(continuação da XIV parte)
CAPITULO
III
Da Fertilidade da Terra Para Produzir, e Criar Gente, Como Gados, Mantimentos, e Todos os Frutos
Vãs seriam todas as restantes boas qualidades da terra, se faltasse a fertilidade que sustenta os homens para poder gozar dela; e assim como não pôde senão chamar-se malíssima aquela [terra] que carece desta propriedade, da mesma maneira a fértil tem por si a presunção de todas as bondades que ordinariamente são companheiras de fertilidade.
Na primeira idade, quando as gentes viviam mais, segundo o que ditava a simples natureza provida somente para o necessário e descuidada do supérfluo, não buscavam outra coisa senão campos férteis; neles os homens viviam contentes, passeavam seus gados, ali colocavam toda a sua bem-aventurança, passando dos que possuíam para os que julgavam por melhores, e fazendo da terra e seus frutos a devida estima: hoje, encontram-se com menos eficácia, se faz o mesmo, porque não podidos os tempos, inventores de novos costumes, e verdugos das boas antigas, inovar coisa alguma contra o que continuamente está mostrando a própria natureza.
Desta excelência pois tão grande, tenho de tratar no capítulo presente, mas porque seria absurdo falar dos frutos, sem primeiro dizer do homem, por cuja causa Deus os criou, como diz um texto do direito civil, (a) seguindo a ordem, que em trato semelhante nos ensina o Imperador Justiniano, (b) farei menção ante tudo de la muita gente, que há em Portugal, e depois voltarei aos gados e frutos.
[ (a) - §. in pecudum inst. de rer. divis.;
(b) - In § ult. instit. de jure nat.]
[ (a) - §. in pecudum inst. de rer. divis.;
(b) - In § ult. instit. de jure nat.]
EXCELÊNCIA I
A Muita Gente Que Em Portugal Há
A Muita Gente Que Em Portugal Há
Conta Fr. Jerónimo de Castro (a) numas adições, que fez à história dos gados de seu pai Julian de Castillo, que Tubal, primeiro povoador da Hispanha [Península Ibérica], quando morreu, deixou 65.000 netos, que sendo assim, que tiveram princípio em Portugal, pois a Vila de Setúbal foi seu primeiro assento, em que habitou, como provarei abaixo, (b) vemos a evidente mostra, que logo naquele princípios deu Portugal de sua fecundidade em produzir gente.
1. Nem foi melhor prova, quando o Imperador Octaviano mandou que se escrevessem todas as gentes do Império Romano, para cada pessoa lhe pagar certo tributo, no qual assento ou matrícula se achou, segundo diz Ângelo Pacense, (c) que em Portugal havia 5.078.000 pessoas, cabeças de família, sendo assim, que em todas as terras do Império Romano não se acharam mais que 26037 Miríadeas, como refere Micephoro Calisto, (d) que valendo cada uma Miríada 10.000 como escreve Fr. Bernardo de Brito, (e) soma 270.370.000 pessoas: número bastante pequeno para todas as províncias do Império Romano, em comparação com o que em Portugal se achou.
2. O mesmo Fr. Bernardo, e Fr. Francisco de Bivar (f) contam que os tempos adiante de Calgia, mulher de Cathelio, senhor, ou Régulo de uma parte de Portugal nas ribeiras do rio Tejo pela parte de Alcântara, onde esteve uma cidade que se dizia Norba Cesareia, pariu de um só ventre 9 filhas juntas.
3. E destes nossos tempos refere o doutíssimo Jurisconsul Manuel Barbosa, (g) que uma Branca de Rocha, mulher de Rodrigo Monteiro pariu de um só parto 14 filhos, e todos foram baptizados.
4. E o Padre Bivar no lugar citado refere que uma Maria Marcela, francesa mas nascida em Portugal no lugar de Anele do Arcebispo de Braga, pariu juntos 7 filhos varões, que além de vivos vieram todos a ser clérigos, e com benefícios, os quais foram esculpidos na sepultura da mãe na capela de S. Domingos na vila de Chaves; os quais dois partos de nove e de catorze foi a maior fecundidade que se tinha visto, porque segundo Plínio, (h) até três podem nascer de um parto, como foram os de Horácio e Curiacios, mas se nascem mais é coisa tida como maravilha: e por coisa rara conta o mesmo, que Faustia pariu em Óstia dois varões, e duas mulheres juntos, e que no Peloponeto uma mulher pariu quatro vezes a cinco filhos, e que a maior parte deles viveram; e que no Egipto as mulheres concebem sete de uma vez (se bem que Estrabão diz, (i) 5) e Raviso Textor (l) refere, que uma pariu sete filhos de um parto; mas não regista que houvesse mulher que parisse junto nove, ou catorze, e que todos vivessem; porque aquela Margarita, Condessa holandesa, de quem se afirma que pariu 363 filhos, (m) não os pariu perfeitos, senão como pequeníssimas criaturas, quem nem viveram; mas as 9 filhas que a portuguesa Caligia pariu de uma só vez, eram todas meninas perfeitas, viveram muitos anos, e foram santas, como mais adiante explicaremos; (n) e aquelas duas mulheres mencionadas Daciano Asirio, (o) que cada uma pariu 30 criaturas de uma vez, foram abomináveis, e seus partos causados de grande intemperança, como o mesmo Daciano diz, mas os partos das ditas portuguesas, como está claro, não foram de intemperança, principalmente o de Caligia, pois suas 9 filhas viveram todas até mulheres, e foram santas.
5. O dito Manuel Barbosa no alegado lugar, conta que junto da cidade de Braga uma Inês do Casal de Guidoy casou sete vezes, e de todos os maridos teve filhos, que com netos e bisnetos foram 109.
6. E que outra Maria Lopes da vila de Ponte da Barca na Nóbrega teve 120 filhos e netos, e comunicava diariamente com 80 deles (e esta mulher, como diz Gaspar Estaço, viveu no ano de 1578).
7. Diz o mesmo que em Guimarães viu uma mulher que de uma vez pariu três filhas e que depois as conheceu já em mulheres.
5. O dito Manuel Barbosa no alegado lugar, conta que junto da cidade de Braga uma Inês do Casal de Guidoy casou sete vezes, e de todos os maridos teve filhos, que com netos e bisnetos foram 109.
6. E que outra Maria Lopes da vila de Ponte da Barca na Nóbrega teve 120 filhos e netos, e comunicava diariamente com 80 deles (e esta mulher, como diz Gaspar Estaço, viveu no ano de 1578).
7. Diz o mesmo que em Guimarães viu uma mulher que de uma vez pariu três filhas e que depois as conheceu já em mulheres.
8. Outra mulher, chamada Maria de Góis, casada com Salvador de Faria, que foi abade da Aveleda no Arcebispado de Braga. O Imperador Justiniano num texto do Código (p) tem por coisa admirável parir uma mulher de 50 anos, em tanto, que se colocou ali em dúvida se o filho nasceu de tal parto, que parecia contra natura, devia suceder na herança do pai; e da Imperatriz Constança, mulher de Henrique V se conta por coisa notável haver parido aos 50 anos de idade, como se vê em Fazelio. (q) Mas em Portugal é tal a fecundidade, que nos tempos que chamamos de estéreis, e na velhice parem as mulheres sem admirar.
9. Solino, e Plínio (r) dizem, que o homem pode gerar até aos oitenta anos, e trazem como prova a Massenissa rei dos Númidas, que aos 86 anos gerou um filho; e Catão Censor, de 88: e ainda mais se alargariam este autores, se soubessem que a qualidade da nossa região de Entre Douro e Minho, na qual João Afonso no Casal do Bairro na paróquia da Nespereira, termo de Guimarães, casou segunda vez com 90 anos, e teve um filho da segunda mulher, que ao ter um ano tinha um irmão de 70 anos nascido da primeira mulher, e Gaspar Teixeira de Basto na paróquia de S. Romão de Corrogo, aos 97 anos, casou segunda vez, e teve um filho: e estes dois homens viviam quando Gaspar Estaço escrevia o livro das antiguidades de Portugal, que é de onde as transcrevo. (s)
10. Solino, mais, diz que se têm achado casos em que sendo concebido um filho, de ali a pouco tempo é concebido outro, e vivem ambos, tal como aconteceu com Hércules e seu irmão Ifico, os quais andando juntos no ventre nasceram com aquele intervalo de tempo no qual foram concebidos; e a escrava Proconissa, de dois adultérios pariu dois filhos [gémeos], cada qual semelhante a seu respectivo pai. Estas maravilhas, que Solino escreve naquela sua obra à qual colocou o título de coisas maravilhosas que se acham em Portugal, e quiçá sem maravilha. Catarina Gonçalves, casada na paróquia da Madalena, junto de Arrifana de Sousa, Bispado do Porto, pariu uma filha, e de aí a quinze dias pariu a outra. E Catarina Dinis, mulher de João Martins, do lugar de Doutelo, paróquia de Canedo, termo da Vila de Basto, pariu um filho, e depois de três semanas outro, e diz o dito Gaspar Estaço, que enquanto escrevia todos estes estavam vivos.
(a continua)
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