamento de tributo, poderia ocorrer a outras pessoas, reinos ou nações, chegarem assim à dita província e pretender navegar, contratar e pescar nas províncias, portos, ilhas e mares adquiridos; e disso, entre o rei Afonso e o Infante, que de modo algum sofreram a ofensa, os que se atrevessem a tal poderiam seguir e derivar verosimilhantemente em muitos ódios, rancores, dissensões, guerras e escândalos, com a maior ofensa a Deus e perigo das almas.

Nós, pensando com a devida meditação em todas e em cada uma das coisas indicadas, e atendendo a que, anteriormente ao citado rei Afonso foi concedido por outras nossas epístolas, entre outras coisas, plena e livre faculdade para a quaisquer sarracenos e pagãos, e outros inimigos de Cristo, em qualquer parte que estejam, e aos reinos, ducados, principados, senhorios, possessões e bens móveis e imóveis, tidos e possuídos por eles,

(a continuar)

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