MEMÓRIAS ECLESIÁSTICAS DO REINO DO ALGARVE
CAPÍTULO XIV
Perdem os Godos as Espanhas no Reinado de D. Rodrigo. Introduzem-se os Africanos: os Reis das Astúrias, de Leão e de Navarra sacodem o jugo. D’El-Rei D. Afonso Henriques lança fora os Mouros de grande parte da Lusitânia.
Tal foi o digno, e decoroso esplendor com que a Igreja Osnobense apareceu naqueles dias à face do Universo. A vigilância dos Santos Pastores em explicarem a Doutrina Evangélica, a força, a viva, e eficaz força com que eles pronunciavam as vozes de salvação, a majestade do sacrifício, a devoção, e respeito do culto, as acções, e feitos virtuosos no desempenho do Sagrado Ministério; todos estes santos, e louváveis procedimentos são evidentes testemunhos da efectiva diligência, e instrução dos Prelados, que regeram aquela Diocese. Ninguém pensará com acerto poder descobrir uma justa, e completa notícia daqueles séculos. É geral a desconsolação, e lamento dos sábios nesta parte. As pequenas luzes dos Sinos primitivos fazem a maior instrução aos nossos conhecimentos, Senão reputássemos apócrifas as Epístolas, que se supões dirigidas por alguns Pontífices daqueles séculos aos Bispos da nossa Espanha elas fariam a glória da Igreja Osnobense. Na mão dos bárbaros Sarracenos pereceram com os operários do Evangelho as nossas Memórias. As suas grandes, e dignas acções, que ainda hoje excitariam os nossos sentimentos à veneração, e respeito, foram subterradas com os Santos Professores do Cristianismo.
Os pecados D’El-Rei D. Rodrigo, a raiva do perverso, e infame Julião, os fins que a Providencia se propõe para castigar as culpas dos homens, são motivo das infelicidades de Espanha, e das victorias e triunfos dos bárbaros. Não é possível dizer se foi Agripio, ou outro Bispo, quem presidia à Igreja Osnobense no ano em que se descreve a invasão destes Árabes na Lusitânia (quase todos os Escritores referem esta entrada dos Sarracenos em 713 ou 714. Porém o sábio Anotador da Tradução da História de Portugal de Mr. De Clede, fundado talvez em Pagi, nos diz “Que Mufa passou ás Espanhas em 711 como ele dirá adiante”, tomo II pag. 175). Quero esquecer-me da supersticiosa preocupação de certos cronistas em intentarem persuadir-nos que na entrada dos Sarracenos se refugiara á Ilha Antilia [Antilhas], ou Encoberta, Máximo Metropolitano Emeritense com seus Bispos sufragâneos, levados da Providencia, e destino superior. Triste pensar daquele século! Acaso teriam lembrança de algum Prelado da nossa Osnoba?
D. Paio Príncipe Godo, neto D’El-Rei Kindasvindo, é aclamado Rei das Astúrias poucos anos depois daquela época. Este Soberano desbarata os Africanos na batalha de Ausena. As diversas Monarquias que se levantaram nas Espanhas derivaram seu princípio desta conquista apesar da oposição dos Sarracenos.
Ficaram as nossas terras sujeitas ao Império e senhorio dos Kalifas, ou sucessores de Mafoma [Maomé] (O título de Kalifa significa Sucessor Hereditário. É anexo a esta dignidade o supremo poder absoluto em todas as matérias assim de Religião, como do Governo Político. Os antigos Soberanos Árabes, e ainda hoje os Reis de Marrocos, gozam deste título). Tinham estes sua Corte na Cidade de Damasco, e nomeavam os Vice-Reis, e Governadores, que regendo os Povos, recebiam os tributos em reconhecimento da vassalagem.
O dominante espírito de dissensões trouxe sempre inquieto este Império com intestinas discórdias. Mil ruínas causaram estre si, e na Monarquia a ambição de governar dos Omniaditas Moavias, e dos Abbassidas no Oriente, e dos Almoravides, e Almohades na África. No ano 139 da sua Hegira, que teve princípio a 4 de Junho de 746, entrou nas Espanhas Moavia (Hist. Raracen, traduzida do Árabe em latim por Thomaz Erpenio. Liv. II Cap. III). Desde Aben-Humeya filho de Abusophiar, e sétimo deste Mafoma, eleito na Heigira 41 que corresponde ao ano de Cristo 661 até MerWão filho de Mohamat, que foi morto no ano da Hegira 132 de Cristo 749 no dia três do mês Dithagiat, fpo governado o Império pela família dos Omniaditas (Bibliot. Arab. Scurial, Tom. II pag. 184 col. 2). Abdalla, chamado Alfaphapho, da linha dos Abbassidas, arrancou com violência o governo da mão dos Omniaditas, e sua descendência; sendo eleito Kalifa no ano da Heigira 132 que principiou a 20 de Agosto da era Cristã de 749 (Elmacino Liv. II, Cap. II Alkathib na Bibliot. Arab. Scurial. Tom. II pag. 117) e continuou muitos tempos nesta família.
Com motivo da perseguição que Abdalla moveu contra os Omniaditas, muitos sujeitos desta família se refugiaram à África (Alkathib Alli Tom. II pag. 197). Entre os fugitivos foi Abdelrahaman Bem Moavia Bem Efcham Omniadita, que privado do Reino se passou á Barca, e depois a Espanha, que subjugou com as armas, e força de seus parciais, sendo aclamado Imperador no ano da Hegiria 139 (Anno 139 ingressus est Muavias, filius Hisjani, filius Abdulmeleci, filius Merwanis Hispaniam cujus incole Imperatorem cum suum agnoverunt; eratque co tempore anno natus XXVII, Atque hic illorum primus est, qui in illis tractibus Imperio praefectus fuit, Alkathib Alli pag. 198 Elmacino Liv. II Cap. II).
(continuação, II parte)
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