20/11/14

DO CONDE D. HENRIQUE - por D. Fr. Fortunato de S. Boaventura (IV)

(continuação da III parte)



XIII

Também lhes foi necessário darem algum destino a certo Henrique da Família Ducal de Borgonha, que florescia por esses tempos, e que morreu no hábito de Cister pelos anos de 1130; e como poderia haver lembranças de que este monge fosse reputado quarto filho do Príncipe Henrique, pois faleceu em 1130, e então mesmo lhe faltaria alguma coisa para encher os setenta de idade, fazem monge de Cister o Príncipe Henrique, filho do Duque Odo (fundador do mosteiro), e assim forcejam por desviar toda a conjectura desfavorável ao seu intento. Vendo-me pois obrigado pela força da questão a indagar os destinos do Príncipe Henrique, irmão do Duque Hugo, achei e provo, que este Henrique não é o falecido em Cister pelos anos de 1130; pois é certo que ele acompanhava o duque, seu irmão, que tratando da sua morte, que sobre modo o angustiára, e de fazer esmolas pelo seu eterno descanso, usa destas palavras, que também foram transcritas, posto que não felizmente, pelo cronista D. Fr. Ângelo Manrique: "Ego igitur Hugo Dux Burgundiae, fratris mei Henrici morte turbatus, e illius dulci solatio destitutus, ad animae ipsius salutem expetendam etc. (1)" confessa ter perdido a doce consolação, que lhe trataria o viver com o Príncipe Henrique, e mostrar-se cuidadoso por lhe fazer quantos sufrágios lhe fossem possíveis. Ora este modo de falar e sentir quadrava bem pouco a um irmão, que se tivesse enterrado nos claustros de Cister, e que trabalhando aí largos anos por merecer a palma celeste, não devia pôr em tantos cuidados a sua família, que pela sua dor excessiva mostraria, que não contava ter mais um protector no céu. Acrescenta porém o Duque Hugo mais outra circunstância importante, e é ser tudo quanto ele fazia de aprovação de Joncerano, Bispo de Langres. "Haec ominia Domus Jonceranus Episcopus laudavit, confirmabit," porém o governo deste Jocerano apenas chegou ao ano de 1125; (caso não dimitisse o onus do episcopado de 1121, como alguns querem) pois em 1127 já o seu sucessor Wilenco andava no segundo ano do seu governo (1); além de que na própria colecção de Perard vem certezas, de que em 1129 não era Joncerano o bispo de Langres (2): de tudo isto reunido se conclui, que o monge de Cister Henrique não foi, nem podia ser o irmão do duque D. Hugo; que, se o fosse, como se apagaria de todo em Cister a memória de que o fundador da casa ali tivera um sobrinho monge?

XIV

Não sendo já desprazíveis estes indícios para que nos faltasse aquela segurança com que foram acreditados os historiadores franceses, acrescem várias circunstâncias externas, que muito influem para o caso de avaliarmos o pesa o das suas respectivas autoridades. Pretensões de coroa portuguesa já bem declaradas pela Rainha de França, Catarina de Medicis, que se fez descendente da Condessa de Bolonha, primeira mulher DelRei D. Afonso III; a contínua rivalidade entre as casas de Bourbom e Áustria, pois bem notório é o ciume em que ardia a primeira, ao ver a segunda reinante em Portugal, moviam os historiadores franceses a preparar de longe os meios de se ligar, quando fosse possível, a sorte de Portugal com os interesses da França e um deles era deduzir a origem dos nossos reis do mesmo tronco da família reinante em França. O primeiro, que assoalhou o MS. de Fleury já em 1587 havia mostrado numa obra, que intitulou De la Grandeur, Preeminences et Prerogatives des Rois et du Royaume de France, o quanto era adverso à Hespanha, e aos seus príncipes, e o que trabalhou a já por vezes apontada Genealogia dos Reis de Portugal, e que é tido geralmente por demonstrador desse pretenso axioma histórico, recebia tenças dos reis de França aos de Hespanha, e fez imprimir em 1655 um Tratado Sobre os Direitos do Rei de França a Muitos Estados e Senhorios Então Possuidos por Muitos Príncipes Deus Visinhos, e que forçosamente era incluido o Rei de Hespanha, que foi o alvo principal dos seus tiros; donde se vê, que muito mais o interesse da sua Côrte, do que a verdade histórica o moveu a defender mui acaloradamente, que os reis de Portugal eram da linhagem Capeciana. O mais é, que também os interesses políticos influiram muito para que os dois portugueses Fr. António Brandão e Duarte Ribeiro de Macedo pugnassem por aquela opinião; pois é bem sabido, que o primeiro, suspirando pela liberdade da sua pátria; e o segundo querendo promover, quanto nele era, a causa de Portugal na Côrte de París, não só abraçaram facilmente, porém até defenderam com ardor o que lhe parecia vantajoso para os seus reis naturais; e persuadam-se os meus leitores de que não foi esta a primeira ve, em que os interesses políticos arrastaram mui graves historiadores para escolherem de ligeiro, e sem exame, o que era mui conforme com as suas ideias e propensões.

XV

Mas que opinião se deverá adoptar sobre a genealogia do Conde D. Henrique? Receando espantar os meus leitores, e querendo prepará-los para um golpe, que sendo intempestivo causaria efeitos contrários ao meu desígnio, proporei certas coisas preliminares e fundamentais, que me serviram de guia para acertarmos, e não perdermos o tino. Quem é o historiador mais antigo que, sem falar vagamente da estirpe de D. Henrique, nos apresenta algum fio com que nos possamos desembaraçar desta espécie de labirinto? E o Arcebispo de Toledo D. Rodrigo Ximenes, que nasceu em tempo do Senhor D. Afonso Henriques, e já era adulto, e sacerdote nos últimos anos do reinado deste soberano, e que em pontos desta entidade não procederia sem que primeiramente fizesse as devidas averiguações; e por certo que na Côrte dos reis leoneses e castelhanos haveria nesses dias cópia de sabedores da linhagem do Conde D. Henrique... Chama a este príncipe congermanus, primo co-irmão do Conde D. Henrique, tendo já apontado, que viera das partes de Besançon: "Quam (Theresiam) duxit Comes Enricus ex partibus Pisontinis Congermanus Raimundi Comitis Patris Imperatoris, etc. (1)." Muito embora alguns modernos, para deprimirem esta autoridade, acusem a ignorância do Arcebispo, que chamou Condessa de Babilónia à Condessa de Bolonha, o que só recai sobre os amanuenses, e nunca sobre um tal historiador (2); porém esses mesmos deveriam lembrar-se, de que ele, tratando da primeira rainha de Portugal D. Mafalda acertou, quando o Livro de Noa, a crónica MS. de Alcobaça, e o próprio Conde D. Pedro erraram torpemente nesta matéria.

(a continuar)

2 comentários:

Diogo disse...

Muito boa tarde.

Gostei muito dos artigos até agora, e parecem muito interessantes. Nunca tinha lido se não que o Conde Henrique era de Borgonha, como se fosse verdade absolutamente histórica. Continuarão a publicação deste ensaio? Seria bastante educativo.

Continuem o bom trabalho.
Cumprimentos, Diogo.

anónimo disse...

Caro Diogo, muito obrigado pelas amáveis palavras.

Não sei se daremos continuidade à publicação. Entretanto não sabemos do original; por outro lado, há falta de tempo. É uma pena. Quem sabe um dia.

Cumprimentos. Volte sempre.

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