D. Miguel I de Portugal. Família Real no exílio |
Parte central do discurso, nas Cortes de 1828, do grande defensor de D. Miguel, José Acúrcio das Neves:
"Os ilustres fundadores da Monarquia estabeleceram em Lamego como fundamento da ordem da sucessão do reino que a coroa nunca passasse a pessoa estrangeira - quia nunquam volumus nostrum Regnum ire for de Portugalensibus, qui nos sua fortitudine Reges fecerunt Bine adjutorio alieno per suam fortitudinem, et cum sanguine suo.
Os ilustres restauradores de 1640, para corroborarem ainda mais esta lei fundamental, propuseram outra nas Cortes de 1641 para que não só a coroa nunca passasse a príncipe estrangeiro, nem filhos seus, ainda que fossem os parentes mais chegados do último rei, mas que aquele que houvesse de suceder no reino, além de ser nascido fosse também criado nele, palavras do capítulo do estado da Nobreza, para conhecer seus vassalos e os amar como tais, e tivesse obrigação de residir dentro dele, e acrescentaram que acontecendo suceder o rei em algum outro reino ou senhorio maior, fosse obrigado a residir sempre no de Portugal; e tendo dois ou mais filhos varões, o maior sucedesse no estranho e o segundo no de Portugal.
Toda esta doutrina foi aprovada pelo senhor rei D. João IV, nas suas respostas aos respectivos capítulos dos três estados, e colectivamente ratificada na sua carta patente de 12 de Setembro de 1642, e por consequência também constitui uma lei fundamental do Estado, que o próprio rei não podia alterar sem o consenso da nação.
Que diriam, pois, os fundadores e os restauradores desta monarquia, se fossem presentes, vendo a injúria com que se tem querido tirar a coroa a Vossa Alteza Real para se entregar com tão manifesto prejuízo e repugnância da nação a um príncipe não só estrangeiro, porém residente e estabelecido com um império além do Atlântico?
O direito à coroa não se devolveu para o legítimo sucessor senão no momento fatal em que expirou o senhor D. João VI, porque esta é a regra em todas as sucessões. E a este momento não estava já reconhecida, bem ou mal, a independência do Brasil e o senhor D. Pedro investido no império por sua livre escolha e vontade?
Aquela previdente cláusula de que se usou nas cortes de Lamego - nunquam volumus nostrum Regnum ire for de Portugalensibus - entendida no seu sentido natural e não segundo os ápices de direito de que de certo não cogitavam os fundadores da monarquia, que não eram letrados, exprime bem a sua intenção. Quiseram que nunca tivéssemos rei que não fosse do reino e não estivesse entre nós e que a coroa jamais saísse de Portugal, e eis aqui bem claramente excluído o senhor D. Pedro e nele toda a sua descendência e a coroa devolvida ao imediato, que é Vossa Alteza Real. Porém, ainda entendida a mesma cláusula no rigor jurídico, o seu efeito é sempre o mesmo.
A qualidade de nacional ou estrangeiro, segundo o direito público universal e o particular do nosso reino, deriva-se mais do estabelecimento do que do nascimento, à maneira do que se acha determinado a respeito dos direitos de vizinhança pela Ordenação, liv. 2.º, tit. 56 – todo aquele que se estabelece em país estrangeiro e nele aceita empregos públicos (quanto mais um império!) fica sendo estrangeiro ao país em que nasceu. Neste caso se acha o senhor D. Pedro que não podia ser imperador do Brasil sem ser brasileiro nem ser brasileiro e ao mesmo tempo português, residente e estabelecido no Brasil e ao mesmo tempo em Portugal, pois são qualidades repugnantes.
Logo o senhor D. Pedro nunca chegou a ter direito à coroa de Portugal, e não o tendo, não o podia transmitir a sua augusta filha, a senhora Dona Maria da Glória, nem por cessão nem por direito hereditário. Não por cessão, porque ninguém pode ceder a outrem uma propriedade que não é sua, e muito menos um reino, que não é propriedade alodial de que se possa dispor livremente contra a ordem regular da sucessão. Não por direito hereditário, porque as Cortes de 1641 excluíram da sucessão da coroa não só a qualquer príncipe estrangeiro, mas conjuntamente os filhos dele.Interrompida no pai a linha, interrompida fica para toda a sua descendência.
Somente a lógica revolucionária poderia achar na sua falaz verbosidade argumentos que opor à simplicidade deste raciocínio; mas não é de seus paralogismos que dependem os direitos de Vossa Alteza Real e os destinos da heróica nação portuguesa, que depois de constituída em monarquia jamais recebeu leis de país algum estrangeiro senão compelida por força maior no tempo dos Filipes.
Se se levantassem de seus túmulos aqueles varões assinalados que à custa do seu sangue tanto engrandeceram esta monarquia, conquistando reinos e colonizando regiões imensas, que dor, que indignação seria a sua, vendo entre os seus descendentes alguns desses, portugueses degenerados que têm a baixeza e o servilismo de requerer sujeitar a metrópole, esta rainha dos mares, a receber as leis de uma das suas colónias! A uma colónia que se rebelou, que lhe fez a guerra, que lhe tem apresado seus navios, usurpado as suas propriedades e tratado os portugueses com tanta ignomínia como trataria os seus escravos! Oh! tempos! Oh! costumes!
Porém outros são os seus fins. Eles não querem rei, nem natural nem estrangeiro; não querem leis, nem da metrópole nem da colónia. O que eles querem é um rei nominal que esteja a duas mil léguas de distância, que não tenha força para obstar às suas maquinações e de que se possam descartar num momento. O que querem primeiro do que tudo é desviar do trono a Vossa Alteza Real, porque conhecem os sentimentos e as virtudes de que se adorna e já provaram o valor do seu braço; pois esta facção é a mesma e até surgiu dos mesmos subterrâneos que a de 1820.
Eis aqui a razão porque eles tanto se têm esforçado para evitar a reunião dos três estados, prevendo que lhes havia de ser fatal. Proclamadores sempiternos dos direitos do povo e da representação nacional, logo que o povo manifesta os seus desejos por aclamações espontâneas tratam de o sufocar e sujeitar a seus caprichos. Logo que se cogita de reunir a legítima representação nacional, segundo as leis e usos da monarquia, não há meio que não empreguem para obstar a esta reunião, como fizeram em 1820. Invocam hoje a Carta como naquele tempo invocaram as Cortes e afectaram chorar a perda de nossas antigas instituições, porque lhes serviria de degrau para proclamarem amanhã a república, como então proclamaram a soberania do povo.
Veja, porém, o mundo como a nação portuguesa já os conhece e abomina. É uma facção puramente militar, o que muito agrava o seu crime, e como os chefes são militares, arrastou às suas bandeiras uma parte do exército, ou seduzida ou obrigada pela força; mas nem uma só povoação entrou no seu partido senão aquelas que têm ocupado militarmente."
Sem comentários:
Enviar um comentário