DO PRINCÍPIO E ANTIGUIDADE DA CAVALARIA E ORDEM MILITAR DE S. BENTO DE AVIS
"raziam as guerras de Hespanha [Peninsula Ibérica, ou Espanhas] tão embaraçados aos Príncipes Cristãos e a[os] seus vassalos na reparação dela [da península Ibérica], que parece [que] lhes não dava a ocupação lugar para que (deixando por um pouco as armas) tomassem na mão a pena a fim de nos deixarem algumas memórias - posto que breves, das muitas coisas que então sucediam indignas do esquecimento em que para sempre ficaram sepultadas.
Destas [coisas], foi uma (e não menos principal daqueles tempos) a criação da nobre Cavalaria a que hoje vulgarmente chamam de Avis, a qual não sabemos dar Autor nem princípio certo: mas entendemos que não carecia de mistério permiti-lo Deus assim; para que o tenhamos a Ele somente por imediato Autor de uma obra tão santa. E, no averiguar dúvidas sobre sua antiguidade, remetemos [em] dizer que é tão antiga que se lhe não sabe o princípio. E, quando lho queiramos dar sem determinação de ano certo (pois não se alcança) viremos a dizer, movidos por eficazes conjecturas, que há na matéria, que como o Príncipe D. Afonso Henriques por morte do Conde seu pai D. Henrique tomasse posse de Portugal e se dispusesse com um fervorosíssimo zelo de Príncipe Cristão (que professava a perseguir os inimigos da Fé), quis Deus favorecer tão santos propósitos, com mover os ânimos de certos Cavaleiros principais da sua Corte, à que debaixo de voto, e juramento professem para com Deus, e se obrigassem para consigo a morrer uns por outros na defesa da bandeira de Cristo. Incitou logo o novo modo de Religião a outros muitos aventureiros prodígios das vidas, e cobiçosos de honra, que se incorporam na mesma milícia; e todos juntamente começaram a dar à execução seus institutos Militares em companhia do Príncipe D. Afonso, cujos vassalos eram. E assim pela lealdade, que como tais lhe deviam: como também pela obrigação de sua nova cavalaria, se achavam sempre com ele nos mais árduos encontros, e dificultosas empresas, que com os Mouros tinha. Ao que tudo quis dar alcance Frei Jerónimo Romão na sua República Cristã: mas acham tão apagados os vestígios, que não chegou mais que pela tomada de Lisboa: onde diz que se acharam os Cavaleiros da nova Milícia, que foi no ano de 1147. No qual lhe dá princípio Frei Manuel Rodrigues no tomo primeiro das questões Regulares na questão quinta no artigo último. Porém o mesmo Frei Jerónimo Romão acrescenta mais que elRei a instituiu pouco depois da batalha do campo de Ourique, que foi no ano de 1139 movido por ventura de alguma notícia, que as memórias antigas deste Reino começam a dar dela desde aquele tempo: mas não que de certo afirme ser então criada; antes supõe que o estava de antes: porque nunca elRei interpusera sua autoridade na instituição de uma coisa tão nova jamais vista na Hespanha [Península Ibérica, ou Espanhas], sem ter visto por experiência sua utilidade. Na prova disto fizéramos mais força com razões eficazes, que para isso não faltam; se para provar que esta Cavalaria é mais antiga de todas as da Hepanha [Península Ibérica, ou Espanhas] não basta somente que tivesse princípio no ano de 1147 que foi o do cerco, e tomada de Lisboa, onde se acharam os novamente professos: sem fazermos caso dos mais anos de antes, em que lá floresciam. Pois se alguma outra Milícia se podia opor com esta ao mais antigo lugar, era a de Santiago, que começou muito de antes do tempo de elRei D. Afonso Henriques: porém inabilitou-se com tomar por seu primeiro Mestre ao Diabo, cujos Cavaleiros se chamavam os professos nela, tendo por instituto da sua Milícia, não deixarem de cometer caso por abominável que fosse contra a lei de Deus, e em prejuízo da Cristandade; como no princípio de sua Regra se refere, e é coisa sem dúvida. Depois do que vieram a ser inspirados pela graça divina; e deixando o abominável trato em que andavam propuseram fazer de seu ajuntamento um muro, (como em efeito fizeram) com que a Cristandade se defendesse da multidão de Mouros, que andavam por Hespanha [Península Ibérica, ou Espanhas]. E logo que vieram nisto, foram instituídos em Cavaleiros Regulares, com autoridade do Legado de Later Dom Jacinto Diácono Cardeal [Cardeal Diácono], que naquela ocasião viera a Hespanha [Península Ibérica, ou Espanhas]. O que foi em tempo de Alexandre III no ano de 1175. No qual se há-de dizer, que teve princípio a Ordem à que por seus estatutos obrigava a viver desordenadamente aos que a professavam. E fazendo agora deste ano de 1175 com o de 1147 em que já muito havia se tinha dado princípio à nossa Milícia; fica sendo notória a vantagem que lhe fez na antiguidade. Do que vendo-se convencido Radez de Andrade na Crónica que fez das Milícias de Castela, chega a constar ser a Cavalaria e Ordem de Avis das mais antigas de Hespanha [Península Ibérica, ou Espanhas]. A qual honra lhe concedeu com tanta escassez, que lha pôs debaixo de condição, dizendo ("se as Crónicas de Portugal nos não enganam"). Ao que se referiu também Argote de Molina na primeira parte da nobreza de Antaluzia: posto que (conformando-se mais alguma coisa com a verdade) confesse ter esta Milícia seu princípio no ano de 1147 que foi o que fazemos a computação. Mas cada um deles se quis mostrar afeiçoado à sua Pátria, em lhe não tirar essa honra de todo, dando-no-la a nós por entre aquelas dúvidas. Todas as quais se tiram com o que diz Rezende no tratado que fez da antiguidade de Évora àcerca desta Milícia, fazendo-a mais antiga de todas as da Hespanha; conforme ao que falam já hoje todos os modernos, que escrevem sobre as coisas deste Reino."
("Regra da Cavallaria e Ordem Militar de S. Bento de Avis", folha I. 1631)
("Regra da Cavallaria e Ordem Militar de S. Bento de Avis", folha I. 1631)
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