14/07/14

EPICÉDIO (I)


EPICÉDIO 
AO
SENTIDÍSSIMO FALECIMENTO
Do Insigne Português
 O Reverendo Padre
JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO,
composto e dedicado
á nação portuguesa
por Guadêncio Maria Martins

"Mais ainda que caiu, a fama ergueu
Tanto seu claro nome, que desconta
A dor que nos deixou, e a grande afronta,
Que Febo, e o mundo todo recebeu." (Bernardes)


Epicedio

Pesada condição da humanidade!..
Nasceu para morrer!.. tal é o encargo,
Que oprime sempre os míseros humanos!..
Eis o fruto fatal da rebeldia,
que no Éden formoso rebentara!
Grandezas, possessões, ciência de tudo
Quando do mundo a face desfrutamos,
Mas da vida no acaso é débil sumo
Exposto ao furacão de irados ventos!
As vidas dos heróis não poupa a morte,
E do sábio também finda a carreira!
Onde Mário e Pompeu, onde Alexandre,
Onde César e Tito, onde Trajano?
D'antiguidade a Nuncia apenas hoje
Seus nomes, e façanhas nos transmite!
Quem se equipara a estes na grandeza?
Mas na morte, que a todos prostera e vence,
Igualam a qualquer de seus escravos.
De um Domósthenes a mágica eloquência
Não pode suspender seus golpes ervado,
Nem de um Túlio a moral filosofia
Lhe embarga os passos, ou suspende o braço!
Emitindo lições de moral pura
(Com que Platão depois ilustra o mundo)
Morre um Sócrates sábio e virtuoso.
De seus golpes fatais humano esforço
Jamais pode impedir a atroz violência!
Assim de um fero golpe a morte rouba
Um sábio, que de Lysia fôra ornato!
Já se eclipsou à vista dos humanos
Hum Sábio Português, um Douto Génio,
Que imortal ficará em seus escritos!..
Assim posso dizer, pois que a lisonja
Não pode já tentar seus mortais restos...
Sim, terminou o ínclito Macedo
Os seus dias mortais, da vida o curso;
Mas expira, mostrando ao mundo inteiro
Quais os deveres são dos sábios todos!

Do que serve o saber, se se não rege
Pela justiça, por dever, por honra?
Muito soube Voltaire, doutro foi Loke,
Spinosa, Mably, Volney souberam;
Mas que uso fizeram dos talentos
Que do seu Criador tinham aceito?
Contra o mesmo Senhor, que lhos prestara
Ingratos estas armas revoltaram!
Esta a Religião o comum alvo
A que seus féros golpes dirigiam:
Os Tronos derrubar era seu norte,
E no mundo firmar, sem Reis, nem Culto,
Uma falaz, quimérica igualdade,
Que só tinha lugar nas fantasias
Formadas por um cérebro escandecido!

Mas que estrada, ou que trilho segue e piza
O Sábio Português, que pranteamos?
Ele do imortal a essência prova,
E seu culto defende, arreiga, exalta.
Fiel a Deus, e ao Rei, ele os defende
De sofismas de ateus, d'ímpias doutrinas.
O Sábio é devedor à Pátria sua
Dos talentos, que um Deus lhe prodigára:
Macedo assim o entende, assim pratíca
E da Pátria c'o amor termina a vida.
Ele a defende com valor de Sábio,
Refutando as doutrinas perigosas,
Que o mundo assolam com ferino estrago.
Pugnava pela Lei, pela Justiça,
E se pode afirmar co' a são verdade,
Que a lide durou quanto a sua vida.
Ciente em tudo que saber-se pode,
E que foram do Sábio o património,
Ele maneja as armas da ciência
Com viva intrepidez, com arte, e génio;
Douto quando falava ante os Altares
Do Deus Vivo, imortal, Omnipotente;
Douto quando da história apresentava
Os sucessos gerais no mundo todo;
Douto quando da lira ao som cadente
Dos peitos lusos o valor cantava!..
Newton, Meditação, Obras do Génio,
Intactas volverão do tempo o curso,
E seu nome imortal será c'locado
Dos sábios no catálogo brilhante.
Os serviços, que fez à Pátria sua
Nunca hão de esquecer. Nunca deslembrarão
Os feitos dos heróis à Pátria grata,
Quando seus dias estes tem votado
À honra nacional, à Pátria glória.
Quis um Deus imortal, que onde brilharam
Os Vieiras, os P'reirasm e os Almeidas,
Macedo alardasse alta ciência.
Fez seus inimigos espumar raivosos,
Que da Pátria o transtorno demandavam,
Despojando seu Rei da C'roa e Ceptro,
Que a Justiça, e a Nação reconheciam.
Sempre em lide co' a seita abominável,
Que na queda do Altar, e Trono aguarda,
Ele soube manter, ovante sempre,
Da Verdade, e razão os justos Fóros.
Oxalá menos breve a Parca rude
Lhe não cortasse o fio d'essa vida
Tão cara a Portugal, tão cara ao Trono!
É do Sábio o trabalho tão precioso
Á Pátria, a quem dedica o doutro estudo,
Quanto o hábil general na guerra
Dirigindo os ataques e batalhas:
Ele faz convergir os sentimentos
Para o trilho da Lei e da Justiça;
Tira a máscara vil à impostura,
Que desfigura sempre a sã verdade;
Faz amar, o que é digno só de amar-se,
E obtém aborrecer-se o vício rude.
Sem ser com rijo alfange, ou ferro e fogo,
Com violência, com força, ou com cadeias,
Ele separa e vence com brandura
Somente da razão co' as dóceis armas;
Persuade, dirige, e sempre rende
Um coração, uma alma bem formada.
Nós o perdemos; Lysia se lastima
De tão douto escritor co' a dura ausência!
Mas se a morte o roubo de nossa vista,
Seu profícuo saber nos resta ainda
Difundido, espalhado em seus escritos.
Estes são só os bens, que um sábio deixa!
Do avaro as riquezas poucos eram,
Mas do sábio é herdeiro todo o mundo!
Os bens do avarento muitas vezes
Só vão alimentar torpezas, vícios;
Os do sábio produzem almas rectas,
Dão vassalos fiéis aos reis piedosos,
Garantindo a moral à sociedade!...
Ó Sábio Português, ó doutro génio,
Não posso terminar, sem que recorde
Eloquentes lições, que hás dispensado
Do lugar onde a nítida Verdade
Somente há de apar'cer, pura, e brilhante!
Ah! Em extasis Santos muitas vezes
Fazias transportar pio auditório!...
Tão sensível se faz a perda tua
Quanto mérito mais se te descobre!..
Não posso supitar a mágoa, a pena,
Que o triste coração me dilacera...
Mas é Deus, que o mandou, é Deus, que a vida
Tira, ou conserva, como bem lhe agrada:
Ao homem penetrar não se permite
Os arcanos de um Deus incompreensível!
Ele a vida nos dá, e a vida tira,
E seu paterno amos em tudo mostra.
Santa resignação com seus decretos
É proveitoso, salutar princípio.
Embora minha voz eu solte, e brade,
É inútil falar a cinza, a sombras!
Mas à memória tua, ó douto génio,
Eu consagro este metro luctuoso,
Tributo humilde, mas de uma alma grata.

(continuação, II parte)

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