12/02/14

D. PEDRO AFONSO, VIRTUOSO MONGE IRMÃO DE D. AFONSO HENRIQUES (I)

CAPÍTULO V
No Qual se Trata do Muito Virtuoso Monge Converso Fr. Pedro Afonso, Mostrando-se que Foi Irmão DelRei D. Afonso Henriques.

"Florescendo em Santidade o Mosteiro de Alcobaça, como deixámos escrito, não é desacertada a conjectura, de que naqueles afortunados tempos bastaria nomear qualquer Monge de Alcobaça, para se ficar entretendo que era um Varão seguidor do caminho estreito, que leva em direitura ao Reino dos Céus. Entretanto poderia ser fatal qualquer erro, que nesta parte se cometesse, visto o perigo de se darem os louvores da Santidade a este, ou àquele, que os não merecesse; e na ideia deste perigo é que eu me retraí de contar entre os Varões Ilustres em Santidade todos os Monges de Alcobaça, que aparecem nas Escrituras, e Doações daquele tempo; e se o lugar de Abade, que feito por eleição do Mosteiro se conferia sempre a um Monge, que no seu estado particular, ou nos Ofícios menores do Convento luzira em pontualidade no cumprimento de seus deveres, assim mesmo não deixou de ser algumas vezes mal servido, e até manchado pela espantosa mudança, que as honras fazem nos sujeitos, que esquecidos do peso, que tomam a seus ombros, só põem os sito nos lucros, ou grandezas, que lhes são anexas; por ventura sucederia o mesmo a este, ou àquele Monge, o que nem admira, tendo-se em vista a fraqueza humana, nem era fácil de discernir em tal distância de tempos, e escassez de notícias, que bem poucas daquela Esra chegaram até nós.

Mosteiro de Alcobaça, antes da "reforma".
Além disto os Cronistas Morais Brito, e Santos apontaram assim os Abades do Mosteiro de Alcobaça, que sobressaíram em virtudes, como outros Monges, que por este lado merecem o primeiro lugar em nossas Crónicas; e bem claro se vê que seria um trabalho inútil historiar no meu estilo rude, e desalinhado, o que já escreveram outras penas mais cultas e aparadas, do que a minha. Não tira isto que eu repita de quando em quando algumas espécies; pois quantas repetiu Fr. António Brandão das já escritas por Fr. Bernardo de Brito? Mas neste caso é meu costume, ou substanciá-las, ou trocá-las de passa bem; e se em outras me acontece demorar-me, é por ter havido discrepância entre os citados Cronistas, do que é forçoso, que eu dê alguma satisfação ao Público. Eis a circunstancia verdadeiramente apertada, em que me põe o Monge Converso do Mosteiro de Alcobaça Fr. Pedro Afonso, que Fr. Bernardo de Brito reputa Irmão, e o Cronista Fr. António Brandão filho do Senhor D. Afonso Henriques. Figurou novissimamente nesta disputa o Cronista meu predecessor Fr. Manuel de Figueiredo, que imprimiu uma Dissertação singular, para discernir os dois Pedros Afonsos, um Irmão, outro filho do Senhor D. Afonso Henriques. Coloca ele nesta bem trabalhada Dissertação os sucessos respectivos a cada um dos Pedros Afonsos, porém é fácil de conhecer, à primeira vista, que os tocantes ao Monge de Alcobaça não se revestem daquele número de provas históricas, que sobressaem no outro, e que importava desfazer primeiro as objecções do Cronista Brandão; algumas das quais, e talvez as mais fortes, ainda não foram completamente destruídas. Verei pois se encontrando algum fio, que me conduza neste labirinto, eu possa acertar na verdadeira opinião, que deve seguir-se em um ponto essencial, não só à História da Congregação de S. Bernardo, porém à Geral destes Reinos, vista a qualidade da pessoa, de que tratamos.

Fr. António Brandão, que só munido de tradições, ou monumentos incontrastáveis, afirmava as coisas positivamente, e que sempre ficava suspenso, quando não achava aqueles dois requisitos nas notícias, que davam ao Senhor D. Henrique, primeiro Soberano deste Reino, hum filho bastardo chamado D. Pedro Afonso; porém confessa que, tendo revolvido copia de Doações feitas pelo dito Senhor D. Henrique, não achara nunca esse nome de D. Pedro Afonso, achando todavia assinadas não só as Pessoas Reais, porém outras, que seguiam a Côrte. Infere pois deste silêncio, que custa muito a provar de um modo, que exclua a menor hesitação e dúvida, que existisse um D. Pedro Afonso, filho bastardo do Senhor D. Henrique.

[nota Ascendens: não concordo com o autor ao dizer que D. Henrique (Henrique de Borgonha, Conde, pai de D. Afonso Henriques) foi o primeiro soberano deste Reino.]

(continuação, II parte)

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