09/09/12

"VIOLÊNCIA" - OUTRA PALAVRA MUTILADA (I)

O erro é crescente, cada vez mais oficializado e divulgado pelos meios de comunicação, adquirido nas escolas e universidades, etc. Um "meio ambiente", um ar pestilento que corroí principalmente o que não é material: o uso das palavras bem o são, e bem o mostram.

Há anos, era eu estudante lá mais para o sul de Portugal, reparei num desentendimento entre o passado e o presente: uma má correspondência entre palavras e conceitos, e também "mentalidades". Cheguei a afirmar haver um problema na filosofia, e na teologia, o qual consiste no uso muito movível das palavras (conceitos), nestas disciplinas. Afirmei haver uma guerra de conceitos, que teria de ser resolvida, ou o desentendimento não pararia. Modernista como era, com as vistas trocadas, mas sem oposição consciente ao bem, cheguei a achar que a solução estaria na "reforma" o passado, para o fazer cabível no presente, e assim podermos construir o futuro: eis uma observação inicialmente verdadeira e boa, à que se seguiu uma falsa solução.

Hoje, depois de vários anos decorridos, nem duvido que não se pode ter a intenção de adaptar o passado à imagem do presente, muito menos sabendo tão pouco do passado. Aliás, o ignorante costuma achar que o antigamente é apenas pouco distante, à medida da sua curta vista, e a mesmo tempo vê o passado mais distante como algo irreal e mítico, tanto quanto a sua imaginação possa. Contudo, nem mesmo conhecendo razoavelmente o passado o poderíamos adaptar ao presente, tão somente porque o passado é inalterável, claro! Por isto, e lá vêm a ignorância e mais a arrogância descontraída, muitos se negam a conhecer bem o passado para melhor fazer o presente pelos princípios que não passam (o mesmo a respeito dos conceitos, das ideias, das crenças, das palavras etc...)

No outro dia aconteceu que determinada conversa emperrava, porque o meu interlocutor usava num outro sentido da palavra violência. Interessante?! Para ele a "violência" é algo necessariamente mau, brutal, e rima muito bem com violência doméstica, como se fossem duas coisas inseparáveis. Assustado com este crime dos meios de comunicação, que são os primeiros a divulgar incansavelmente estes maus usos, prontifiquei-me a explicar o sentido da palavra "violência".

Assim, fiz uma recolha desta palavra em textos e contextos ao longo dos tempos, mas acabei por superar em quantidade o necessário para apresentar àquele tal interlocutor.Como o material é muito, publicá-lo-hei em vários artigos:


Anticorpos fazem violência ao câncer

VIOLÊNCIA
recolha

Sermões do P. António Vieira da Companhia de Jesus Pregador de Sua Magestade”, Tomo XII. LISBOA, 1699:

(pág. 61) “ Sim; é tão grande a violência numa criatura racional o calar, que chega a fazer em poucos dias o que não pode fazer a morte em minutos anos (…). E qual será a razão? É porque a morte é violência da vida animal, e o silêncio é violência da vida racional. Pela vida nos distinguimos dos mortos, pela fala nos diferenciamos dos brutos;”

(pág. 68) “Os tormentos tidos por tormentos podem-se sofrer; porque são violências da vontade; mas tormentos dados por alívio não se podem tolerar, porque são contradições do entendimento. Que me dêem a mim Cruz como Cruz, tormento é, mas pode-se sofrer; porém que me dêem fel como água, é tormento que se não pode tolerar: tais são os tormentos da Religião, que vos darão fel e haveis de crer que é água: o gosto há-de dizer que amarga, e o entendimento há-de dizer que é doce. Pode haver maior violência? Pois isto é o que padece na Cruz da Religião.”

(pág. 79) “Nesta grande tragédia do maior dos nascidos fazem o primeiro, e segundo papel dois homens, que também nasceram grandes: hum Herodes, outro Filipe: um Rei, outro seu irmão: um sem honra, outro sem consciência: um casado, mas sem mulher; outro com mulher, mas não casado. E de toda esta violência, de todo este escândalo, de todo este vitupério de um, e de outro, não foram duas mulheres a causa, senão uma só, e a mesma, a infamante Herodias.”

(pag. 265) “Este filho pois, pródigo parto da Lusitânia, que Deus tinha destinado a tão gloriosos fins, para livrar assim da mesma Mãe, como das unhas do Dragão, de que não podia escapar, depois de sair à luz do mundo; diz o Texto, que foi arrebatado com violência, raptus est; porque o arrebatou do caminho, que levava para a Pátria, a violência da tempestade. E diz mais, que foi levado a Deus, e ao seu trono, ad Deum et ad thronum ejus; porque a mesma violência dos ventos o levou à Itália, e a Roma, onde Deus tem seu trono na terra.”

(pag. 333) “Assim foram também cativos todos, os que sem violência forem vendidos como escravos de seus inimigos, tomados em justas guerras; “

(Continuação. II parte)

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