27/03/12

O NATURALISMO (3)


Todavia evitais o excesso de negar explicitamente a vida futura. Admiti-la em desejos, aspirações e linguagem; mas doutrinalmente a rejeitais. Conheceis que o nega-la em absoluto é um ataque a Deus e ao homem. Mas deixais por isso de afrontar o ser supremos, proibindo-O de sair das leis gerais deste mundo, e de modificar os seus primeiros actos, e negando-lhe o direito de mostrar às suas criaturas, já deste mundo, o fim sobrenatural que lhes destina? A natureza é Deus, o sobrenatural é também Deus. A lei geral é Deus, e o benefício particular, o favor extraordinário, Deus é também sempre. Não se compadece com a razão que Deus dê ao homem a ordem sobrenatural: que lhe dê, por gratuita bondade, mais que o pontualmente necessário à sua existência terrestre; que o beneficie com felicidade superior ao estado de simples natureza? Mas que razão há para que se desautorize Deus de tão nobres atributos para ele, e de tão favoráveis para o homem?

Negar, portanto, o sobrenatural, e ir de encontro a quanto os homens pensaram, acreditaram, e esperaram; é impugnar-lhes as mais altas aspirações, as mais poderosas faculdades, imaginação, consciência, e razão, que também fazem parte de sua natureza evidentemente. É derruir as leis de seu ser, como pretexto de as resolver. É envilecer-lhe o presente, e denegar-lhe o porvir. É secar-lhe na alma a fonte do grandioso, puro, generoso e desinteressado. É, por derradeiro, suprimir o problema para o não resolver.

Bonissimamente compreendera a força destes princípios e consequências o insigne escritor que designou “como questão capital a debatida entre os que reconhecem e os que não reconhecem ordem sobrenatural, certa e soberana, bem que impenetrável à razão do homem; questão ventilada entre o supernaturalismo e o racionalismo. De um lado, incrédulos, panteístas, cépticos de todos os feitios, e racionalistas. Do outro lado, cristãos. Os melhores de entre os primeiros deixam subsistir no mundo a estátua de Deus, se podemos empregar semelhante expressão; mas somente estátua, uma imagem, um mármore. Deus não está aí nisso. Comente os cristãos têm o Deus vivo”. (Guizot. Meditações e est. Moraes, Pref, pag. 1)

Assim como filósofo entende com referência a Deus, o intendemos com a imoralidade e vida futura!

Observação curiosa é essa da confrontação dos diversos sistemas que não admitem a verdade completa! Conformidade que lhes argue o erro, e mostra a incerteza de sua direcção, e a fragilidade de tudo que não assenta sobre bases fixas e inconcussas! Porque, observai que propriamente as escolhas, que professam doutrinas sãs e elevadas sobre outros pontos, logo que se declaram inimigos do sobrenatural, submetem-se à justa arguição de M. Guizot, como as outras que, à míngua de vontade ou força, não se elevam a considerações nem aceitam leis superiores às do mundo.

Dois sistemas, que particularmente vamos estudar, combatem hoje em dia toda a espécie de sobrenatural, e deste antagonismo fundaram doutrina. Pertencem uns ao racionalismo puro, admitem unicamente a razão como supremo fim, e, mediante uma crítica desassombrada, tocaram o nominalismo sem fundamento nem realidade. Outros, restinguem-se ao positivismo, só reconhecem concepções materiais, aplicações puramente sensíveis, e fazem da terra ponto de partida como termo único de seus esforços."

(Leia a primeira parte do texto, AQUI)

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