11/05/13

A MODA (I)

Caros leitores, é sempre pertinente recordar a etimologia. A chamada "evolução semântica" mostra-se na verdade, e dada dia mais, uma "ruptura semântica". Sem palavras certas não se discutem nem transmitem ideias, nem doutrinas, a doutrina e as mensagens seriam também mal interpretadas.

Hoje, dia 11 de Maio (2013), e porque andam por aí umas interpretações alargadas de "modéstia" que tem levado à criação de umas novas modas, lembrei-me das palavras de Jacinta a respeito de "modas".

À imagem do que tenho vindo a fazer para "bons costumes" e "violência" (e não lembro se mais), farei agora o mesmo para "moda", com a intenção de desapegar as mentes da clausura moderna que usa "moda" apenas no corte e costura. Faço assim mais um apelo a que se olhe o sentido próprio e não seja confundido com um qualquer sentido alargado. Repito o que já lembrei em outra ocasião: o uso legítimo dos sentidos alargados não pode dispensar em nada o sentido próprio, e caso não se proceda desta forma se contribui para o alargamento do caudal do modernismo.

"E que diremos de julgar que se devem introduzir no Reino escolas para os rapazes aprenderem a língua portuguesa? Haverá esta moda em França? O homem tem belas ideias, é boa moda que os pais gastem dinheiro para que os seus filhos falem. Nas escolas de ler, escrever, e gramática tanto falam eles em português que amofinam os Mestres e é necessário castigá-los para que se calem. A nossa língua não está morta para que os naturais necessitem de tal diligência." (PIEDADE, Fr. Arsénio. Reflexoens Apologeticas a Obra Intitulada Verdadeiro Methodo de Estudar...Lisboa, M.DCC.XLVIII. pag. 21)

"E quantas notícias se conservam entre nós de médicos antigos que tiveram e fizeram curas prodigiosas sem que nesse tempo se soubessem estas curas à moda, como as quer o crítico?" (Idem, pag. 50)

"CANDÀLA - Haverá alguns sessenta anos que em França, Inglaterra, e outras partes reinava a moda de atar pela curva da perna uns canhões, forrados de tafetá, que cobriam em roda parte da perna, e talvez podiam servir de encobrir alguma deformidade, como se supõe que sucedeu ao inventor dela que era da Casa de Candale, a quel em França é ramo de nobilíssima Casa de Foix, e por isso a dita moda foi chamada Candala:
Vá pois à Candala, um pouco dêmos à moda. (Suplemento ao Vocabulário Portuguez, e latino, que Acabou de Sahir A Luz, Anno de 1721. Dividido em oito volumes, dedicado ao magnífico Rei de Portugal D. João V - Parte Primeira...)

"O Imperador Vero, como na sua vida refere Júlio Capitolino, costumava polvilhar os cabelos com ouro moído para que estivessem mais resplandecentes; Deus nos livre que cá pegue tal moda, porque não bastaria todo o ouro das minas como não bastam todos os polvilhos das tendas. Pois se desta demasia passarmos à intolerável das galas, vestidos, e mais apêndices do ornato exterior, quem poderá nunca cabalmente estranhar os incríveis excessos na matéria, no preço, no artifício, no modo, ou nas modas, que a profanidade humana introduziu? Referir-vos-hei alguns luxos mais profanos para verdes até onde chegaram as extravagâncias do maior desatino. Já houve pessoa eclesiástica, e constituída em grande lugar, que no ano 1518 mandou fazer uma túnica comprida e tecida toda em penas arrancadas com a sua película das cabeças de pintassílgos, e tecendo-as o artífice na obra com vários louvores e maravilhosos debuxos [desenhos]." (CONCIENCIA, Pe. Manuel, "A Mocidade Enganada e Dezenganada - Duelo Espiritual..." Lisboa, M.DCC.XXXI, Parte III, Tomo IV pág. 600)

"As galas dos antigos Monarcas já não servem para os ilustres, as dos ilustres já não quadram aos Nobres, e as dos Nobres apenas as tem para si por bastantes os mecânicos. Raras são as pessoas que pareçam necessitadas nesta matéria, se o pobre pede, não há esmola: se o corpo se há de adornar, sobra o dinheiro. A paga dos oficiais dilata-se para muito tempo; porém a moda que saiu de novo importa que se traga logo." (Idem pag. 672)

"No tempo de Francisco, Duque de Florença, saiam as mulheres com uma moda de formarem sobre a testa uma coronilha dos cabelos próprios, ondeada em anéis e disposta com várias ordens. Começaram os moços a imitar-lhes a extravagância trazendo sobre as cabeças uma como artística torre, ao qual ornato chamou S. Bernardino de Sena tumor da soberba e torre babilónica (Ser. 47) e o douto Padre Paciuchelo, adiantando os elogios, o intitulou estandarte do diabo, fomento de maldades, ninho de luxúria, laço do inferno, e domicílio de Satanás (in Jon. tom. 3 Lect 54 § 7 n. 35). Vendo o Duque este excesso, dissimulou nos princípios, mas em breves dias advertiu que quase todos os Cortesãos do seu Palácio usavam já da mesma moda. Não pode então conter-se no silêncio, e mandou secretamente a um criado que no dia seguinte lhe trouxesse muitas saias, porque queria com elas em lugar de espadas ornar aos seus Palacianos. Não ficou a ordem tão oculta que não se divulgasse a notícia, e logo sem detença desapareceu a moda, sendo tão medrosos alguns que cortaram totalmente rentes os cabelos." (Idem pag. 676)

Enfim...
"... e Galiano não menos põem a simetria como condição da saúde nos corpos sólidos, de sorte que s proporcionada temperie, e coordenação deles é o seu constitutivo, sendo o seu movimento activo (não era ainda moda chamar-lhe sistáltico) o que conhece natureza operante, concorrendo por estes movimentos para as acções dos líquidos ..." (REBELLO DE SALDANHA, Duarte. "Illustração Medica Ethico-politica, Historica (...) ou Reflexão Cristica As Considerações Medicas..." Lisboa, M.DCC.LXI)

"MODA, s. f. o uso corrente e adaptado de vestir, trajar, em certas maneiras, gostos, estudos, exercícios. § Modas, cantigas que se põe no cravo, viola, etc." ("Dicionário da Língua Portugueza, composto pelo D. Rafael Bleuteau, reformad, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro". Tomo Segundo L=Z, Lisboa, M.DCC.LXXXIX)

"Desta maneira, em Portugal, para o modo de escrever não há moda nem regra certa, quase todos escrevem como quer e com a continuação desta diversidade só cada um poderá entender a sua escrita." (BLUTEAU, Pe. D. Raphael, "Vocabulário Portuguez e Latino Aulico, Anatomico, Architetónico...". Lisboa, M.DCCXX, pág. 125)

"Não só a comunicação de muitos franceses, que a este Reino vieram com o Conde D. Henrique, foi causa destas imitações, mas também a lição dos livros de cavalaria que então era em grande moda, e nasciam muitos deles em França..." ("Memórias da Litteratura Portugueza, publicadas pela Academia Real das Sciencias de Lisboa". Tomo IV. Lisboa, M.DCC.XCIII, pág. 66)

"Arenguer: posto que alguns com a franca licença da moda os querem restituir à significação da origem Francesa." (Idem pag.439)

"Na primeira parte destes Brados vesti mais à moda os desenganos, porque o aprazível dos enfeites fizesse menos horroroso o amargo das verdades." (do prólogo d

"Estavam repartidas em coros, e todas se entretinham em vários empregos, que eram música, instrumentos, jogos, e danças; sendo o suave cheiro das flores, que alcatifavam a casa, e dos aromas, que exalavam os braseiros, novo enleio dos sentidos, e suave atracção dos pensamentos; as portas se franqueavam igualmente que ás Damas aos Cavalheiros; porque a conversação era moda, e o recato estranheza; em o coro da música se cantava esta letra:".

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