03/09/12

TESTEMUNHOS DO Pe. AGOSTINHO DE MACEDO - OS LIBERAIS



Artigo do “Jornal Encyclopédico de Lisboa” (Nº 1, Janeiro de 1820)

FILOSOFIA MORAL
Reflexões sobre as preconizadas palavras Ideias Liberais - Que quer isso dizer?


EU DEMONSTRARIA desconhecer o Mundo se deixasse de tratar esta matéria, e de a tratar com aquela clareza e perspicuidade que costumo dar a tudo o que posso chamar discurso meu. Oiço falar a cada momento em Ideias Liberais, parece um daquele bordões que tornam, e retornam a cada passo em certas conversações sustentadas por certos homens. Isso é coisa nova; para os incautos é indiferente, para os indivíduos acostumados a reflectir em tudo o que vêem, e em tudo o que ouve, é um termo de mistério, e que quer dizer muita coisa. A expressão não pode ser mais simples - Ideias Liberais. - Então que tem Ideias Liberais? São Ideias Liberais. É a capa da maior maldade, que a malícia humana tem excogitado, é o gérmen de toda a ruína, que o bando imenso de facciosos intentam causar à humana sociedade. Desde o momento em que a seita Filosófico-política fez andar à roda todas as cabeças com as grandes e altissonantes palavras de igualdade, de liberdade, de direitos do homem, e direitos do Cidadão, sem parar até este momento, uma oculta, porém universal fermentação, agita, e indispõe todos os Povos civilizados deste, e do outro Hemisfério. A mesma acéfala Democracia não está quieta, e menos satisfeita. Certos génios exaltados com a mania inovadora lutam em silêncio contra a Monarquia, e são tão orgulhosos que querem atrair a si tudo o que se chama soberania imperativa: parece que estes Senhores querem que os Monarcas sejam seus humildes vassalos. Acabaram-se na Europa as guerras da Religião, que agitaram por tão longo fio de anos o Baixo Império, e se renovaram com maior furor no 15º século. Rebentaram agora as Querelas políticas, e derramaram torrentes de chamas mais devastadoras. De que se queixam estes génios inquietos? Que universal conspiração é esta? Que Ideias Liberais são as suas? Longe de exigirem dos vassalos uma cega obediência, não querem mais que uma submissão, ou sujeição respeitosa. Vejo, Senhores das ideias liberais, que todo o homem na sociedade actual tem a liberdade de se dar àquela profissão, que mais lhe apraz, de abraçar aquele género de industria a que mais o leva, e o dirige seu natural instinto. Considero as Leis, e com bem atenção, porque é este o objecto mais digno da Filosofia verdadeira, e vejo que não permitem que o Cidadão seja inquietado em sua pessoa, e em suas propriedades. Se estas Leis lhe parecem pesadas, quem o proíbe de se subtrair a seu jugo por uma emigração voluntária? Deixem-nos; se não está aqui bem, não dane os outros com sua impaciência, e intolerância. Há tributos, e impostos? Sim, e com razão os há, porque é preciso que haja donde venham as coisas que são precisas; mas estes impostos que são os adminículos da totalidade do Estado, sempre são em proporção dos haveres; a quem não tem não se pede; e recaem sobre a magnificência, e até sobre o luxo do mesmo luxo. Muito bem; procure cercear essa ostentação escandalosa de tantos Prédios urbanos, de tantas Quintas, que tanto se estendem, e tanto se dilatam, que parece que não querem deixar um palmo de terra em que paste um carneiro; restrinja esta profusão visível de riquezas, aligeirará também o peso dos impostos, que ele chama insuportável. Se algum destes inquietos não ofende outro indivíduo da sociedade, também o não poderão impunemente ofender, ou na honra, ou na existência: está por ele a protecção, ou o socorro da Lei contra se agressor, e até contra o Ministro que lhe negar equidade, e justiça. Se o seu elemento é a inacção e o seu Numen a preguiça, se com isso não for pesado à sociedade, ninguém o vai arrancar dos braços da sua querida indolência. Há homem de sizo, nesta ordem de coisas que todos vemos, e todos experimentamos, que se possa com razão queixar do Estado ou do Governo, ou da recta intenção das Leis? Então para que são estas ideias liberais= Para sacudirem o jugo da ordem pública, para viverem à sua vontade, que ninguém contrafaz. Estes Pregadores da Liberdade, são os maiores inimigos da Liberdade, e se expõem a perde-la violando à cinte o verdadeiro contrato social.

Ideias Liberais. Que quer isso dizer? A liberdade da prensa com que nos aturdem desde a Groenlândia até ao Faro de Messina. Estes incontáveis Demónios, e perturbadores do género humano, gritam, que a ventura do homem está anexa à publicidade de suas produções políticas, ou literárias. Sem dúvida tudo isto é muito bom, e até é necessário, que todas as grandes verdades saiam do fundo do poço de Demócrito, e veja a luz. É preciso que o génio criador não seja peado, nem sinta embargos em sua marcha, que sejam livres seus voos, e que se conheçam, e publiquem todas as injustiças dos homens, e que seja permitido à inocência manifestar-se, e descobrir-se. Tudo isto é muito bom; mas também é muito melhor que todas as coisas tenham seus limites, e que esta liberdade tenha um freio. Que seria do Estado, e mais das Leis, se objectos tão sagrados se pudessem atacar, e degradar impunemente? Se a honra é um bem verdadeiramente apreciável até para o Cidadão mais obscuro; se é este um dos predicados que ele deve transmitir à sua posterioridade; digam-me os das ideias liberais como se pode autorizar um Libelista imprudente, sem eira, nem beira, nem ramo de figueira, sem ofício, e sem outra subsistência mais do que o soldo dos Panegíricos feitos a Judeus, e Usurários, ou a quem quer que seja que possua os cabedais extorquidos ao Estado, que queira derramar o veneno da calúnia, por exemplo, sobre um Pai de famílias, sobre um Magistrado, em uma palavra sobre um Cidadão irrepreensível? Este, dizem os das Ideias Liberais, poderá ser vingado pelos Tribunais ou por um acto de Polícia; - mas o seu cobarde difamador se esconderá nas trevas, e se cobrirá com a capa do anónimo; e se não houvera a liberdade da prensa, não se cometerá um delito, nem se fizeram um mal que não tem remédio. E é pouco traduzir aos Tribunais um caluniador, solicitar contra ele a Justiça, e a vingança, a risco de alimentar a malignidade pública, que sempre olha com indiferença para a justificação, e condena com igual injustiça a queixa e mais o silêncio.

Gentes da Europa toda, não vos deixeis seduzir e iludir com a Dialéctica destes Missionários da Liberdade, ardentes, e incensáveis zeladores da felicidade pública; não querem que nos exército haja o rigor da disciplina militar, desejam semear a insubordinação e a revolta, como factos presentes nos fazem conhecer, para que a autoridade legítima não tenha nem força nem poder; atacam a Magistratura, porque não convêm a seus projectos que as Leis tenham órgãos; querem com suas liberais ideias arrombar as cadeias com o pretexto de arrancar de suas enxovais alguns cativos, que eles consideram, ou reputam inocentes, mas sua intenção é multiplicar as tropas auxiliares; é fácil a união de um facinoroso a outro facinoroso. Trazem na cara a máscara da falsa humanidade, mas apenas se assenhoram do poder, fazem correr em ondas o sangue das mulheres, e dos inocentes meninos; basta que pertençam pele mais remota afinidade a uma condição, ou estirpe que eles abominam. Armaram contra a fortuna dos ricos uma Horda de vagabundos, e vadios, dizendo ao povo que é para o arrancar dos horrores da indigência; porém é para eles se opulentarem ainda mais. Com o pretexto de declarar guerra ao Fanatismo, e superstição, sufocaram todos os germes da Moral, falar-vos-ão de Filosofia, cujas luzes eles mesmos sepultam, e apagam. Afectaram certo gosto das Boas Artes, para vos reduzirem ao estado de oficiais mecânicos, e vos tratarem depois não só com orgulho, mas com manifesto desprezo: falar-vos-ão da abundância, e desgostando, e desanimando os proprietários, farão que todos os recursos da indústria se extingam debaixo do prazo da sua tirania: e quando em terra que habitais não houver mais que ruína, e miséria armar-vos-ão, e vos transformarão em devastadores. Serei o terror dos outros povos, que se reunirão para vos exterminar; enfim desenganados de quimeras, e ilusões, vossa paciência se transformará em furor, deitareis à terra o ídolo a quem tanto sacrificaste, e olhareis com horror para as ideias liberais, de uma inexequível igualdade, e liberdade; e depois de muitos estragos, sereis obrigados a entrar espontaneamente nos caminhos da ordem, e da discreta e necessária sujeição. Olhareis cheios de assombro e de vergonha para certas classes, que as Ideias Liberais fizeram quando vos pregavam liberdade, e igualdade; vereis que foram criadas mais distinções honoríficas, mais dominações soberbas, e pasmareis de ver que tínheis dado o tratamento de Excelência a uma cáfila de facciosos saídos da última ralé do povo, e o da Alteza Sereníssima a Estalajadeiros que saíram da obscuridade pelos caminhos do crime, e da impudência, marchando de colo levantado com escandalosa insolência de comilões, ou parasitos. Eis aqui o que fizeram os Demagogos da Revolução Francesa, e depois que as ideias liberais levaram do Trono para o cadafalso um Monarca bom, benigno, e justo descendente de uma longa serie de Reis, lhe sentaram no manchado Trono um aventureiro estranho, que os deslumbrou com o prestígio de um valor emprestado, e que apenas viu nos ombros o manto Imperial lhes fez pesar na cabeça um ceptro de ferro, e os oprimiu com a tirania, e a sevícia de um Tigre, os esmagou com uns pés de bronze, dourado com o preço de suor, e sangue de milhões de vitimas. Tal foi o fim deplorável do cego zelo daqueles insensatos Demagogos arquitectos das ideias liberais, que chamando-se amigos do género humano, foram para ele um flagelo mais devastador, que a peste, que as inundações, que os terremotos.

Não imagine ninguém, que eu, para conter os homens nos limites da prudência, carrego de encarecidas sombras o Quadro que lhes apresento à vista. Não exagero, tenho ouvido mais de uma vez, que coisa sejam as ideias liberais dos novadores, e nunca me julguei tão destituído de sizo, ou de conhecimento dos homens, que pudesse, ou quisesse ter parte em seus projectos, cujas funestas consequências eu previa, e eu prevejo, A tenebrosa seita me julgou, e considerou sempre como um Ente pusilâmine, e talvez que eu tenha escapado aos últimos golpes de seu ressentimento, pela piedade que lhe inspirava um homem tão hebetado, de vistas tão curtas, e de tanta simplicidade como eu; porque enfim, dizem os Senhores das Ideias Liberais, a profunda, e alta inteligência, o saber, a compreensão, e a execução dos meios de fazer prosperar a raça humana, são coisas privativamente suas com exclusão de todos os filhos de Eva. Só eles sabem, e todos os homens a eito são ignorantes.

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