04/03/13

DOS LUSITANOS ANTIGOS AOS DESCOBRIMENTOS

"1. Foram os Lusitanos antigos tão valorosos, e fizeram coisas tão excelentes nas guerras contra os Romanos, que Diodoro Siculo, e depois dele João Boemo, os antepõem a todas as outras nações da Hespanha [entenda-se "Península Ibérica"]. Daqui vinha que alguns autores tratavam de seus feitos não fazendo menção de mais Hespanhóis [entenda-se "habitantes da Península Ibérica"]: o que parece que era porque assim como davam aos romanos mais que fazer na guerra, assim lhes davam a eles [também] mais que escrever. Conta Justino que os Lusitanos com seu capitão Viriato cansaram os Romanos por tempo de dez anos, alcançando deles muitas vitórias. E acrescenta que os Lusitanos tinham natureza mais de feras que de homens, e que parece que quis acudir à honra dos seus, mas de tal maneira que a acrescenta na dos nossos.

2. Sertório, fugindo a proscrição de Silla, veio a Hespanha [Península Ibérica] e, aqui, temendo um exército de romanos que vinha contra ele, passou-se a África onde os Lusitanos o mandaram chamar por seus embaixadores e o fizeram seu capitão contra os mesmo Romanos que certo foi notável atrevimento de gente tão pouca contra tantos e tão poderosos inimigos. Com estes soldados principalmente pelejou Sertório contra muitos capitães romanos por outros dez anos, mais ou menos, e os venceu com grande honra sua e dos Lusitanos, como escrevem Plutarco, Orosio e Sabellico.

Viriato, "terror romanorum", o herói lusitano.
3. O mesmo Orósio depois de Cláudio, diz que trezentos lusitanos pelejaram com mil romanos, na qual peleja os Lusitanos foram vencedores: e que um deles, indo-se recolher a pé apartado dos outros, foi cercado de muitos romanos a cavalo. Mas ele, atravessando o cavalo de um [romano] com a lança, cortou com a espada em um só golpe a cabeça do cavaleiro. Com este feito ficaram todos tão cheios de medo que olhando para ele o deixaram ir livremente com despreso e com descanso.

4. André de Resende no terceiro [tomo] Das Antiguidades de Lusitânia traz um letreiro de romanos que começa "Q.ATTIO.T.F." no qual se diz que Quinto Attio, filho de Tito, foi capitão de cohorte I. dos Hespanhóis [não confundir a palavra com a do sentido moderno] e da cohorte I. dos lusitanos. Onde é muito notável, e advertiu também Resende, que estavam assim os Lusitanos separados dos Hepanhóis, como também o estão segundo os autores seguintes.

5. Alguns romanos, que acompanhavam a Sertório na Hespanha, por desgosto que dele tinham, diziam que sofriam afrontas, excessos de mandar, e trabalhos, como sofriam os Hespanhóis e os Lusitanos. Assim o escreveu Plutarco: e este mesmo autor na comparação que faz de Sertório com Eumenes, diz que este Eumenes foi capitão dos Macedones, e Sertório dos Hespanhóis, e dos Lusitanos. Da mesma maneira falavam Jerónimo sobre o cap. 64 de Esdras, onde diz que por certa ocasião foram enganadas algumas mulheres hespanholas e lusitanas.

6. Note-se que os Lusitanos, assim como estão aqui separados em nome [relativamente aos] outros hespanhóis por estes autores, assim o estavam também na guerra no lugar, como consta do letreiro acima: de maneira que não se misturavam com eles, mas antes faziam corpo por si, como quem tinha posta a opinião e reputação na fortaleza do braço próprio. Os quais mereceram a memória desta separação, e outros grandes louvores que os Romanos, seus adversários, lhes davam nas suas escrituras, pois eles não tiveram outros cronistas de suas coisas senão seus próprios inimigos, não degeneraram certo deles os Portugueses seus descendentes, porque assim como foram seus herdeiros da terra, assim o foram também do esforço, e valor, com que deram matéria a muitos autores de nosso tempo para falarem deles da mesma maneira, e com tanta honra como os antigos de seus antepassados, que até agora relatei.

7. Angelo Policiano dá muitos e singulares louvores aos Portugueses na pessoa de seu Rei por descobrir novos mundos, pelo que se seguiram à vida comum muito notáveis proveitos, e diz que ia confessar ter razão o grande Alexandre de suspirar por lhe ficarem outros mundos por vencer e, finalmente, que elRei de Portugal se pode ter por Rei de um povo romano. Cujos feitos este doutíssimo varão cobiçou que pediu em escrito com muitas palavras a elRei D. João II para os pôr em língua latina, em que ele era eminentíssimo, fazendo conta, como é credível que na escritura de tais feitos ficavam os louvores de sua pena em edifício de perpétua memória.

8. Paulo Jovio [Paulus Iouius] desejou fazer o que Policiano não fez e, para isso se ofereceu, mas como lhe faltasse o favor de elRei D. João III por conselho de alguns seus disse muito pouco, mas neste pouco muito, pois chama aos Portugueses vencedores de toda a Índia. Lourenço de Ananias chegou a dizer que cada um dos portugueses comeu do coração do grande Alexandre, porque pelejavam na Índia não somente com todas as nações, mas [também] com os mesmo elementos. Deixo muitos outros autores que louvaram aos Portugueses, uns de propósito, outros ao acaso não tratando mais Hespanhóis, e venho àqueles que falaram de uns e de outros na forma de letreiro, que traz Resende, e dos mais autores que lhe juntei.

9. Mariano Victorio afirma que pelos Hespanhóis e Portugueses não somente se conserva a fé católica mas que se descobriu um novo mundo cujos naturais, como tenras plantas de Cristo, se levantam e abraçam a mesma fé. Genebrardo sobre um salmo diz, que os Portugueses e Hespanhóis com suas navegações servem ao mistério da conversão dos povos Orientais.
Vasco da Gama diante de Samorim de Calecute
10. Rafael Volaterrano no fim da sua Geographia faz um particular capítulo onde conta o descobrimento dos Portugueses até Calecute, e a embaixada que o Soldam do Egipto mandou ao Papa Júlio II de queixumes deles por lhe impedirem o caminho das especiarias que vinham pelo Mar Vermelho e depois eram levadas à sua cidade de Alexandria onde os Cristãos lhas costumavam comprar: dizendo que se não desistiam haviam também de impedir o caminho de Jerusalém. E logo abaixo diz este autor que os Hespanhóis por emulação dos Portugueses deram princípio a outro descobrimento levando por guia e capitão a Cristóvão Colom.

11. Finalmente os Portugueses foram semelhantes aos antigos Lusitanos até no modo com que os autores falaram de uns e de outros. Mas nisto foram diferentes: os Lusitanos defendiam suas casas e estavam em sua terra, os Portugueses conquistaram as alheias e estavam em terras e mares prestíssimos onde haviam mais dificuldades,  os perigos eram maiores, e a morte ainda que uma só, era ocasionada de vários acidentes como de sede, fome, enfermidades, naufrágios, de paus tostados, de água, de fogo, e de ferro. E pudesse dizer que conjuraram todas as mortes contra os nossos, mas que ficaram vencidas e os nossos vivos, ou mortos vencedores. Porque o desejo de estender a fé católica e de fazer a vontade de seu Rei, fazem aos Portugueses tantos prodígios da vida que até lhes parece vencer quando morrem em execução de alguma destas coisas." (ESTAÇO, Gaspar. Várias Antiguidades de Portugal, Lisboa - 1625)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES