06/11/14

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (XXII)

(continuação da XXI parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO
Thomas de Kempis
Cap. XXII
Considerações das Misérias Humanas

1. Miserável és, onde quer que estejas e em qualquer parte para onde vás, se te não convertes a Deus. Para que te turbas se as coisas não correm como desejas? Quem existe que possa dizer que tenha tudo sucedido na medida dos seus desejos? Por certo, nem tu, nem homem nenhum sobre a Terra. Ninguém vive no mundo sem alguma tribulação, ainda que seja Rei ou Papa.
E quem é, pois, que está melhor? Certamente o que pode sofrer adversidades por amor de Deus.

2. Muitos tíbios e fracos dizem: «Que bela vida leva aquele homem, tão rico e grande, poderoso e sublimado!» Levanta, porém, o pensamento aos bens celestes, e verás que todos os bens temporais são coisa nenhuma, antes se apresentam tão incertos e duvidosos e tão arriscados que ninguém os pode possuir sem inquietação e sem temores.
Não consiste a felicidade do homem em dispor de abundância dos bens terrenos; basta-lhe a mediania.
É verdadeira miséria viver sobre a Terra. Quanto mais o homem se aplicar a viver pelo espírito, tanto mais se lhe faz amargosa a vida presente, pois melhor conhece e vê com clareza a corrupção humana.
Comer, beber, viajar, dormir, descansar, trabalhar, estar sujeito às necessidades da natureza, na verdade é grande miséria para o homem que deseja desatar-se do seu corpo e estar livre de todo o pecado.

3. Oprimido se sente o homem interior com as necessidades corporais deste mundo. Razão pela qual pede o Profeta a Deus que o livre delas, dizendo: «Livrai-me, Senhor, das minhas necessidades.»
Mas ai daqueles que não conhecem a sua miséria e, mais ainda, ai daqueles que amam os prazeres desta vida falível. Pois alguns há que de tal sorte a ela se apegam (posto que escassamente tenham o necessário, trabalhando ou mendigando) que, se pudessem viver aqui sempre, pouco se importariam com o Reino de Deus.

4. Loucos e duros de coração aqueles que tão profundamente jazem apegados à Terra, que não gostam senão das coisas carnais. Pobres coitados, virá o tempo em que verão, à sua custa, quão vil e nada era tudo o que amavam.
Os santos de Deus e os sinceros amigos de Cristo não atendiam ao que agradava à sua carne, nem ao que neste mundo brilhava, mas toda a sua esperança se dirigia aos bens internos. Todo o seu desejo se elevava às coisas invisíveis e permanentes, para que o amor do visível não os arrastasse a desejar coisas baixas.
Não queiras, irmão meu, perder a esperança nas coisas espirituais. Ainda tens tempo: aproveita-o.

5. Porque queres adiar, dia para dia, o teu bom propósito? Levanta-te e começa logo, neste mesmo instante, e diz: «Agora chegou o tempo de agir, o tempo de pelejar, o tempo de me emendar.»
Quando está atribulado e aflito, então chegou o tempo do seu merecimento. Importa que passes por fogo e por água, antes que atinjas o descanso. Se não fizeres força, não vencerás os vícios. Enquanto estamos neste frágil corpo, não podemos viver sem pecado e sem contrariedades. De boa vontade descansaríamos de todas as misérias, mas, como pelo pecado perdemos a inocência, também perdemos a verdadeira felicidade. Por isso nos importa ter paciência e esperar a misericórdia de Deus, até que essa maldade se acabe e a morte seja destruída pela vida.

6. Quanta é a fraqueza humana, que sempre está inclinada para os vícios! Hoje confessa os teus pecados e amanhã cometerás outra vez os mesmos. Agora propões acautelar-te e daqui a uma hora procedes como se nada houveras proposto. Com muita razão nos devemos humilhar e não presumir de nós coisas grandes, pois somos tão fracos e inconstantes. Com muito trabalho se pode perder pela negligência o que, com muito trabalho se adquiriu pela graça.

7. Que será de nós no fim, se já somos tão tíbios no princípio? Ai de nós, se assim queremos buscar a tranquilidade, como se já tivéssemos paz e segurança, quando na nossa vida não aparece sinal de verdadeira santidade! Bem necessário era que, como os noviços, fôssemos instruídos outra vez nos bons costumes, no caso que houvesse esperança de emenda e de aproveitamento espiritual.

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