30/07/14

A RESISTÊNCIA TRADICIONALISTA NA COVILHÃ, EM 1825 (Cartas)

A resistência de Portugal ao liberalismo, foi um feito que contou com a alta responsabilidade do Clero. No interior do país, na capital dos lanifícios, na Covilhã, nenhum eclesiástico apareceu no acto público de proclamação de D. Maria da Gloria como "rainha" de Portugal. Leiam-se as seguintes cartas:

1 - Covilhã, 8 de Agosto de 1826

Ill.mo Senhor
Manuel José de Arriaga Bruno da Silveira

Ill.mo Senhor
Levo ao conhecimento de V. S.ª que hoje fiz convocar Câmara Geral e nela li a proclamação da Sereníssima Senhora Infanta Presidente do Governo, e se me fez estranho o não ver clérigo algum, pouco depois porém recebi uma carta do Arcipreste dizendo que uns por ignorarem o motivo não podendo ser avisados, e outros porque avisados nas pessoas de seus familiares ignorando para quê e outros porque estão impedidos doentes não tinham comparecido porém que, se julgasse necessário, que se apresentassem, lhe determinasse o sítio, dia e hora que de pronto o faria e que sendo fiéis vassalos sempre e em tudo queriam mostrar-se obedientes às ordens.
Destinei-lhe o dia de amanhã para a Casa da Câmara lhe ler e procurei examinar se foram ou não aqueles motivos porque nenhum apareceu e do que puder saber o levarei à presença de V. S.ª a quem Deus guarde muitos anos.

Ao Juiz de Fora
Manuel de Melo Freire de Bulhões

D. Maria

2 - Covilhã, 12 de Agosto de 1826

Ill.mo Senhor
José de Arriaga Bruno da Silveira

Ill.mo Senhor
Ponho na presença de V. S.ª a cópia do ofício que me dirigiu o arcipreste desta vila em que os motivos porque diz o clero não assistiu à Câmara Geral de 8 que destinei para solenemente ler a Proclamação da Sereníssima Senhora Infanta de 1 do corrente Agosto em razão do que, determinando as 11 horas do dia 9 para nas casas da Câmara lhe ler a dita proclamação, à dita hora, ali achei todo o clero e mesmo alguns que me constava estarem doentes pelo que em satisfação que mostravam ao ler a proclamação apesar de não terem a esta assistido no dia antecedente, e sobretudo a humildade e receio que lhe devisei de terem de receber algum castigo e darem motivo a haver contas anónimas que em outros tempos daqui foram frequentes e pelas quais alguns vexados / e conhecer a maior parte dos motivos alegados, verídicos, me faz crer que não foi por maldade ou falta de bons sentimentos que deixaram de aparecer. Deus guarde V. S.ª por muitos anos.

Ao Juiz de Fora
Manuel de Melo Freire de Bulhões

O que é certo é que a Covilhã, logo depois, manifestou-se como um dos pontos de resistência contra os liberais e seu novos "reis".

24/07/14

ALA LIBERAL, no "O CHAVECO LIBERAL"

Dedico este artigo a certo grupo da actualidade, que recebeu e espalhou no Brasil um conceito mutilado de "liberalismo".

Acontece que, no dito grupo, uma voz mais elevada foi consultada para explicar o que é o "liberalismo". A excelentíssima voz, de forma resumida e muito bem colocada, tratou de definir o conceito, e bem. Mas no dito grupo havia comichão, porque tinha um certo português denunciado como liberal certa opinião dada por um órgão de divulgação do mesmo grupo, e tinha o mesmo português feito menção da "cultura liberal" onde o Brasil está assente oficialmente desde D. Pedro I, assentamento do qual se tem de desfazer e recuperar as suas profundas raízes da civilização católica lusa. Eis que, em vez de admitirem o problema e combatê-lo, as cabeças principais do dito grupo começaram a fazer o oposto com o seguinte engenho: propagar um mutilado conceito de "liberalismo", de tal forma que não seja mais identificável, nem aplicável, nem distinto de outras tantas coisas de alguma semelhança! Começaram as ditas cabeças a reduzir o liberalismo ao pecado, imagine-se! E de tal forma fizeram a mutilação, que com ela arrastaram também a doutrina, ou a comprometeram, dificultando na prática aos seus discípulos, por exemplo, a distinção entre "pecado culpável" e "pecado não culpável", no dia em que a coerência lhe assopre.

E onde fica aquela primeira explicação e definição dadas pela excelentíssima voz, a quem o grupo diz seguir!? A excelentíssima voz veio depois a repetir as vozes das ditas cabeças, certamente depois de sofrer doces condicionamentos! Valha-nos Deus! ...

Há que motivar estes senhores para voltarem à verdade da definição, se mutações estratégicas, e que voltem àquela definição inicial dada e explicada pela excelentíssima voz! Saibam os seguidores, porque se as cabeças sabem não significa que os seguidores saibam, que LIBERALISMO não é APENAS aquilo que vos estão a contar, nem a forma com que agora a vós o definem é definição (visto que com esta suposta definição muitas outras coisas diferentes cabem nela e que não são liberalismo). A nova definição mutilada é panaceia para tudo: nela cabe tudo o que é mau subjectivamente. E outro aspecto da nova definição é que tapa os olhos a tudo o que é mal objectivo, o que cria novo problema, porque seria equivalente a cair no erro dos modernistas do nosso tempo que negam na prática a existência objectiva do pecado.

Caros seguidores dos outros, o liberalismo é pecado culpável apenas, é pecado não culpável apenas, ou um e outro!? ... Se vos derem reposta, contai-me o resultado, que eu darei continuidade à análise do problema! Contudo, já para verdes que as cabeças andam esquecidas, lembro-vos que houve partidos liberais, constituições liberais, monarquias liberais, e todos estes a si se chamaram "liberais". Podereis pensar então que todos eles tinham intenção culpável de ir contra Deus..., pois este pensamento seria uma construção consequente dentro da linha do que vos têm dito... Mas, não! A realidade é outra, tanto que no séc. XIX havia clero que tomou o lado do partido liberal, pregando nos púlpitos em favor do liberalismo (ideias e medidas) e do partido e correntes liberais. Qual o motivo de terem aquelas cabeças retirado ao liberalismo todo o seu efeito social, político, religioso, e nem sequer sobrando a definição enquanto ideia!? Porque dissolveram eles o conceito numa pãdefinição em que quase tudo cabe e que nada define!? ... Quem poderia estar interessado em superficializar o "liberalismo" fazendo dele praticamente nada ou qualquer coisa!? ... Não foi o "império" liberal do séc. XIX o calar das monarquias católicas!? Não foi o "império" liberal do séc. XIX um quase "reinado social do Anticristo"!? ... Não foi isso a encarnação do liberalismo nos órgãos de poder anteriormente católicos, e não é isto também liberalismo!?

Enfim...! Para ilustrar um pouco, trago-vos parte do nº1 do "O Chaveco Liberal", editado a 9 de Setembro de 1829, por liberais portugueses que em Portugal tentavam destruir a última resistência de um Reino Católico: Portugal. Assim começa:


"O'er the glad waters of the dark blue sea,
Our thoughts as boundless, and our souls as free" - Byron

BOTA-FORA DO CHAVECO 

"Mais qu'a-t-il a fair à bord de cette galere?" - Molier

O que vimos nós fazer a bordo deste chaveco? - Boa pergunta, Sr. Público! (Ja se vê que falamos com o público; assim nos oiça ele) - Vimos a bordo do chaveco porque somos a tripulação dele, arrais e mais companha, e com a ajuda de Deus pretendemos sair a corso ao primeiro vento favorável: - A corso, ainda assim, com toda a legalidade possível, que nem o próprio Vatel saberia disputar. (...) Não senhor: nós cá somos e declaramos ser O CHAVECO LIBERAL; içamos bandeira portuguesa constitucional; e levamos carta-de-marca em boa e devida forma; e pela Senhora D. maria II saimos a corso contra todo o inimigo seu dela, e da liberdade constitucional que defendemos com tanto coração e vontade como os Soberanos, por quem nos veio, e que por ela, e com ela há-de reinar. Portanto, nosso Arraes, gente às vergas e ás portinholas, e neste nosso primeiro bota-fora haja salva real com os vivas dos costume: e viva a Senhora D. maria II, e viva a Carta Constitucional! - Boa viagem, e vá o chaveco ao mar!

[...]

Barco rijo e veleiro, bem armado, e guarnecido de gente fiel e decidida, não tem medo nem à Invencível-Armada, que ressuscitasse dos pegos da Mancha.

Assim dispostos e determinados, vamos soltar o pano e remo, e:

Largar, aos mares!

Livres corramos pelas ondas livres
Do Oceano indomado por tiranos,
Livre como saiu das mãos do Eterno,
Sua feitura única no globo
Que ímpias mãos d'homem não puderam ainda
Avassalar, destruir .........

... segundo disse um poeta melancólico e zangado com as coisas deste mundo, que, se o apanharmos em algum dos nossos cruzeiros, o havemos de ensinar a ser bom-vivant e a dar dois trincos para o mau humor, que no conceito de outro poeta de mais juízo é eficaz remédio para expelir cuidados e afugentar maus humores ...

Siceis nam omnia Deus proposuit

E este será o único castigo que lhe daremos: que a nossa gente é humana e cristã - para prova até capelão temos a bordo (e por sinal que não quer subir na hierarquia) - gente que dá quartel a todo o inimigo que se rende, e sobre tudo que se converte.

Excepto ... - "Excepto a quem?" propôs o outro dia o nos arraes em rancho pleno. "Excepto a D. Miguel" - respondeu a companha toda. A esse montro, nem leis de mar, nem de terra, nem humanas, nem divinas, nem civís, nem naturais o defendem. Fora de todas as leis por seus crimes, banido da espécie humana por seus vícios, nem como príncipe - nem como português, nem como homem o consideramos já. Trate-o como tal e reconheça-o príncipe quem com ele ainda quer alguma coisa: nós os do Chaveco Liberal só queremos guerra, guerra de sangue e morte, guerra até que os portugueses desenganados de uma vez se resolvam a pô-lo no patíbulo  única elevação, altura, ou alteza que lhe compete.

Quanto aos mais, saibam os portugueses de todas as opiniões (distinguimos entre opinião e partido) que com ninguém, e com nenhuma queremos guerra. Desejamos a liberdade de nossa pátria, mas não vamos questionar de formas e disputar de palavras com ninguém; as coisas e o sólido delas é a nossa devisa. A uns parece conveniente dar mais latitude à acção popular na monarquia;  outros quiseram mais amplitude nas prerrogativas Reais; uns julgam necessária mais, outros menos ascendência no poder intermediário da aristocracia legal: uns se inclinam mais para as formas antigas - talvez antiquadas - da velha monarquia; outros pendem para os princípios mais puramente representativos da monarquia moderada. É certo e inquestionável que todos este matizes de opinião existem; e assim como dizem os mais hábeis e liberais publicistas do nosso século, que na legislatura de uma nação todas as opiniões - até preconceitos - devem ser representadas; assim também, dizemos nós, a nenhuma se deve fazer guerra, principalmente quando a união é mais precisa que nunca. Felizmente em Portugal já não precisamos de disputar de princípios constitutivos, nem de assembleias constituintes: temos lei, lei por quem a podia dar, lei que não é obra de um partido, - temos a CARTA, e só a Carta queremos. E não digo "nada mais, e nada menos" por me não parecer com o bravo destruidor da república, não de Platão, mas de Bastos, o célebre orador da viruleta filípica, sive Catilinaria, contra Catilina transmonatano (Catilina bastardo, ainda assim) - que de ambos diria o poeta: (...)"

Ora bem, este é um humilde e pequeníssimo exemplo entre uma infinidade deles. Depois do lembrete, não é esperado que as cabeças pensantes do tal grupo continuem a ocultar que no séc. XIX deu-se a vitória do liberalismo por toda a terra, e impôs leis, arrasou a Monarquia propriamente dita (a católica), tinha seus órgãos de difusão e milícias ao seu dispor (as dos Reinos que conquistava ou já conquistados), tinha simpatizantes e partidários no clero, tinha literatura, tinha até neo-Reis e neo-monarquias (fantoches)... Estes liberais chamavam-se a si mesmo "liberais", tanto que o nome do "O Chaveco Liberal" mostra isso mesmo.

Um erro produz efeitos, tal como o liberalismo, tal como o racionalismo, tal como o naturalismo, e tal como o modernismo onde cabem todos porque neste todos são possíveis! Negar que o liberalismo é também com os seus efeitos próprios, com a sua história, com novos erros objectivos associados, é não reconhecer também que a Cristandade teve efeitos (sociais, culturais, políticos, etc)! ... Expliquei-me!? ...

Contra a verdade não se pode levar a verdade!

DIA 25 de ABRIL de 1828


QUANTO BASTA
A RESPEITO
DO
Dia 25 de Abril de 1828


LISBOA
1829
(Com Licença da Mesa do Desembargo do Paço)

Não é possível sofrer por mais tempo as injúrias, e despresos com que os suspeitíssimos na Segunda Causa da Legitimidade dÉl-Rey Nosso Senhor tem tratado o maravilhoso passo, dado no memorável dia 25 de Abril de 1828 para a Sua Feliz Aclamação; e não será necessário, que a pena canse quando dela partem facilmente os bastantes rasgos para destruir a máscara da prudência, que não deixava aparecer semblantes atraiçoados.

Ou o facto do dia 25 é irregular, e abominável nos seus efeitos; ou ele tem modelos na nossa história, e é respeitável pela sua consequência. O facto é irregular, mas tem modelos em 1139 por Afonso I, em 1385 por João I, e em 1640 por João IV. Não é abominável na sua consequência: logo, o facto é digno de louvor, e um documento para a história pátria; que deixará eterna a memória de mais deliberada lealdade de uma tão benemérita capital.

Não é novo, que homens depravados apelidem por indignidade o mais heróico feito. Lord Lundsdown, discípulo de Canning, atreveu-se publicamente a comparar a Restauração de Portugal com a emancipação das Américas rebeldes, tendo por agentes Bolivar, e Victoria.

O Senhor D. Afonso I, o Senhor D. João I, e o Senhor D. João IV foram aclamados antes da reunião dos Estados. Os Fidalgos então o fizeram, porque o quiseram; mas porque uma parte deles agora o não quis, deve condenar-se o que se fez? Então combinaram-se a sustentar os seus novos, e preciosos Soberanos: hoje fogem, e atacam os mesmos princípios que então vigoraram; e é isto boa fé?

Dizem as Côrtes, convocadas pelo Senhor D. João IV, que só nelas reside o poder de julgar a quem a Coroa pertence de direito, todas as vezes, que se suscita dúvida entre os pretendentes: Mas! Lisboa não viu, que o Senhor D: MIGUEL pretendesse a Coroa: viu, que, possuído de uma nunca vista modéstia, recebia as súplicas, e autos dos povos, e não havia por bem deliberar-se. Neste caso o grito de Lisboa obriga a representar; a Representação obriga a decidir; e decisão obriga a convocação dos braços, e os braços obrigam a aceitar a Coroa. Efeitos daquela causa, e que sendo bons, santificação do seu princípio. E que houve neste princípio? Petição, e não aclamação: tranquilidade, e regozijo público? Que houve nos séculos XIV, e XVII? Mortes no palácio, mortes nas ruas, um Arcebispo da torre abaixo, aclamação em todo o caso, etc. e tudo valeu!!

Se se dá questão na legitimidade, quem tinha a parte duvidosa ainda hoje não se dá por vencido: mas, o que não a tinham não precisavam Conselho: e quem será mais em direito, os procuradores, ou os constituintes? Os constituintes falaram, e escreveram. (Veja-se o que proclamaram os povos, e o que escreveram os dignos tribunais, e todas as classes) também depois falarão, e escreverão os procuradores: melhor é, que todos falassem, e escrevessem, porque é duplicar o que já estava expressado distintamente; mas não é fazer mais válido o procurador, que o constituinte. A incomparável obra "D. MIGUEL PRIMEIRO" a pag. 51 diz "Há em Portugal duas formas, igualmente legais, de reconhecer os Soberanos: por Aclamação, e Proclamação, ou Côrtes." e quem deixa de respeitar esta insigne obra? O zeloso, e circunspecto Intendente Geral da Polícia até repartiu os seus Exemplares.

Como se há-de exprimir o Povo? Será nos Clubs secretos da Maçonaria; ou no Campo, como em momentos semelhantes, (e só em tais momentos lícito) a respeito do I Afonso, e do I e IV João? Aquela mesma inimitável obra conclui "As Côrtes, por tanto, legitimamente convocadas pelo Senhor D. MIGUEL PRIMEIRO, e a rogos da Nação, exprimida nas Representações das Câmaras Municipais do Reino, e dos Corpos do Estado, decidiram etc...." Note-se: Os Corpos do Estado, ainda que desejavam falar, somente falaram depois do Senado de Lisboa: as outras Câmaras, falaram pelo grito público dos povos: O Senado veio a representar por efeito de igual grito de lealdade no memorável dia 25 de Abril: Logo; se o facto honroso deste dia decidiu o Senado de Lisboa; se este foi o que entrou a ElRey, a que se seguiram nos dias imediatos aqueles dignos corpos do Estado, e se a estes rogos é que foram convocadas as Côrtes; não pode deixar de ter decorosa primazia uma causa de que partiram tais efeitos, e efeitos, que pela sua dependência bem provam a necessidade da sua causa. Ou (por outro modo) Lisboa em silêncio, o Senado mudo: mudo o Senado de Lisboa, guardadas as Representações das outras Câmaras: nada portanto de representações dos Corpos do Estado; nada de convocações de Côrtes, e por consequência nada de Aclamação.... e os tribunais trabalhando, involuntariamente, debaixo do título de um Rei, que a Nação em geral não admitia. Que anarquistas consequências!!! que anomalias!!!

Portanto:

Ou se inveja a causa, ou se aborrecem os efeitos; e é de um destes sentimentos, que só parte a desaprovação de actos, que fizeram vulto, e muito excederam, nos sécs. XII, XIV, e XVII, e o ficaram sempre fazendo, como este deve fazer na história do nosso país.

Manuel Cipriano da Costa.

23/07/14

PASTORAL - ASSOCIAÇÃO DA DOUTRINA CRISTÃ - DIOCESE DA GUARDA (1906) (I)

PASTORAL

ASSOCIAÇÃO DA DOUTRINA CRISTÃ
fundada na
Diocese da Guarda
segundo as prescrições
de
SUA SANTIDADE PIO X

GUARDA
1906

Dom Manuel Vieira de Mattos, por Mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Arcebispo da Guarda, do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, Par do Reino, etc.

Ao Nosso Il.mº e Rev.mº Cabido, aos RR. Arciprestes, RR. Párocos e mais Clero, e aos Fiéis desta Nossa Diocese.

Saúde, Paz e Bênção em Jesus Cristo, Nosso Divino Redentor.

Sé da Guarda - Portugal
Um acontecimento que nos encheu o ânimo de júbilo e que nos deixou as mais gratas impressões e as mais fagueiras esperanças foi o Congresso do Clero diocesano, há meses reunido nesta cidade da Guarda.

Ao vermos reunidos em volta de nós, em tão grande número, aqueles que connosco compartilham a árdua tarefa de ensinar e dirigir esta porção da grei de Cristo, sentimos reanimar-se-nos a energia, e conhecemos que Deus estava connosco e abençoava os nossos trabalhos.

Estávamos reunidos para tratar um assunto do mais alto interesse para a glória de Deus e tínhamos a confortar-nos a palavra de Cristo: "onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles."

Caros cooperadores, a vossa comparência nesse congresso, à custa de tantos sacrifícios, é a prova mais frisante da vossa abnegação, do vosso zelo e obediência sacerdotais - as três grandes virtudes que caracterisam o bom pastor de almas.

Se na concorrência aos exercícios espirituais haveis mostrado o grande empenho que tendes pela vossa perfeição moral, a vossa presença ali diz quanto prezais o vosso ministério sacerdotal.

Não foi certamente a debilidade da nossa voz quem vos moveu a tomardes parte nessa ilustre assembleia, mas sim o impulso generoso dos vossos espíritos conscios da sublimidade da vossa missão.

A fim de que de tão memorável acontecimento fique recordação estável e efeito duradouro, parece-nos conveniente recordar agora, volvidos já alguns meses, as considerações para as conclusões que se tiraram e que no meio de indizível entusiasmo foram unanimemente aprovadas.

Estudarmos as causas e as razões da actual decadência religiosa para lhe aplicarmos pronto remédio, - eis o motivo do nosso congresso.

(a continuar)

A VERDADEIRA NOBREZA (II)

(continuação da I parte)

PRÓLOGO

Com grande diligência, e cuidado se trabalhou neste livro; queira Deus que logre algum acerto; sai hoje ao público teatro do mundo; onde cada um vota segundo sua inclinação, e entendimento; não pode contentar a todos: só peço ao benigno, e douto leitor, que lhe emende as faltas que nele achar com ânimo sincero, e desapaixonado, com que ficará corrigido, e eu avisado, advertindo que tudo o que ele contém se sujeita à correcção da Santa madre Igreja Católica Romana, cujo obediente filho sou.

PREFACÇÃO DO QUE SE CONTEM NESTA OBRA

Supondo eu que é certo, como é, não consistir em outra coisa a verdadeira nobreza de um homem, que em viver virtuosamente; tomo por principal fundamento desta obra o amor de Deus, como firme alicerce da vida Cristã, e fonte donde dimanam as caudalosas ribeiras de excelentes virtudes: com que divido este volume em três livros. No primeiro trato com a brevidade que levo em todos, e por maior, do que pertence à Religião Cristã, que sempre tem o primeiro lugar em tudo, por capítulos distintos, para que instruído um homem nela, e obrando conforme a isso vá adquirindo o mais, que nos seguintes se aponta. No segundo se fala das três virtudes Cardeais, Justiça, Prudência, e Fortaleza, e das que a elas se reduzem. E no terceiro se declaram a virtude da temperança, e as outras da sua jurisdição; ainda que algumas não vão postas por sua ordem no lugar que lhe pertencia; com tudo as fui pondo em outros, porque me pareceu, ficaram nelas acomodadas, e lhes cabiam melhor para o meu intento; como se vê que depois de se declarar a preciosa virtudes da Castidade, e dizer-se dos prejuízos da torpeza, ponho logo o capítulo seguinte do Matrimónio, segundo o parecer do Apóstolo, que melhor é casar-se, que abraçar segundo que vou discorrendo por tudo o que pertence à obrigação de um pai de família, e à sua dela; acabo com as duas virtudes da humildade, e amor do próximo; aquela com tão necessária para tudo, e esta para remate de todo este edifício, como o verdadeiro Mestre Cristo Redentor Nosso disse por S. Mateus: "In his duobus mandatis [?]versa lex pendet, et Prophetae.". Com isto se dá o fim, e conclusão a este meu trabalho, o qual com seu autor humildemente se submete à correcção da S. madre Igreja Católica Romana.


LIVRO I
DA VERDADEIRA NOBREZA


Capítulo I
Da Fé Católica

Os Artigos, e mistérios da nossa santa Fé Católica, todos os fiéis em chegando aos anos de discrição estão obrigados a saber uns clara e distintamente, e outros em comum, como a Santa igreja Católica Romana os confessa, da maneira que se contêm no Credo: que é a porta da casa onde mora Deus, dizem Eusébio e S. Cirilo Alexandrino, para cuja confirmação trás S. Pedro Crisologo aquele verio de David, Introite portas eius in confessione. Depois da ascensão do Senhor (como afirmam muitos Santos) ajuntando-se os Apóstolos para dividir as províncias do mundo, onde cada um havia de prégar, para que todos publicassem uma mesma confissão, e fossem a uma, compuseram entre si o Símbolo que chamamos "Credo": no qual está cifrada toda a substância de nossa Religião que dividido em pontos mais ao largo se dizem "Artigos da Fé", como ensina S. Paulo, é substância das coisas que se devem esperar, e argumento das que não se vêm. Explica Sto. Anselmo estas palavras, dizendo, que substância é o mesmo que fundamento, e argumento uma luz com que se manifestam mistérios escondidos, que por lume natural se não podiam conhecer. Basta a todo o fiel render seu juízo ao da Santa Madre Igreja, sem se dar a escodrinhar segredos de Deus, nem por-se em argumentos, e subtilezas impertinentes. Vindo a Arca do Testamento da terra dos Filisteus, e chegando à dos Betsamitas quiseram eles olhar com atrevida curiosidade o que nela estava, pelo que matou Deus setenta varões principais, e cinquenta mil homens. Sirva-lhe isto de aviso, e escarmento para com vã curiosidade de não escodrinhar com razão humana as coisas que vão sobre toda a razão. Quando algum dos discípulos de Pitágoras referia alguma das opiniões que aprendera, se lhe perguntavam, como era aquilo, não dava outra resposta senão: "Nosso Mestre o ensina assim". Se esta reverência se tinha a um homem cheio de mil ignorâncias quanta maior se deve a um eterno Deus, sabedoria infinita, e verdade imensa? Basta-nos sua autoridade para confirmação dos mistérios que a Fé nos ensina: ele é o princípio donde ela nasce; ao que devemos abaixar as asas do nosso entendimento, como o faziam aqueles animais, que viu o Profeta Ezequiel, quando soava a voz do Céu. Se bem os que olham as grandezas de Deus com humilde sentimento delas, como homem de razão, sujeitando seu entendimento às traças divinas, causam-lhes contentamento, saúde, e vida. Bem-aventurados os que não viram, e acreditaram, disse Cristo por S. João, descobrindo ele aos homens muitas coisas que excediam todo o entendimento humano; e porque sua publicação não fosse em balde, nem o homem se fizesse tão em jejum delas, como se as não tivera ouvido, ajudou-os a Divina Majestade com o dom da Fé para crê-las, que é uma virtude sobrenatural, plantada na alma pela mão do mesmo Deus. Quem crê em Mim, disse o Salvador do mundo, não crê em Mim, mas naquele que Me há mandado, porque com a Fé penetramos até as coisas invisíveis de Deus; e em outro lugar: Quem crê em Mim, sairão de seu ventre rios de água viva; o que declara o Evangelista dizendo do Espírito disse, que aqueles que crescem Nele haviam de receber. E a Fé a primeira luz do mundo espiritual, como a outra que criou Deus no princípio do material. É a coluna de fogo, que de noite alumiava ao povo de Deus pelo deserto, e de dia sendo a mesma (segundo Philo Hebreo) lhe servia de sombra, e nuvem. E o primeiro grão de bem-aventurança: de sorte que todos devemos crer o que ela nos ensina, sem outra curiosa inquirição de como é. E por haver faltado a este firmíssimo fundamento estão arruinados os Reinos de Inglaterra, Alemanha, e Flandres, e alguma parte do de França, e os antigos solares de África, e Ásia, e Grécia. E nós com este fundamento e lume daremos princípio a este livro, começando com o amor e temor de Deus; que são as duas colunas de formosíssimo metal, que Hyran famoso artífice lavrou para o grande Salomão, e a suma felicidade do homem, e sua verdadeira nobreza.

(continuação, III parte)

22/07/14

A VERDADEIRA NOBREZA (I)

A
VERDADEIRA NOBREZA,
Por António de Pinho da Costa, o moço,
Cavaleiro Professo do hábito de Cristo
DILIGES DOMINUM DEUM TUUM ... (Mat. 22)

LISBOA

Licenças

Vi, por mandado dos senhores do Conselho geral do Santo Ofício, este livro, que tem por título: "A Verdadeira Nobreza, por António de de Pinho da Costa, o moço, Cavaleiro professo do hábito de Christo em Cochim, ano de 1651" não tem coisa contra nossa santa Fé e bons costumes: antes o dito livro é douto, e pio, e fala o autor com fundamento, como versado nas divinas Escrituras, e lição dos Doutores sagrados. Pelo que me parece, que será de muita edificação, e proveito. Em S. Domingos de Lisboa, 12 de Janeiro de 1655. Fr. Agostinho de Cordes.

Vi este livro, cujo título é "A Verdadeira Nobreza, por António de de Pinho da Costa, o moço, Cavaleiro professo do hábito de Christ" não tem coisa alguma contra a nossa santa Fé, ou bons costumes. Lisboa no Convento da Santíssima trindade, em 20 de Janeiro de 1655. Doutor Fr. Adrião Pedro.

Vistas as informações pode-se imprimir este livro intitulado "A Verdadeira Nobreza", autor António de Pinho da Costa, e depois de impresso tornará ao Conselho para se conferir com o original, e se dar licença para correr, e se ela não correrá. Lisboa 21 de Janeiro de 1655. Pedro da Silva de Faria, Pantaleão Rodrigues Pacheco, Diogo de Sousa, Fr. Pedro de Magalhães.

Pode-se imprimir. Lisboa 28 de Janeiro de 1655. O Bispo de Targa.

Que se possa imprimir este livro, vistas as licenças do S. ofício, e Ordinário, e não correrá sem tornar ao Dezembargo do paço para se taxar. Lisboa, 13 de Fevereiro de 1655. D.P.P. Cazado.  Pacheco. Almeida.


SONETO
Em Louvor Deste Livro

Em vão me desvelei por vos louvar
Vendo as partes gentis de que gozais,
Te por elas ao mundo publicais
As graças de que o Céu vos quis dotar.

Aqui mui bem se vê que tem lugar
A muita erudição que a todos dais,
pois por termos tão doutos ensinais
Caminho para o Céu tão singular.

Louvasse o livro assim, que eu bem conheço
O tesouro que nele se descobre,
Cujo valor tão raro ninguém viu.

Que um bem de tal valia, e tanto preço
Para salvar-se um homem com ser nobre
Só António de Pinho descobriu.

SONETO
Do Padre Nicolau Freire
em louvor deste livro.

Que douto Píndaro, que flaco venucino,
Plinia da nobreza eloquentes
Cantando nesta lira docemente
Está mostrando, o metro ser divino,

Este, remoto deixa o do latino
E do grão Lusitano eminente
Neste pego, de tão nímia corrente
Quase afogada palhas, perde o tino:

Das flores de Aganipe, uma capela
Podeis tecendo estar com tal valia,
Que todo Olimpo espante só com vê-la,

Para este Orfeu, cuja citara encanta,
Com este contraponto, e harmonia
A verdadeira nobreza cara, e santa.

SONETO
do Padre António de Pinho
Vigário de Nossa Senhora da Graça

Arte de polícia ao cortesão,
Norma de cortesia ao mais ciente,
Traslado de eloquência ao eloquente,
o Pinho a todos dais com discrição:

Neste raro painel de tal feição,
ides enfim mostrando à nobre gente
O mais rico vergel, mais excelente,
De quantos pinta a terra no verão.

E dele colheremos todos flores,
Para vos ir tecendo mil capelas,
Imaginadas não, mas verdadeiras;

Nelas tereis as rosas de louvores,
Umas oir vossas raras partes belas,
Outras porque vós dois por derradeiras.

Ao Excelentíssimo Senhor D. Vasco da Gama, Marquês de Nisa, Conde da Vidigueira, Almirante da Índia.

Querer eu resumir em tão poucas letras as admiráveis virtudes, e heróicos feitos de V. Excelência, assim nas embaixadas, que administrou, como no mais, seria sustentar sobre meus fracos ombros o que eles não sofrem: pois as prodigiosas, e quase milagrosas façanhas, e insignes progressos dos Progenitores de V. Excelência, são mais para a admiração, que para a pena. Com que me resolvo a falar antes com o que não posso acabar, que principiar falando, o que todo o mundo venera, e minha rudez não alcança, bem que a vontade de servir a V. Excelência, é tal que se igualará à posse incomparável. Com ela ofereço a V. Excelência estas primícias de minhas lições, por parto primeiro de meus estudos se lhe podem revelar as faltas; por ir debaixo do patrocínio de V. Excelência (que de tão longe busco) se livrará de calúnias. Não considere V. Excelência minha humildade, senão sua grandeza, que quanto maior for, maior obrigação tem de favorecer aos que menos podem. Quanto V. Excelência se vir mais desocupado doutros negócios superiores, ponha os olhos neste volume, nele verá retratadas suas virtudes, e quisera eu trabalhar toda minha vida por contentar a V. Excelência uma só hora. Guarde Deus a V. Excelência.

Criado de V. Excelência, António de Pinho da Costa.

(continuação, II parte)

O SANTO LENHO DA SÉ DE ÉVORA (IV)

(continuação da III parte)

Assim animados com a confiança que lhes incutia a presença do Santo Lenho, os portugueses atacaram os granadinos. Foi dura e longa e terrível a peleja. Começavam já a enfraquecer os nossos:

"... os membros com que haviam de ferir lhes enfraqueciam assim que os não podiam reger senão muito gravemente. As vozes deles eram baixas e tão mudadas que se não entendiam uns aos outros, como aqueles que começaram a lide à hora de Prima [seis da manhã] e estuam passante meio dia. Os mouros refrescavam-se cada vez mais e mais dos que estavam folgados."

A fraqueza corporal foi felizmente vencida pelas fortalezas da fé. Continuemos a dar a palavra ao cronista do Livro das Linhagens:

"Esta hora foi para os cristãos de angústia. E diziam contra Jesus Cristo "Senhor porque entraste no ventre da Virgem Maria e nasceste dela e foi virgem ante parto e pós parto, Senhor porque te prouve de receber morte por salvação dos cristãos, Senhor porque ressurgiste ao terceiro dia a tirar os que jaziam em trevas e em coita, Senhor porque nos mostraste caminho de salvação pelos sacramentos que nos destes, Senhor porque nos mostraste em como fazer igrejas em que te louvássemos e seguíssemos pois de todo isto hoje faleces a toda a cristandade?."

Foi então que, na aflição da derrota iminente, deram pelo desaparecimento do Lenho Santo:

"Estando os cristãos nesta pressa e coita aventura sem esperança chegaram três cavaleiros ao Prior D. Álvaro de Pereira e disseram-lhe: "Senhor que fazeis? Os cristãos estão em perdição, as azes de cunha e de curral [Az de cunha: disposição das tropas em forma de cunha; Az de curral: disposição do exército em forma circular para envolver o inimigo] e cinco magotes estão folgados e não é coisa que como veerem a lidar os que posades sofrer. E uvera cruz não tendes aqui! O Prior foidissto muito coitado pelo que ele dissera ao Rei D. Afonso que por a bem aventurada santa vera cruz havia de vencer primeiro. E disse em alta voz: "ai Deus poder-me-ieis dizer onde e ficou?". E os cavaleiros aí disseram "Senhorse cá nos viemos ficar o crerigo neste vale."

Correram  pressurosos a buscar o Santo Lenho e operou-se logo a reviravolta:

"Estando em esta presa e esta coita chegou o cavaleiro de foi em busca da vera Cruz com seus três criados bem armados eles e seus cavalos e trazia a vera Cruz ante seus braços em grande asta, e os três cavaleiros [estes cavaleiros forma sepultados com D. Álvaro Gonçalves Pereira na igreja do mosteiro da Flor da Rosa, junto do Crato, pois "que com ele se criaram", como explica o autor do fragmento do Nobiliário] ante ele e viam a maior parte dos mouros ali entrava com a vera Cruz [...]. [Os portugueses] que estavam já muito esmagados pela força que perderam, olharam para ela e viram-na andar entre os mouros, e logo em si sentiram que a graça de Deus estava com eles porque se acharam naquela hora valentes e esforçados como em começo da idade [...]. Ali se mudou a quentura que estava em choro "e de lágrimas e de grande lástima" e amargura a toda a cristandade e tomasse em toda a lidice e em todo o goyo, os cristãos seguiram a vera Cruz por um dia".

Batalha do Salado
Os destroços na mourama foram ingentes, porque os portugueses - acrescenta a crónica medieval - "entendiam que andavam cobertos com a graça da vera Cruz em que traziam os olhos" e cresceram "como leões bravos", pondo em debandada os maometanos, que já diziam mal de Mafoma, que "não havia poder para os defender".

Os próprios infiéis confessaram que a sua derrota se deveu à aparição da Cruz. De feito, quando o turco Alcarac segurou o cavalo do Rei de Marrocos, Abul-Háçan (O Albofacem do Livro das Linhagens e o Aben Amorim da Lápide da Sé de Évora) impedindo-o de voltar-se contra os cristãos que o perseguiam, a fim de o salvar da morte certa, perguntou-lhe este: "Como sabes tu que eu recebera morte?". Disse ele, "Senhor sei porque eu vi coisas estranhas e tão maravilhosas que por homens não se poderia pensar".


(a continuar)

21/07/14

CONGAR - A NOVA ECLESIOLOGIA (V)

(continuação da IV parte)

2. A influência de Chenu
Professor de história das doutrinas cristãs no Saulchoir, o Pe. Chenu foi tomando cada vez mais importância após 1926. Nos anos trinta, elaborou uma espécie de nova teologia, que pretendia honrar S. Tomás de Aquino (cujos ensinamentos eram obrigatórios), mas que na realidade, tentava relativizá-la: "Não nos faltou a audácia para pegarmos de repente, num dos maiores Doutores da Igreja, separando-o das verdades eternas para o inserirmos no espaço temporal", separando-o das verdades eternas para o inserirmos no espaço temporal", explicava Chenu; enquanto o Pe. Congar ao entrar em 1925 para os dominicanos, era nomeado professor no Saulchoir em 1931, e sofrendo directamente toda a influência do Pe. Chenu, relatava o seguinte: "Quando entrei para o Sauchoir, já tinha uma certa experiência do tomismo (...). No domínio da filosofia, S. Tomás já estava certamente ultrapassado. A sua psicologia racional, por exemplo, a sua crítica do conhecimento (a epistemologia) não podiam ser suficientes. O Pe. Roland-Gosselin, nosso professor, comentava Descartes, Kant... . No entanto, o Tomismo constituía o pano de fundo da nossa formação intelectual. A Suma de S. Tomás era o nosso manual; nós comentávamo-la artigo a artigo. Já não o poderíamos fazer hoje, à excepção talvez de alguns tratados. Devo explicar que S. Tomás de Aquino estava, de novo, inserido no seu contexto histórico. Já não era considerado por nós como uma espécie de oráculo, dominando os tempos, e que teria iluminado de uma vez por todas as grandes verdades da fé." [quanto ao estudar no contexto, o autor quer referir aquele artifício dos nossos tempos com o qual se se quer fazer acreditar que uma obra, ou autor, são mero fruto de um contexto, e afastando assim o leitor e o estudioso de olhar em si mesmas as ideias do autor.]

Ou seja "o método e os princípios que serviram aos antigos doutores escolásticos para a instrução da teologia, já não responderiam às exigências do nosso tempo, nem ao avanço das ciências": o problema todo é que se trata aqui de uma proposição condenada por Pio IX, e depois mais tarde por São Pio X na Encíclica Pascendi!

Pio XII, na sua Encíclica Humani Generis (1950) condenou igualmente esta forma de inserir S. Tomás apenas no seu "contexto histórico": os inovadores, como o deplorava este papa "dizem que a filosofia que ensinamos nas nossas escolas, com a sua apresentação clara das questões e das suas soluções, as suas noções cuidadosamente estabelecidas e as suas claras distinções, pode ser útil para iniciar à teologia escolástica, e estava marvilhosamente adaptada aos espíritos da idade-média; mas, dizem eles, já não se apresenta como o método de filosofar que responde à nossa cultura e às nossas necessidades". São Pio X já tinha, denunciado esta táctica própria aos modernistas: "A filosofia escolástica é relegada para a história da filosofia, entre os sistemas caducados." (Encíclica Pascendi).
Cardeal Suhard

Em 1932, o Pe. Chenu foi nomeado reitor dos estudos no Saulchoir, e em 1937 publicou um pequeno livro audacioso, onde expunha a sua maneira de ensinar S. Tomás de Aquino: "Une école de théologie, le Saulchoir". O Santo-Ofício ficou preocupado, o Pe. Chenu deu mostras de se retrair. Em 1942, sob Pio XII, este livro foi colocado no Índex, e o Pe. Chenu foi destituído do seu cargo de reitor do Saulchoir pelo motivo que "desacredita a teologia escolástica, o seu carácter especulativo, o seu método, o valor das conclusões que tira da revelação; e todo este descrédito recai sobre S Tomás". No entanto, o dominicano modernista teve o apoio de cúmplices, mesmo entre os cardeais: "O Cardeal Suhard confrontou-me nessa altura. Fez-me chegar até ele, e disse-me textualmente: 'Pequeno Padre, não se perturbe, daqui a vinte anos, todos falarão como o senhor'. Isto passou-se em 1942; em 1962, João XXIII dava abertura ao Concílio."

(a continuar)

20/07/14

EPICÉDIO (II)

(continuação da I parte)

SONETO

Da morte curva foice armando o braço,
Tal como é de horrenda catadura,
Do Sábio Português audaz procura
Do leito onde descansa o curto espaço:

Chega... e para ele volve o passo
Este espectro feroz, de atra figura;
"É tempo já (lhe diz) que à sã natura
Pagues da vida o tributo escasso:

Aos golpes desta foice assacalada
Nenhuma geração tem resistido,
Nem criatura humana há isentada!

Os pod'rosos seus gumes tem sentido,
E também a ciência dilatada
Em mim se provará não ter Partido!"


SONETO

Quanto é fácil num motu estar perdido
O existir d'aflita humanidade!
Num momento à Suprema Eternidade
O homem volve em trilho inconhecido!

Vive sujeito ao dolo  desabrido,
Que lhe oculta o carácter da Verdade;
Num pélago flutua d'anciedade,
Nas ciladas, que trama o Mundo infindo:

Chega enfim sua hora assinalada,
E demandando vai seguro porto,
Onde a maldade nunca tem morada:

Assim meditei eu, ficando absorto,
Quando a triste notícia me foi dada,
De que o sábio Macedo era já morto!

BERÇO DA ORDEM DO CARMO EM PORTUGAL (I)

MOURA, BERÇO DA ORDEM DO CARMO EM PORTUGAL

"Reinado D. Sancho II, aportaram ao Reino uns Cavaleiros da Ordem de Malta, que se faziam acompanhar de padres carmelitas. E como esses cavaleiros eram já Senhores de algumas vilas e lugares do Reino, em cujo número se contava a vila de Moura, fundaram nela em 1250, reinando D. Afonso III, ou depois de 1251 como indicam alguns autores, um convento para os religiosos dessa ordem cedendo-lhes para tal, umas casas que tinham edificado junto duma devota ermita da invocação de Nossa Senhora da Luz.

Devemos dizer que os hospitalários da Ordem de S. João de Jerusalém mantinham com os carmelitas estreita confraternidade na Terra Santa e o seu Padroeiro, S. João, é incluído entre os adeptos dos ermitas fundadores da Ordem do Carmo.

Ante as perseguições infligidas pelos sarracenos aos carmelitas que chegaram ao extremo de lhes detruirem o próprio convento do Monte Carmelo, tomaram eles a resolução de emigrar para a Europa. Em 1238, estabeleceram-se em Chipre, Messina, Paris, levados por S. Luís, Rei de França e em Aylesford, na Inglaterra. 

Coube pois a Moura a honra de ter o primeiro convento carmelita que se estabeleceu na Península.

Isto acontecia, portanto, a não muitos anos da sua reconquista, efectuada pouco depois de 1191, visto a primeira conquista pelos exércitos cristãos ter-sedado em 1166, no reinado de D. Afonso Henriques, com a intervenção daqueles célebres cavaleiros de nome Álvaro e Pedro Rodrigues, cujas cinzas se guardam num túmulo manuelino existente na arruinada Igreja do convento das dominicanas do Castelo, mandado construir pela sua primeira abadessa, Dona Ângela de Moura, da família dos mesmos cavaleiros, nas próprias casas de sua residência.

Convento do Carmo, em Moura
Vem a propósito referir - como hipótese - que a primeira conquista cristã, cuja data se ignora, talvez se tivesse dado no dia litúrgico do santo que se vê representado num fresco, quase destruído, existente na capela onde se encontra o túmulo dos primeiros conquistadores de Moura.

A figura parece a do Apóstolo S. Bartolomeu e, sendo assim é provável que a conquista se tivesse verificado em 24 de Agosto, tempo estival próprio para conquistas e fossados.

A reforçar esta nossa suposição, temos o facto de quase todas as conquistas feitas pelos cristãos aos mouros serem referenciadas aos santos dos dia de S. Barnabé, santo que teve capela própria na igreja de Santa Maria do Castelo dessa cidade, do lado da Epístola, junto do jazigo onde se guardam os ossos dos sete cavaleiros cristãos mortos pelos mouros no sítio de Antas, causa imediata dessa conquista por D. Paio Peres Correia, esforçado cavaleiro de Santiago.

(a continuar)

15/07/14

MONSARAZ, PORTUGAL


Monsaraz, no sul de Portugal.


MONSARAZ from Ra Atelier on Vimeo.

14/07/14

A VIDA DO CAMPO - ODE

A VIDA DO CAMPO

Não formam, discreta Márcia,
A nossa felicidade
Os ilusórios tesouros,
Que busca o luxo, e vaidade.

Esses cristais de Golconda,
Que os homens chamam diamantes,
São, entre as classes das pedras,
Pedras que são mais brilhantes.

Se a mesma terra que as cria
Não for por nós cultivada,
Será teatro da fome,
Será do luto a morada.

Não é, por certo, escondido
Metal, a que chamam ouro,
Ao homem da natureza
Um verdadeiro tesouro:

É mais proficuo um arado,
A foice é mais preciosa;
Só estes nos livres campos
Tornam a vida gostosa.

Ao nosso amor que é preciso
Mas que do campo a cultura,
A lã de ingénuas ovelhas,
As águas da fonte pura?

Vivamos, Márcia, no campo,
Nele esperemos o Céu,
Até que a Morte desdobre
Sobre meus olhos o véu.

(Rev. Padre José Agostinho de Macedo)

EPICÉDIO (I)


EPICÉDIO 
AO
SENTIDÍSSIMO FALECIMENTO
Do Insigne Português
 O Reverendo Padre
JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO,
composto e dedicado
á nação portuguesa
por Guadêncio Maria Martins

"Mais ainda que caiu, a fama ergueu
Tanto seu claro nome, que desconta
A dor que nos deixou, e a grande afronta,
Que Febo, e o mundo todo recebeu." (Bernardes)


Epicedio

Pesada condição da humanidade!..
Nasceu para morrer!.. tal é o encargo,
Que oprime sempre os míseros humanos!..
Eis o fruto fatal da rebeldia,
que no Éden formoso rebentara!
Grandezas, possessões, ciência de tudo
Quando do mundo a face desfrutamos,
Mas da vida no acaso é débil sumo
Exposto ao furacão de irados ventos!
As vidas dos heróis não poupa a morte,
E do sábio também finda a carreira!
Onde Mário e Pompeu, onde Alexandre,
Onde César e Tito, onde Trajano?
D'antiguidade a Nuncia apenas hoje
Seus nomes, e façanhas nos transmite!
Quem se equipara a estes na grandeza?
Mas na morte, que a todos prostera e vence,
Igualam a qualquer de seus escravos.
De um Domósthenes a mágica eloquência
Não pode suspender seus golpes ervado,
Nem de um Túlio a moral filosofia
Lhe embarga os passos, ou suspende o braço!
Emitindo lições de moral pura
(Com que Platão depois ilustra o mundo)
Morre um Sócrates sábio e virtuoso.
De seus golpes fatais humano esforço
Jamais pode impedir a atroz violência!
Assim de um fero golpe a morte rouba
Um sábio, que de Lysia fôra ornato!
Já se eclipsou à vista dos humanos
Hum Sábio Português, um Douto Génio,
Que imortal ficará em seus escritos!..
Assim posso dizer, pois que a lisonja
Não pode já tentar seus mortais restos...
Sim, terminou o ínclito Macedo
Os seus dias mortais, da vida o curso;
Mas expira, mostrando ao mundo inteiro
Quais os deveres são dos sábios todos!

Do que serve o saber, se se não rege
Pela justiça, por dever, por honra?
Muito soube Voltaire, doutro foi Loke,
Spinosa, Mably, Volney souberam;
Mas que uso fizeram dos talentos
Que do seu Criador tinham aceito?
Contra o mesmo Senhor, que lhos prestara
Ingratos estas armas revoltaram!
Esta a Religião o comum alvo
A que seus féros golpes dirigiam:
Os Tronos derrubar era seu norte,
E no mundo firmar, sem Reis, nem Culto,
Uma falaz, quimérica igualdade,
Que só tinha lugar nas fantasias
Formadas por um cérebro escandecido!

Mas que estrada, ou que trilho segue e piza
O Sábio Português, que pranteamos?
Ele do imortal a essência prova,
E seu culto defende, arreiga, exalta.
Fiel a Deus, e ao Rei, ele os defende
De sofismas de ateus, d'ímpias doutrinas.
O Sábio é devedor à Pátria sua
Dos talentos, que um Deus lhe prodigára:
Macedo assim o entende, assim pratíca
E da Pátria c'o amor termina a vida.
Ele a defende com valor de Sábio,
Refutando as doutrinas perigosas,
Que o mundo assolam com ferino estrago.
Pugnava pela Lei, pela Justiça,
E se pode afirmar co' a são verdade,
Que a lide durou quanto a sua vida.
Ciente em tudo que saber-se pode,
E que foram do Sábio o património,
Ele maneja as armas da ciência
Com viva intrepidez, com arte, e génio;
Douto quando falava ante os Altares
Do Deus Vivo, imortal, Omnipotente;
Douto quando da história apresentava
Os sucessos gerais no mundo todo;
Douto quando da lira ao som cadente
Dos peitos lusos o valor cantava!..
Newton, Meditação, Obras do Génio,
Intactas volverão do tempo o curso,
E seu nome imortal será c'locado
Dos sábios no catálogo brilhante.
Os serviços, que fez à Pátria sua
Nunca hão de esquecer. Nunca deslembrarão
Os feitos dos heróis à Pátria grata,
Quando seus dias estes tem votado
À honra nacional, à Pátria glória.
Quis um Deus imortal, que onde brilharam
Os Vieiras, os P'reirasm e os Almeidas,
Macedo alardasse alta ciência.
Fez seus inimigos espumar raivosos,
Que da Pátria o transtorno demandavam,
Despojando seu Rei da C'roa e Ceptro,
Que a Justiça, e a Nação reconheciam.
Sempre em lide co' a seita abominável,
Que na queda do Altar, e Trono aguarda,
Ele soube manter, ovante sempre,
Da Verdade, e razão os justos Fóros.
Oxalá menos breve a Parca rude
Lhe não cortasse o fio d'essa vida
Tão cara a Portugal, tão cara ao Trono!
É do Sábio o trabalho tão precioso
Á Pátria, a quem dedica o doutro estudo,
Quanto o hábil general na guerra
Dirigindo os ataques e batalhas:
Ele faz convergir os sentimentos
Para o trilho da Lei e da Justiça;
Tira a máscara vil à impostura,
Que desfigura sempre a sã verdade;
Faz amar, o que é digno só de amar-se,
E obtém aborrecer-se o vício rude.
Sem ser com rijo alfange, ou ferro e fogo,
Com violência, com força, ou com cadeias,
Ele separa e vence com brandura
Somente da razão co' as dóceis armas;
Persuade, dirige, e sempre rende
Um coração, uma alma bem formada.
Nós o perdemos; Lysia se lastima
De tão douto escritor co' a dura ausência!
Mas se a morte o roubo de nossa vista,
Seu profícuo saber nos resta ainda
Difundido, espalhado em seus escritos.
Estes são só os bens, que um sábio deixa!
Do avaro as riquezas poucos eram,
Mas do sábio é herdeiro todo o mundo!
Os bens do avarento muitas vezes
Só vão alimentar torpezas, vícios;
Os do sábio produzem almas rectas,
Dão vassalos fiéis aos reis piedosos,
Garantindo a moral à sociedade!...
Ó Sábio Português, ó doutro génio,
Não posso terminar, sem que recorde
Eloquentes lições, que hás dispensado
Do lugar onde a nítida Verdade
Somente há de apar'cer, pura, e brilhante!
Ah! Em extasis Santos muitas vezes
Fazias transportar pio auditório!...
Tão sensível se faz a perda tua
Quanto mérito mais se te descobre!..
Não posso supitar a mágoa, a pena,
Que o triste coração me dilacera...
Mas é Deus, que o mandou, é Deus, que a vida
Tira, ou conserva, como bem lhe agrada:
Ao homem penetrar não se permite
Os arcanos de um Deus incompreensível!
Ele a vida nos dá, e a vida tira,
E seu paterno amos em tudo mostra.
Santa resignação com seus decretos
É proveitoso, salutar princípio.
Embora minha voz eu solte, e brade,
É inútil falar a cinza, a sombras!
Mas à memória tua, ó douto génio,
Eu consagro este metro luctuoso,
Tributo humilde, mas de uma alma grata.

(continuação, II parte)

12/07/14

O BRASÃO PELO QUAL SE PODE ORAR CCXII


ESCOLA PORTUGUESA DE ARTE EQUESTRE

Em 1748 D. João V fundou a Coudelaria de Alter, para a sub-raça do cavalo Lusitano: o Alter-Real (o Alter-Real é um apuramento ordenado pelo próprio Rei para servir as exigências da realeza portuguesa).

Na segunda metade do séc. XVIII, D. José amplia a iniciativa de seu pai. Estructura a Coudelaria de Alter, e dá-lhe o primeiro regime coudélico. Assim, começa o periodo aureo da Coudelaria e do Alter-Real.

O Principe do Brasil, D. João (futuro Rei D. João VI)
Gravura do livro "Luz Liberal, e Nobre Arte de Cavallaria".
Em tempo de D. Maria I dá-se um apuramento do Alter-Real e aumento da manada. O Marquês de Marialva, D. Pedro de Meneses, Estribeiro-Mor da Casa Real, estrutura e eleva o ensino à perfeição. Em 1790, fruto de todos estes progressos, Manuel Carlos de Andrade redige o "Luz da Liberal, e Nobre Arte da Cavallaria..." dedicado a D. João Principe do Brasil (quem vem o Rei D. João VI), obra de inestimável valor!

Gravura do livro "Luz Libera, e Nobre Arte de Cafallaria"
A Coudelaria sofreu profundamente com o ataque maçónico-liberal a Portugal. Os seus recursos foram utilizados para a defesa do Reino contra D. Pedro I do Brasil. Depois do Trono usurpado, não mais se voltará a restabelecer o nível que tinha sido alcançado por mercê dos nosso Reis. Com a D. Maria "II" vai-se a pureza da raça, e a Coudelaria sofre das mesmas restrições assombrosas com as quais se pagava a dívida da vitória liberal da usurpação. De 1842 até 1910 o Alter-Real continua a ser fortemende degradado com tentativas de cruzamentos com o caválo Árabe.

Em 1910, um partido usurpa Portugal, e "troca" o nome da Coudelaria por "Coudelaria Militar de Alter do Chão".Durante o Estado Novo foram vendidos os dois últimos garanhões Alter-Real, e em 1941 passam a "Coudelaria de Alter do Chão" para "Coudelaria de Alter" e, no ano seguinte, inicia-se a recuperação do cavalo Alter-Real com base em 3 garanhões (2 eram aqueles últimos que antes tinham sido vendidos ao mesmo particular) e 11 éguas.

Em 1979, com base na tradição equestre portuguesa, aparece a Escola Portuguesa de Arte Equestre que, em 1996 ganha instalação na Real Quinta, ou seja, no Palácio de Queluz.



E o que é feito daquela Coudelaria fundada pelos nosso Reis!? A Nossa Coudelaria, onde anda!?... Bem, o que tem sobrado dela, sejam quais forem os nomes sob os quais a queiram fazer parecer, hoje está muito mal. Bastará olhar as notícias publicadas nestes últimos anos (e para isto recorro ao jornal Correio da manhã):

- 26/10/2008: "O leilão de cavalos na Coudelaria de Alter do Chão, Portalegre, rendeu ontem 49.400€ aos cofres da Fundação Alter Real."

- 25/04/2010: "Cavalos puro-sangue rendem 87.000€. A Fundação Alter Real diz que a iniciativa correu bem, apesar de não ter atingido o objectivo financeiro."

- 25/04/2011: "Leilão rende 120.000€. Alter do Chão: evento tradicional da Fundão Alter Real."

- 12/02/2012: "Freio na Coudelaria de Alter do Chão. A Fundação Alter Real, que através da Coudelaria de Alter do Chão é a responsável pela criação de cavalos lustitanos e pela manutenção dos registos genealógicos da raça, tem de ser saneada financeiramente (defende conhecedora)."

- 29/02/2012: "Seguro desafia governo para problemas do Interior. Sobre a Coudelaria de Alter do Chão, que visitou esta manhã, o lider do PS mostrou-se satisfeito pelo governo ter nomeado uma nova administração para a Fundação Alter Real, que se encontrava sem quórum há dois meses."

- 25/04/2012: "leilão de cavalos rende 75.000€. Para o presidente da Companhia das Lezírias e da Fundação Alter Real, António Saraiva, o balanço do leilão é muito positivo, uma vez que todos os cavalos vendidos acima do valor base."

- 09/08/2012: "Coudelaria em Crise. A Fundação Alter Real (FAR), que gere a Coudelaria de Alter do Chão, em Portalegre, tem um passivo de 2,5 milhões de euros e dívidas com algum significado a empresas prestadoras de serviços, como a falcoaria, laboratório de genética molecular, guias turísticos e fornecedores (admitiu Hermet´rtio Cruz, do conselho de administração da FAR)."

- 05/11/2012: "Crise obriga a abate de cavalos. "Temos de ser realistas e deixar de ser líricos, porque não podemos continuar a viver da emoçção e do sentimentalismo", acrescentou o responsável, dando como exemplo o facto de existirem cerca de 500 cavalos só na Fundação Alter Real, que gere "a coudelaria do estado" com graves dificuldades financeiras."

- 14/06/2013: "Governo põe fim à Coudelaria mais antiga do mundo. Estinção da Fundação Alter Real."

11/07/14

CATECISMO DE MONTPELLIER

 

Conhecido como Catecismo de Montpellier, foi adoptado largamente para combater desvios que alguns outros tinham introduzido. Por nós, os de língua portuguesa, a mando do Rei D. José, foi adoptado largamente. Até ao início do séc. XX, foi este o catecismo mais adoptado como fiel expositor do Catecismo Romano junto da população, só depois veio o chamado Catecismo de S. Pio X (que passa a ser a referência do Catecismo Romano adaptado à população).

Este catecismo, ordenado pelo Bispo da diocese de Montpellier, surgiu naquele tempo para combater dois outros catecismos de influência jesuítica.

Não posso tecer qualquer comentário ao Catecismo de Montpellier, para lá do que já disse, contudo partilho-o em formato PDF, AQUI.


HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO DA REAL BASÍLICA E MOSTEIRO DO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS DA CIDADE DE LISBOA (XI)

(continuação da X parte)

§ 4.º Neste dia achava edificado defronte, e ao lado direito da Basílica um magnífico edifício de madeira, que havia de servir para toda esta solenidade ricamente ornado, e tudo disposto na melhor ordem, como passamos a mostrar na seguinte planta.

Este edifício constava de vários repartimentos, e casas necessárias para a acomodação de S. Em.ª, e dos mais ministros; e também nele havia um Sacello proporcionado para aí se exporem as Relíquias, e uma vistosa varanda para circularem as procissões. A armação que o adornava era magnífica, como mostra a fiel atestação do Armador da Santa igreja Patriarcal, e é a que se segue:

"Relação de Tudo Que se Armou Para a Sagração da Igreja do Real Mosteiro do Coração de Jesus; e Para a Festividade do Dia 27 de Novembro em Acção de Graças. &.e

Parte 1.ª

A Capela das Relíquias foi toda armada de damasco carmesim, e o tecto guarnecido em roda de veludo, e apainelado com galões de palheta, e as paredes guarnecidas à romana com galões de ouro fino; docel ao altar de lustrina carmesim de ouro. Da parte da Epístola havia a tribuna para S. Majestade e Altezas armada de veludo carmim, e guarnecida de galões de outro fino: a esta se seguiam mais duas para a Família Real, armadas de damasco carmesim com guarnições de ouro fino: as acomodações interiores, e escadas das ditas tribunas tudo ornado de damasco. Da parte do Evangelho se armou o Trono de S. Eminência com docel, e os degraus se cobriram de pano encarnado, e se armou a quadratura dos Ex.mos Senhores Principais com bancos cobertos de pano verde, e os dos Principais do sólio, e os bancos rasos dos Capelães de S. Eminência, tudo conforme o costume da Santa Igreja patriarcal; como também o pavimento até à boca da dita quadratura foi coberto de pano verde, e os degraus do Altar com alcatifa da Índia, e todo o mais pavimento da dita Capela alcatifado. Havia mais na dita Capela uma credência coberta com um pano de veludo carmesim, e uma cadeira de veludo carmesim com dois degraus do dito com guarnições de ouro, que serviu no dia 14 de Novembro de tarde para S. Eminência sigilar as Relíquias, e depois da dita sigilação se tirou do Altar: e para Matinas se puseram dentro na quadratura de cada lado um banco de encosto, e um banco raso todos cobertos de pano verde; os de encosto para os R.os Bend.os da Santa Igreja Patriarcal, e os rasos para os capelães-cantores, que um dos ditos Rd.os Beneficiados que assistiram, capitulou as ditas Matinas, e depois de se acabarem se tiraram logo os ditos bancos.

Em roda da dita capela havia um grande transito; o qual de um lado dava serventia às portas da dita capela, e do outro às casas seguintes, que principiavam da parte do Evangelho.

Planta da Basílica
A casa de paramentos de S. Eminência, que foi armada de damasco carmesim, e guarnecida à romana com galões de ouro fino, e docel de veludo carmesim com guarnições de ouro, ao leito de paramentos, e o dito leito também com pano de veludo carmesim, e o degrau coberto de pano encarnado, e dois bancos de encosto para os Ex.mos Senhores principais, e o pavimento coberto de pano verde.

Seguia-se o camarim da falda, que foi armado de damasco carmesim, e as paredes em roda guarnecidas de galão de ouro fino; e havia no dito camarim uma cadeira de veludo carmesim com guarnições de ouro para S. Eminência, sobre um estrado coberto de pano encarnado, e uma credência com seu pano de veludo carmesim, e o pavimento coberto de pano verde.

A um lado havia uma pequena casa armada de panos de rás: seguia-se a casa da entrada de S. Eminência a qual tinha serventia para a rua, e foi armada de panos de rás, e cortinas nas portas e em roda tinha bancos cobertos de tafetá carmesim.

A casa para os Ex.mos Senhores Principais, que foi armada de panos de rás, e repartida em cubículos separados para cada um dos dt.os Ex.mos Senhores, cujos cubículos foram armados de damasco carmesim, e alcatifados de papagaio, e em cada um dos dt.os havia uma credência coberta de damasco carmesim, e um tamborete também de damasco carmesim: seguia-se a entrada dos ditos Ex.mos Senhores, que foi armada de panos de rás.

A casa para os Ilustríssimos Monsenhores, que foi armada de panos de rás, e cortinas nas portas, e de um lado tinha uma banca coberta de damasco, e de outro um banco também coberto de damasco.

Uma casa que serviu de sacristia, que foi armada de panos de rás, e tinha um lafo uma banca coberta de damasco.

Uma casa para os Reverendos Beneficiados da Santa igreja patriarcal, que foi armada de panos de rás, e tinha a um lado uma banca, e a outro um banco tudo coberto de tafetá carmesim.

Uma para os Revd.os Tesoureiros, que foi armada de panos de rás, com uma banca, e um banco coberto de tafetá carmesim.

Uma casa para os músicos da Capela, que foi armada de panos de rás, com uma banca e um banco coberto.

Havia mais casas separadas para capelães cantores, sacristas, criados, e maceiros, e todas as mais acomodações necessárias, e todas astas eram pintadas de branco, como também os trânsitos, e os tectos de todas as outras casas.

Antes de entrar a porta principal da dita Capela da parte do Evangelho, havia uma saleta armada de panos de rás, e cortinas nas portas, e se seguia a esta a escada, e coberto por onde S. Majestade entrou nos dias 14 e 15, que tudo foi armado de panos de rás.

Em frente da porta principal da dita capela se seguia a varanda, ou galaria que em quadro ia sair em frente das portas principais da igreja, pela qual se conduziu a procissão das relíquias, e era de balaustrada de ambos os lados, e o tecto e pilares armados de damasco carmesim tudo muito bem apainelado, e guarnecido de passamanes, e os envazamentos dos ditos pilares foram cobertos de veludo carmesim, e ornados ambos os lados da dita galeria, com tomado de damasco carmesim guarnecidos de galão de palheta e o pavimento alcatifado de alcatifas da Índia, da parte de fora junto ao tecto de um, e outro lado havia uma alpendrada de guarda sol, que foi coberta de tafetá carmesim, e com uma calha em roda de tafetá amarelo, tudo guarnecido de passamanes.

À entrada do pórtico da igreja havia uma casa de igual grandeza à capela das Relíquias, a qual foi armada do mesmo modo que a dita capela, e da parte da Epístola havia a tribuna de S. majestade, e Altezas, e se seguiam da Família Real, todas armadas com as outras, e ornadas pela parte de fora com cortinas, e cobertores de damasco de ouro carmesim, e as ditas tribunas além da escada que tinham para a dita casa, a qual foi armada de damasco, tinham mais outra para a rua com seu coberto para S. majestade se apear, que tudo foi armado de panos de rás.

Da parte do Evangelho havia o Trono de S. Eminência com docel branco de lustrina de ouro, com sanefas, e sabastos de veludo lavrado carmesim com fundos de ouro, e pano da cadeira de lustrina branca de ouro, e os degraus cobertos de pano encarnado, e a quadratura dos Ex.mos Senhores Principais coberta de panos de rás, e tudo o mais como na capela das relíquias. E junto ao Trono de S. Em.ª à parte de cima havia uma porta que saía para uma galeria que ia fechar em quadro, com a que se seguia em frente da porta principal da capela das relíquias, a qual foi armada, e ornada como a dita.

Havia mais outra galeria que começava junta com o arco da alpendrada da igreja e ia tornejando chegada à parede da parte do Evangelho, até finalizar na porta do palacete, a qual foi armada, e ornada do mesmo modo que as outras, e alcatifada de papagaio. E a alpendrada da igreja foi alcatifada de alcatifas de França.

Na igreja se puseram os doceis próprios que Sua Majestade mandou fazer, e foram os seguintes: Nas capelas do corpo da igreja de damasco de ouro carmesim; na capela do Santíssimo de lustrina carmesim de ouro; na capela mór de damasco de ouro branco rico, todos com guarnições de ouro fino. As tribunas de S. Majestade com sitiais, e panos de encosto próprios de veludo carmesim, com guarnições de de veludo carmesim, com guarnições de galão de palheta de ouro, e a casa das ditas tribunas se armou de panos de rás finos, com uma sanefa de veludo em roda, e cortinas de veludo às portas e janelas, tudo com guarnições de ouro. A casa imediata se armou também de panos de rás finos, com cortinas de guarnição de retroz nas portas e janelas com sanefas de veludo também com guarnição de retroz, e ambas as ditas casas foram alcatifadas com alcatifas da índia, como todas as outras tribunas.

Na Capela Mór da parte do Evangelho se armou o Trono de S. Eminência com espaldar de brocado branco e ouro, com sabastos de veludo lavrado carmesim, com fundos de ouro, e pano da cadeira também de brocado branco /e não teve docel, por impedir a vista da tribuna /, e se armou a quadratura para os Ex.mos Senhores Principais, e tudo o mais como é costume menos o pavimento que se não cobriu, nem se pôs alcatifa no degrau do Altar. No dia 15 enquanto andou a procissão, se armou na capela do Santíssimo o Trono para S. Eminência, para Tercia, com docel branco de lustrina de ouro, com sanefas, e sabastos de veludo lavrado carmesim, com fundos de ouro, e pano da cadeira também branco de lustrina, e quadratura, e tudo o mais como é costume, e pavimento coberto de pano verde e alcatifa nos degraus do Altar. Enquanto se cantou Tercia se cobriu o pavimento da capela-mós com uma alcatifa de França própria da dita capela: no cruzeiro da parte da Epístola havia o coreto para os músicos, o qual foi armado de pabos de rás; no dito dia 15 depois de toda a função se desarmaram as ditas duas quadraturas, e Tronos de S. Eminência, e se pôs a cadeira coberta de veludo para a sigilação das relíquias, que celebou o Ex.mo e Rev.mo Sr. Bispo do Algarve Confessor de Sua Majestade, na capela das relíquias, e se puseram dentro na quadratura da dita capela os dois bancos rasos cobertos de pano verde, um de cada lado para os Capelães Cantores da Santa Igreja patriarcal cantarem Matinas, que foram capituladas por um dos ditos, como as de todos os mais dias, que se cantaram na capela-mor da igreja.

Em dia 16, depois da sagração do Altar do Santíssimo, se alcatifou a capela com uma alcatifa da França, própria da dita capela, e se fez a procissão da trasladação do Santíssimo Sacramento, para a qual se tinha armado a portaria, e lucutório das religiosas. No dito dia de tarde se pôs na capela-mor a credência coberta de veludo carmesim, para a sigilação das relíquias que celebrou o Ex.mo Sr. Arcebispo de Lacedemónia, e se puseram também os dois bancos razos cobertos de pano verde para Matinas, e ficou tudo na ditacapela até ao último dia.

Em 17 depois da sagração dos dois primeiros altares do corpo da igreja, que sagrou o dito Ex.mo Sr. Arcebispo, se alcatifaram os degraus com alcatifas próprias, que logo serviram para a Missa, e á noite depois de Matinas se formou sobre o coreto dos músicos uma tribuna para Sua Majestade e Altezas verem as sagrações dos outros quatro Altares do corpo da igreja, cuja tribuna foi armada por dentro e por fora de damasco de ouro carmesim, e muito bem guarnecida, e se lhe fizeram todas as acomodações que é costume no corredor que fica por detrás das capelas da parte da Epístola, que se armou de damasco carmesim.

No dia 18, depois da sagração dos dois segundos altares que sagrou o Ex.mo Sr. Bispo do Pará Arcebispo Eleito de Braga, se alcatifaram os degraus dos ditos com as alcatifas próprias.

No dia 19, depois da sagração dos dois últimos altares, que sagrou o Ex.mo Sr. Bispo de Pinhel se alcatifaram os degraus dos ditos com alcatifas próprias.

Parte 2.ª

No dia 20 se desarmou a tribuna de S. Majestade que se tinha formado sobre o coreto, e se tornou a pôr o coreto na forma em que estava, e se armou de panos de rás; e tudo o mais ficou armado por ordem de S. majestade até ao dia 27, em que Sua Eminência cantou Missa de Pontifical, e Te Deum laudamus com assistência de S. majestade, e Altezas, e Côrte.

Para esta função serviu de Capela de Tercia, a que tinha servido das relíquias, na qual se pôs ao Altar docel branco de lustrina branca de ouro, e o Trono de S. Eminência também com docel, e pano de cadeira branco de lustrina de ouro, e docel imediato ao dito de veludo carmesim com guarnições de ouro para S. majestade, e para o Sereníssimo Príncipe Nosso Senhor, e cadeiras, pano de genuflecsório, e almofadas também de veludo carmesim com guarnições de ouro; a quadratura, e tudo o mais da mesma forma que serviu no dia 15. E junto à dita quadratura dos Ex.mos Snr.es Principais começava a quadratura da Corte, do modo que é costume nas funções que têm assistência da Côrte. A procissão de Tertia se conduziu para a igreja pela galaria que estava logo ao sair da porta da capela das relíquias, à parte esquerda que ia finalizar junto à alpendrada da igreja, e se taparam os vãos dos arcos da dita alpendrada, e os da dita galaria para reparar o ar, uns de panos de rás, e outros de pano branco, para entrar luz. Na igreja se armou o Trono de S. Emin~encia, como o que serviu no dia 15, e junto a este a este o de Sua Majestade e Altezas com o espaldar de lustrina carmesim de ouro, e cadeiras, pano de geneflessório, e almofadas de damasco de ouro carmesim, e a quadratura da Côrte, do modo que se pratica nas funções que têm assistência da Côrte.

No dia 28 se começou a desarmar tudo o referido. Fernando Antonio Fideie."

(continuação, XII parte)

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