"(...) Portugal mais que nenhuma outra nação da Europa, nos espanta pela energia do seu povo, e pelo contraste entre a pequenez e fraqueza de seus meios, e a grandeza dos resultados e feitos que obrou. (...) Por virtude daquela sua maravilhosa energia achamos que em pouco menos de um século os portugueses estabeleceram o seu domínio ao longo das costas de África, desde Ceuta até às costas do mar vermelho. Na Ásia estenderam suas conquistas desde o Golfo Pérsico até aos vários empórios da Índia e Ceilão, e daí até Malaca e Cantão e ilhas de Maluco no mais remoto Oriente. Durante este glorioso período, seus navegantes visitaram o Japão, (...). Fundaram o Império do Brasil, e sem embargo da oposição de França e obstinados esforços em contrário dos holandeses, conseguiram dominar nas mais extensas e férteis regiões da América do Sul. (..)
Além da grande energia que os portugueses desenvolveram no séc. XVI cujas vastas consequências deram em resultado tornar-se os anais de um pequenino reino um importante capítulo da história do mundo e progresso da civilização, há também nisto uma espécie de interesse doméstico para os ingleses.
E com efeito, não só Portugal o nosso mais antigo e mais seguro aliado, mas desde a fundação da sua Monarquia, amigáveis relações têm subsistido entre os dois Reinos. Na idade Média os cruzados dos Países Baixos e da Inglaterra ajudaram, mas de uma vez, os portugueses nas suas guerras com os mouros, tendo sido com semelhante auxílio conquistada Lisboa aos sarracenos. O primeiro Bispo de Lisboa era inglês, e alguns séculos mais tarde a batalha de Aljubarrota, que estabeleceu a independência do Reino, foi ganha aos espanhóis e franceses pelas forças aliadas de Inglaterra e Portugal. O casamento de D. João I de Portugal com D. Filipa, filha de nosso João de Gaunt, cimentou a amizade dos dois países. Quando depois de sessenta anos de opressão espanhola, Portugal em 1640 recobrou a sua independência, os ingleses, seus aliados, segunda vez o ajudaram naquele empenho,e fizeram bom serviço nas batalhas do Ameixial e Montes Claros. Foi desde aquela época que se estabeleceu íntima aliança entre Portugal e Inglaterra. Carlos II casou com uma Princesa de Portugal, e o célebre duque de Schomberg comandou os ingleses auxiliares, a cujos esforços se atribui principalmente à derrota dos espanhóis.
Não obstante o interesse da história de Portugal, suas antigas relações com a Inglaterra, o facto de sermos nós seus sucessores no império do Oriente, e mais que tudo o ser ela um campo novo e inexausto, é notável que tenha sido tão completamente desprezada pelos escritores ingleses. À excepção de Southey ninguém mais ousou entrar no campo da história de Portugal, e Mickle e Adamson são os únicos escritores de algum tom na quase ainda não explorada mina da literatura portuguesa. A despeito desta incúria há belíssimos temas de reserva para os estudiosos que se derem a historiar as coisas de Portugal. A história do engrandecimento e decadência do império português no Oriente não pode deixar de interessar o leitor inglês, (...). Nestes interessantes tópicos e matérias, a literatura do continente é menos estéril do que a nossa, e diferentes locubrações têm aparecido com o fim de dar uma história de Portugal, ou de ilustrar o seu estado presente. A história de Portugal em alemão, por Schaeffer, não a vimos; mas enquanto às obras francesas de Balbi é dedicada quase exclusivamente à estatística de Portugal, e pode dizer-se que é uma obra indispensável a quem desejar ter conhecimento do estado deste Reino, anterior a 1834.
A histeria de Portugal por Mr. Denis é uma das da série de obras históricas, que vem na coleção chamada O Universo. O autor mostra conhecer muito a fundo a linguagem literária deste país, e a sua situação como bibliotecário tem-lhe dado a vantagem de consultar mais obras novas e até manuscritos. A Mr. Denis falta-lhe todavia inteiramente o talento da história, e o melhor, que podemos dizer da sua obra, é que ela é uma espécie de selecta de escola, ou livro de lugares comuns, contendo mui raras e curiosas informações. mas, completamente ignorante dos mais simples elementos de economia política ou filosofia da história, não achamos nele nenhuma daquelas discussões filosóficas, a que o comércio português da Ásia ou a colonização do Brasil em tanta cópia dão margem a quem tiver a mínima aptidão para estudos especulativos. Se a nossa censura pudesse parar aqui, desejaríamos não ter notícia da obra; porém F. Denis é cúmplice em comum com muitos dos seus compatriotas de faltas mais graves - e não só de defeitos intelectuais, senão também de culpas de vontade. A anti-anglo-mania de que tanto são iscados os franceses pode ordinariamente ser objecto de compaixão ou desprezo; mas quando levada até para o campo da história da Europa na Idade Média, ou adulterando os factos, ou sem ter conta com eles, e isto por parte de um escritor, que aliás conhece a fundo a verdade, razão é para que o público se acautele de dar o mais pequeno crédito à sua obra. Antes porém de apresentar prova alguma de exacção das nossas observações, não deixaremos passar por alto outra falta, que é comum a ambos, Mr. Denis e Mr. Balbi, a que imediatamente aludiremos. - Falamos do escrito com que ambas as obras são escritas: cada uma é aí pintada e colorida, como se existisse em Portugal o sistema do optimismo, e como se não houvesse um meio termo entre um louvar exagerado e um censurar desmedido. Se este modo de escrever procede de brandura e timidez de carácter, pode-se porventura admitir desculpa da nossa parte, mas combinado com observações malignas e narrativas falsas a respeito da legislação, não faz senão redobrar o nosso desgosto.
Apontaremos agora alguns exemplos do modo como escreve a história. Em 1147 Lisboa foi reconquistada com a ajuda de um corpo de cruzados, que visitaram os portos de Portugal na sua jornada para a Palestina. Mr. Denis conta-nos como ainda subsistem alguns costumes originados daquela época que atestam a influência francesa naquele remoto período. Ora tal coisa não atestam,nem podem atestar, porque o exército dos cruzados vinha do norte da Alemanha, Flandres e Inglaterra. Diz que recordará o nome dos portugueses que se distinguiram no cerco, e omite os homens que estabeleceram a influência francesa: mas eles ainda se conservam nos antigos arquivos, e tem um sabor maravilhoso ao holandês e ao inglês. No fim do séc. XIV a Família Real portuguesa se extinguiu, seguindo-se um longo período de discórdia semelhante ao que houve entre a Inglaterra e a Escócia durante o reinado de Duarte I. A desavença portuguesa, bem como a escocesa, findou por uma victoria decisiva. Durante a contenda os portugueses foram ajudados por expedições de Inglaterra: uma destas é descrita o mais miúda e prolixamente possível, e as crueldades do exército capitaneado pelo Duque de Cambridge, pintadas com cores bastante negras. Poucos anos depois deu-se a célebre batalha de Aljubarrota. Os invasores espanhóis foram ajudados por um poderoso corpo de auxiliares de França, e do outro lado um pequeno exército inglês dava socorro aos portugueses. (...) Tudo isto, com quanto se ache na obra de Froissart, é omitido pelo nosso historiador, cujos leitores ficarão ignorando inteiramente esta circunstância essencial do combate. Pudéramos, se preciso fosse, alargar-nos sobre este objecto, a que meramente aludimos como prova de que pontos e questões, que todos os homens de tino reputam meras curiosidades históricas, podem ser torcidas por aqueles cujos servidos sentimentos levam o fanatismo da jovem França até às recordações dos tempos feudais. (...)"
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