Artigo do “Jornal Encyclopédico de Lisboa” (Nº 1, Janeiro de
1820)
FILOSOFIA MORAL
Reflexões sobre as preconizadas palavras Ideias Liberais - Que quer isso dizer?
EU DEMONSTRARIA desconhecer o Mundo se deixasse de tratar
esta matéria, e de a tratar com aquela clareza e perspicuidade que costumo dar
a tudo o que posso chamar discurso meu. Oiço falar a cada momento em Ideias
Liberais, parece um daquele bordões que tornam, e retornam a cada passo em
certas conversações sustentadas por certos homens. Isso é coisa nova; para os
incautos é indiferente, para os indivíduos acostumados a reflectir em tudo o
que vêem, e em tudo o que ouve, é um termo de mistério, e que quer dizer muita
coisa. A expressão não pode ser mais simples - Ideias Liberais. - Então que tem
Ideias Liberais? São Ideias Liberais. É a capa da maior maldade, que a malícia
humana tem excogitado, é o gérmen de toda a ruína, que o bando imenso de
facciosos intentam causar à humana sociedade. Desde o momento em que a seita
Filosófico-política fez andar à roda todas as cabeças com as grandes e altissonantes
palavras de igualdade, de liberdade, de direitos do homem, e direitos do
Cidadão, sem parar até este momento, uma oculta, porém universal fermentação,
agita, e indispõe todos os Povos civilizados deste, e do outro Hemisfério. A
mesma acéfala Democracia não está quieta, e menos satisfeita. Certos génios
exaltados com a mania inovadora lutam em silêncio contra a Monarquia, e são
tão orgulhosos que querem atrair a si tudo o que se chama soberania imperativa:
parece que estes Senhores querem que os Monarcas sejam seus humildes vassalos.
Acabaram-se na Europa as guerras da Religião, que agitaram por tão longo fio de
anos o Baixo Império, e se renovaram com maior furor no 15º século. Rebentaram
agora as Querelas políticas, e derramaram torrentes de chamas mais
devastadoras. De que se queixam estes génios inquietos? Que universal conspiração
é esta? Que Ideias Liberais são as suas? Longe de exigirem dos vassalos uma
cega obediência, não querem mais que uma submissão, ou sujeição respeitosa.
Vejo, Senhores das ideias liberais, que todo o homem na sociedade actual tem a
liberdade de se dar àquela profissão, que mais lhe apraz, de abraçar aquele
género de industria a que mais o leva, e o dirige seu natural instinto.
Considero as Leis, e com bem atenção, porque é este o objecto mais digno da
Filosofia verdadeira, e vejo que não permitem que o Cidadão seja inquietado em
sua pessoa, e em suas propriedades. Se estas Leis lhe parecem pesadas, quem o proíbe
de se subtrair a seu jugo por uma emigração voluntária? Deixem-nos; se não está
aqui bem, não dane os outros com sua impaciência, e intolerância. Há tributos,
e impostos? Sim, e com razão os há, porque é preciso que haja donde venham as coisas
que são precisas; mas estes impostos que são os adminículos da totalidade do
Estado, sempre são em proporção dos haveres; a quem não tem não se pede; e recaem
sobre a magnificência, e até sobre o luxo do mesmo luxo. Muito bem; procure
cercear essa ostentação escandalosa de tantos Prédios urbanos, de tantas
Quintas, que tanto se estendem, e tanto se dilatam, que parece que não querem
deixar um palmo de terra em que paste um carneiro; restrinja esta profusão
visível de riquezas, aligeirará também o peso dos impostos, que ele chama
insuportável. Se algum destes inquietos não ofende outro indivíduo da
sociedade, também o não poderão impunemente ofender, ou na honra, ou na
existência: está por ele a protecção, ou o socorro da Lei contra se agressor, e
até contra o Ministro que lhe negar equidade, e justiça. Se o seu elemento é a
inacção e o seu Numen a preguiça, se com isso não for pesado à sociedade, ninguém
o vai arrancar dos braços da sua querida indolência. Há homem de sizo, nesta
ordem de coisas que todos vemos, e todos experimentamos, que se possa com razão
queixar do Estado ou do Governo, ou da recta intenção das Leis? Então para que
são estas ideias liberais= Para sacudirem o jugo da ordem pública, para viverem
à sua vontade, que ninguém contrafaz. Estes Pregadores da Liberdade, são os
maiores inimigos da Liberdade, e se expõem a perde-la violando à cinte o
verdadeiro contrato social.
Ideias Liberais. Que quer isso dizer? A liberdade da prensa
com que nos aturdem desde a Groenlândia até ao Faro de Messina. Estes
incontáveis Demónios, e perturbadores do género humano, gritam, que a ventura
do homem está anexa à publicidade de suas produções políticas, ou literárias.
Sem dúvida tudo isto é muito bom, e até é necessário, que todas as grandes
verdades saiam do fundo do poço de Demócrito, e veja a luz. É preciso que o
génio criador não seja peado, nem sinta embargos em sua marcha, que sejam
livres seus voos, e que se conheçam, e publiquem todas as injustiças dos
homens, e que seja permitido à inocência manifestar-se, e descobrir-se. Tudo
isto é muito bom; mas também é muito melhor que todas as coisas tenham seus
limites, e que esta liberdade tenha um freio. Que seria do Estado, e mais das
Leis, se objectos tão sagrados se pudessem atacar, e degradar impunemente? Se a
honra é um bem verdadeiramente apreciável até para o Cidadão mais obscuro; se é
este um dos predicados que ele deve transmitir à sua posterioridade; digam-me
os das ideias liberais como se pode autorizar um Libelista imprudente, sem
eira, nem beira, nem ramo de figueira, sem ofício, e sem outra subsistência
mais do que o soldo dos Panegíricos feitos a Judeus, e Usurários, ou a quem
quer que seja que possua os cabedais extorquidos ao Estado, que queira derramar
o veneno da calúnia, por exemplo, sobre um Pai de famílias, sobre um
Magistrado, em uma palavra sobre um Cidadão irrepreensível? Este, dizem os das
Ideias Liberais, poderá ser vingado pelos Tribunais ou por um acto de Polícia;
- mas o seu cobarde difamador se esconderá nas trevas, e se cobrirá com a capa
do anónimo; e se não houvera a liberdade da prensa, não se cometerá um delito,
nem se fizeram um mal que não tem remédio. E é pouco traduzir aos Tribunais um
caluniador, solicitar contra ele a Justiça, e a vingança, a risco de alimentar
a malignidade pública, que sempre olha com indiferença para a justificação, e
condena com igual injustiça a queixa e mais o silêncio.
Gentes da Europa toda, não vos deixeis seduzir e iludir com
a Dialéctica destes Missionários da Liberdade, ardentes, e incensáveis
zeladores da felicidade pública; não querem que nos exército haja o rigor da
disciplina militar, desejam semear a insubordinação e a revolta, como factos
presentes nos fazem conhecer, para que a autoridade legítima não tenha nem
força nem poder; atacam a Magistratura, porque não convêm a seus projectos que
as Leis tenham órgãos; querem com suas liberais ideias arrombar as cadeias com
o pretexto de arrancar de suas enxovais alguns cativos, que eles consideram, ou
reputam inocentes, mas sua intenção é multiplicar as tropas auxiliares; é fácil
a união de um facinoroso a outro facinoroso. Trazem na cara a máscara da falsa
humanidade, mas apenas se assenhoram do poder, fazem correr em ondas o sangue
das mulheres, e dos inocentes meninos; basta que pertençam pele mais remota
afinidade a uma condição, ou estirpe que eles abominam. Armaram contra a
fortuna dos ricos uma Horda de vagabundos, e vadios, dizendo ao povo que é para
o arrancar dos horrores da indigência; porém é para eles se opulentarem ainda
mais. Com o pretexto de declarar guerra ao Fanatismo, e superstição, sufocaram
todos os germes da Moral, falar-vos-ão de Filosofia, cujas luzes eles mesmos sepultam,
e apagam. Afectaram certo gosto das Boas Artes, para vos reduzirem ao estado de
oficiais mecânicos, e vos tratarem depois não só com orgulho, mas com manifesto
desprezo: falar-vos-ão da abundância, e desgostando, e desanimando os
proprietários, farão que todos os recursos da indústria se extingam debaixo do
prazo da sua tirania: e quando em terra que habitais não houver mais que ruína,
e miséria armar-vos-ão, e vos transformarão em devastadores. Serei o terror dos
outros povos, que se reunirão para vos exterminar; enfim desenganados de
quimeras, e ilusões, vossa paciência se transformará em furor, deitareis à terra
o ídolo a quem tanto sacrificaste, e olhareis com horror para as ideias
liberais, de uma inexequível igualdade, e liberdade; e depois de muitos
estragos, sereis obrigados a entrar espontaneamente nos caminhos da ordem, e da
discreta e necessária sujeição. Olhareis cheios de assombro e de vergonha para
certas classes, que as Ideias Liberais fizeram quando vos pregavam liberdade, e
igualdade; vereis que foram criadas mais distinções honoríficas, mais dominações
soberbas, e pasmareis de ver que tínheis dado o tratamento de Excelência a uma
cáfila de facciosos saídos da última ralé do povo, e o da Alteza Sereníssima a
Estalajadeiros que saíram da obscuridade pelos caminhos do crime, e da impudência,
marchando de colo levantado com escandalosa insolência de comilões, ou
parasitos. Eis aqui o que fizeram os Demagogos da Revolução Francesa, e depois
que as ideias liberais levaram do Trono para o cadafalso um Monarca bom,
benigno, e justo descendente de uma longa serie de Reis, lhe sentaram no
manchado Trono um aventureiro estranho, que os deslumbrou com o prestígio de um
valor emprestado, e que apenas viu nos ombros o manto Imperial lhes fez pesar
na cabeça um ceptro de ferro, e os oprimiu com a tirania, e a sevícia de um
Tigre, os esmagou com uns pés de bronze, dourado com o preço de suor, e sangue
de milhões de vitimas. Tal foi o fim deplorável do cego zelo daqueles
insensatos Demagogos arquitectos das ideias liberais, que chamando-se amigos do
género humano, foram para ele um flagelo mais devastador, que a peste, que as
inundações, que os terremotos.
Não imagine ninguém, que eu, para conter os homens nos
limites da prudência, carrego de encarecidas sombras o Quadro que lhes
apresento à vista. Não exagero, tenho ouvido mais de uma vez, que coisa sejam
as ideias liberais dos novadores, e nunca me julguei tão destituído de sizo, ou
de conhecimento dos homens, que pudesse, ou quisesse ter parte em seus
projectos, cujas funestas consequências eu previa, e eu prevejo, A tenebrosa
seita me julgou, e considerou sempre como um Ente pusilâmine, e talvez que eu
tenha escapado aos últimos golpes de seu ressentimento, pela piedade que lhe
inspirava um homem tão hebetado, de vistas tão curtas, e de tanta simplicidade
como eu; porque enfim, dizem os Senhores das Ideias Liberais, a profunda, e
alta inteligência, o saber, a compreensão, e a execução dos meios de fazer
prosperar a raça humana, são coisas privativamente suas com exclusão de todos
os filhos de Eva. Só eles sabem, e todos os homens a eito são ignorantes.
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