06/10/10

O SANTO CONDESTÁVEL - 13 de MAIO ?! (parte II)

Continuação

Principais pontos do artigo anterior: O Agiológio Lusitano notifica ser o dia 13 de maio o de Nuno Alves Pereira (o Santo Condestável). Consultando outros textos da mesma obra, dedicados ao dia 13 de maio, não encontramos neles referências ao nobre e santo varão. Breve explicação do significado de “comentário do dia”.

Será então que o Santo Condestável, que não vimos referenciado na lista do dia 13 de maio, está referenciado no "comentário" ao dia 13 de maio? Não, também não está. A afirmação de que o seu dia é o 13 de maio tinha sido feita no tomo I do dia 1 de janeiro, contudo, no tomo III, o Santo Condestável é colocado no dia 10 de maio.

São portanto indicados dois dias diferentes atribuídos ao Santo Condestável, em formas diferentes e na mesma ilustre e antiga obra.

O texto respeitante a cada santo ou virtuoso é assinalado no livro sempre com uma letrinha. O texto de D. Nuno Alves Pereira é assinalado com a letra "d".

Texto “d”:








d. Item, no magnífico Carmo de Lisboa, o tranzito do Conde D. Nuno Alvarez Pereira, de inclyta recordação, tronco da Serenissima Casa de Bragança, eterno credito de Portugal, & acérrimo flagello de Castella, cuja soberba abateo nas gloriosas victorias, que muitas vezes (por favor da Soberana Rainha dos Anjos) alcançou della, a quem invocava Intercessoria, antes de entrar nas batalhas, dispondo-se para ellas, não só com jejuns, & disciplinas, mas com votos, & orações, attribuindo sempre a felicidade de suas armas (como Artur de Inglaterra) ao poderoso Senhor dos exércitos como se vio em diversas occasiões, principalmente na de Aljubarrota, na qual sentindose apertado, recorreo ao piedoso asylo de Maria Santissima, prometendo, se ficasse o campo pelos Portuguezes, de lhe levantar hum sumptuoso Convento, em que fosse venerada, & servido seu Unigenito Filho, E tal foi o estrago que si seguio â promessa, que na véspera de sua gloriosa Assumpção, sendo elles somente 11 mil, desbaratarão, & vencerão a 87 mil Castelhanos, Este foi o Carmo de Lisboa, que ainda hoje testemunha sua muita piedade, & magnificência, intitulado por esta causa: N. Senhora do Vencimento. É a princiapal razão deste invencível Heroe, escolher para seus Capellães, mais aos filhos desta sagrada Familia, que aos de outra, era o cordeal devoção, que sempre teve à Virgem Senhora, a cujo obsequio, se consagrarão os Carmelitas da primitiva Igreja, até o fim do mundo, constituindo a sua titular, & patrona, I ela se pagou tanto desta comissão que por vezes atem confirmado com expressas maravilhas, & sinais. Affecto TAM radicado naquelle devoto, & generoso peito, que de sete Igrejas, que edificou sua liberalidade deste Reino, as leis, dedicou á Mãe de Deos, mandando, que todas as Missas que nas suas Capellas mores se celebrassem, fossem sempre da mesma Senhora, cujas Vigilias, & Sabados, jejuava a pão, & agoa infallivelmente, inda que nos taes dias ouvesse de dar batalha, Trazendo a sempre intada nas bandeiras (demais dos guerreiros Sant.Iago, & S.Jorge) como quem esperava della as victorias, & triumphos. Tambem era devoto do divinissimo Sacramento do Altar, & para que estivesse co a devida decência nos Templos, & Igrejas, de que era Donatario, dava particulares esmolas para Calices, Custodias, &ornamentos. E  assi mesmo para cera, & azeite, q ardesse nas lâmpadas, estranhando muito velas anegradas. E naquellas Villas, & Lugares, onde se detinha tempo considerável, assentavase logo por Confrade, celebranso todos annos a festa de Corpus Christi (ainda em campanha) com varias danças, folias, & outras invenções de alegria, julgando tudo pouco para a Procissão deste dia, em que se renova a memória do vivifico Sacramento, o qual reebia nas festas de Christo, & da Senhora, co notáveis preparaço~es, cousa rara naquelles tempos; pelo que trazia em dizer, estranhandoselhe tanta freqüência: Que se algem o quizesse ver vencido, pretendesse afastallo daquella sagrada Mesa, em que Deos se dà em manejar aos homens, porque della lhe resultava todo o esforço, & fortaleza, com que vencia, & debellava a seus contrários.Na continência, & pudicia, dava sempre raros exemplos, sua determinação era não casar, & conservar immaculada sua pureza, o que fez por comprazer a seus pães, & dar gosto aos Reis D. Fernando, & D. Leonor, que muito o desejavão; porem antes, nem depois, se soube delle cousa que encontrasse a esta chrystalina virtude. E he certo, que depois de nascida sua filha D. Brittes, viveo em celibatu d’alli em diante co a Condessa, semdo que não chegava ainda a 20 annos, % vivvando de 26. Nunqua puderão os Reis acabar com elle, que casasse segunda vez, & quando lhe fallavão nisso, cobriaselhe o coração de hua negra nuvem, ficando suspenso largo espacio de tempo. E assi não consentia em seu exercito, mulher impudica, castigando rigorosamente aos soldados, que as trazião, ou trattavão com menos decoro as dos vencidos, dizendo: Que tanto terião de dictoriosos, quanto de honestos, & o Capitão que não amava a esta Angélica virtude, entrava na batalha meio vencido. Em resolução, depois do S. Conde dessbaratar numerosos exercito, & obrar altas proezas na guerra com seu invencível braço, vendo o Reino pacifico, & dominado de seu Rei natural, o felicíssimo Mestre d’Aviz; sendo conhecido, & respeitado fora delle, por suas illustres façanhas, quando o mundo mais o applaudia, & trazia nas azas da fama, então triumphou delle, & de si mesmo com heróica resolução, vestindo o grosseiro habito de Donato no d. Convento, regeitando o de Sacerdote, por sua rara humildade. E como esta galharda acção se divulgasse por toda Europa, não faltarão pessoas curiosas, & senhores illustres, que como a prodígio, o vierão ver de Reinos estranhos, porque não acabavão de crer, que aquelle, que comulára sua pátria de tropheos, com tanta gloria do nome Portuguez, cuja fama não cabia na redondez do Orbe, coubesse agora entre quatro paredes de huma limitada cella, sem mando, ou senhorio, somettendo a vontade própria, á obediencial dos Prelados. E para fugir a louvores do mundo, que sempre salteão, ou põem em contingência, o lucro que resulta nalma de semelhantes actos, trattou de ir viver ao deserto, onde carecendo de todo alivio, & auxilio humano, pudesse fazer livremente penitencia de seus pecados. Ou de se pasar a algum Convento fora de Portugal, em que desconhecido, achasse o verdadeiro retiro, & desprezo que anelava este spiritu de mortificação, & abnegação popria, que o Ceo lhe metteo em casa, fez com que intentasse mendigar de porta, em porta. E sem duvida o puzera por obra, se elRei D. João I. & o Principe D. Duarte seu filho, o não desuadirão disso, com grande força & vehemencia. Pelo que jà neste tempo, não consentia ser nomeado, mais que pelo nome de pia, servia o officios mais vi & baixos da Comunidade, envergonhava aos mais fortes, & robustos no trabalho, & quando lhe ião á mão, impedindolhe algumas cousas idecentes a sua pessoa, respondia: Que na Casa de Deos tudo he grande, & que não veera a ella para descançar, mas para trabalhar, como os outros. Jejuava três dias na semana, alèm dos ordinário da Igreja, ajudava cada dia, duas, & três Missas, com estranha devoção, mortificava os appetites da vontade co a penitencia, & levantavase de ordinário à meia noite, para orar, & meditar nos mysterios da Paixão, mostrando em todas suas orações, hum spiritu Christianissimo, gratificando sempre ao Todo poderoso, no melhor modo que podia, as copiosas enchentes de misericórdias, que recebia de suas dadivosas mãos, mandando dispender quantiosas esmolas pelos pobres, & necessitados de todas villas, & lugares de sua jurisdição, avantajando sempre as pessoas honradas, & nobres, que cairão em miséria, pelo discurso do tempo, ou que perderão a fazenda, & saúde no serviço do Rei, & da Patria, ás quaes dava rendas, & tenças, com que passavão a vida limpamente, dizendo muitas vezes: Que os pobres são os cofres dos ricos, & que com nenhuma outra cousa, se grangea melhor a Misericórdia divina, que com a virtude da esmola. Esta piedade, & comiseração observava já no meio do estrondo das armas, & auge de suas grandezas, a qual continuou na Religião, por espacio de dez annos. E como se tivera certeza de estar já próximo o fim de sua vida, não passava momento que não empregasse em louvores divinos, & ferventes actos de amor de Deus, Tinha na cerca mandado lavrar huma capellinha, dedicada ao Mysterio da Assumpção, nella era achado a toda hora, em piedosos colloquios, & jaculatórias amorosas com esta Senhora, pedindolhe, que pois em corpo, & alma gozava da Bemaventurança, o livrasse desta penosa vida, para que na outra, empregado todo em seu obsequio, & contempação de suas excellencias, & prerogativas, a podesse louvar em companhia dos celestiais Cortezões.


(fim da 2º parte)

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