12/02/14

DA UNIDADE DA VERDADEIRA RELIGIÃO (VI)

(continuação da V parte)

34. O homem irreligioso, bem que a seu pesar, quando lhe convém, tributa seus respeitos à Religião Cristã e se não é pelos seus discursos,é ao menos pelo seu modo de obrar. Suponhamos que este homem sem necessidade de um criado, dois concorrem: pergunta a um: de que Religião sois, meu amigo? Eu, senhor, não tenho nenhuma. Fui algum tempo porteiro de M. de Voltaire. Ele nos catequizava todos os dias; e nos provava que não havia Religião, e que só havia homens maus no Cristianismo; que a sua moral só aos idiotas podia enganar, mas que os homens sisudos não podia iludir. Eu o tenho crido, e Deus louvado, a nada me[?]acosto." Que partido tomaria este espírito forte? Pareceria que a conformidade de sentimentos deveria fixar a escolha a favor do primeiro criado; não é assim. O nosso filósofo mo[?]teja, e pergunta ao segundo: vê por todas as suas respostas que ele é um com Cristão, temente a Deus, e frequenta os Sacramentos; decide a seu favor. ora um semelhante procedimento não é uma homenagem, que se rende à Religião Cristã?

35. Bayle, depois de haver mofado de todas as religiões, insulta à Religião Cristã, proferindo que cristãos verdadeiros não poderiam formar um estado que pudesse permanecer. Porque não? Antes seriam uns cidadãos iluminados nos seus deveres, e os desempenhariam com zelo. Conheceriam belissimamente os direitos da defesa natural; e quanto mais julgassem dever à Religião, mais pensariam dever à sua pátria. os princípios do Cristianismo bem arraigados no coração, seriam infinitamente mais fortes do que esta falsa honra das monarquias, e estas virtudes humanas das repúblicas, e este temos servil dos estados despóticos. (Montesquieu, liv. 24 Del'Esprit de Loix)

36. No tempo em que o Príncipes maometanos davam frequentemente a morte, ou a padeciam, a Religião entre os Cristãos os fazem mais temerosos, e por isso menos cruéis. O Príncipe faz apreço de seus vassalos, e os vassalos do Príncipe. Admirável coisas a Religião Cristã, que parece que só tem por objecto a felicidade da outra vida, faz também a nossa ventura nesta vida. (Montesquieu, liv. 24 Del'Esprit de Loix)

37. Que se se puser diante dos olhos os assassinos contínuos dos Reis, e generais gregos, e romanos, a destruição dos povos, e cidades por estes mesmos generais: Timur, e Gengiskan, que assolaram a Ásia; e nós veremos então o que devemos ao Cristianismo, tanto no governo um certo direito político, como na guerra um certo direito das gentes, que a natureza humana não saberia reconhecer.

38. Só a Religião Cristã pode firmar os Tronos, e os Impérios, porque ela só ensina aos seus filhos, que o seu Deus é quem estabelece os Soberanos - "Temos César", diz Tertuliano, é o nosso deus que o pôs no Trono (Montesquieu, idem). Quem motivo maior se sujeição, e de obediência, do que saber que se tem por soberano um príncipe posto pelos deus, que adoramos! Quanto se deve respeitar! Que motivo mais importante!

39. Os princípios da Religião Cristã bem meditados, e seguidos na prática podem entreter a boa ordem nos estados, e sustentar entre a cabeça, e os membros esta harmonia, que faz a felicidade universal. Nós fomos de todos os vossos vassalos, dizia um antigo apologista da Religião falando com um imperador pagão, aqueles que mais vos ajudámos a manter a tranquilidade pública, ensinando aos homens que nenhum deles ou mau ou bom se pode ocultar aos olhos de Deus, e que todos depois da morte, irão receber penas eternas, ou recompensas, segundo o merecimento das suas obras. Se esta verdade fosse profundamente gravada no coração de todos os homens, nenhum seria vicioso nesta curta vida, para se ver depois condenado ao fogo eterno: mas o desejo de procurarem os bens que Deus promete, e de evitar os castigos, com que os ameaça, os poria a todos no estado de refrear as suas paixões, e de enriquecer a sua alma de todas as virtudes. Não é com o respeito às vossas leis, que os maus que as quebrantam procuram as trevas, eles fazem o mal; porque sabem que lhe é fácil o enganar-vos, e que se lisonjeiam de o executar. mas se eles soubessem, se eles estivessem firmemente persuadidos que Deus conhece todas as nossas acções, todos os nossos pensamentos, eles se afeiçoariam à prática da virtude, ao menos pelo temor, que lhes inspiram os castigos destinados para os maus. Isto é tão evidente, porque vós vos não converteis? É caluniar a Religião asseverando com os ímpios, que ela não pode formar bons Cristãos.

D. Luís XVI, Rei de França, Rei cristão a quem os
inimigos da Igreja quiseram fazer ver como tirano
inventando o nome "absolutista" (nome que serviu
apenas para accionar um mecanismo de rebelião
contra a Monarquia Católica tradicional).
40. Vós dizeis, ó ímpios, para tornardes à Religião Cristã odiosa aos povos, que ela autoriza o despotismo, e o poder arbitrário nos Reis; e nós, vos responderemos que sois ignorantes, e uns imprudentes mentirosos. Aprendei, senhores, se ignorais, que se a Religião Cristã livra os príncipes dos juízos dos homens, é para os citar para comparecerem num tribunal mais terrível: ela lhes declara com os termos mais enérgicos, que eles pagaram com usura, a impunidade de que gozaram na terra. Escutai, lhe diz ela pela (Sapien. c. 6 v. 2) boca do mais sábio de todos os homens; vós que mandais à multidão, e que vedes de bom grado um grande povo sujeito às vossas leis, vós recebestes este poder do Senhor, e este Império do Altíssimo. Ele fará o que examine as vossas obras, e que sonde os vossos mais ocultos segredos. Ministros do seu Reino, se nos vossos juízos são guardastes a lei da Justiça, senão cumpristes com a vontade de Deus, ele fulminará com furor sobre vós. Porque aqueles que governam passarão por um juízo rigorosíssimo. Há mais clemência, e compaixão para com os fracos; mas os poderosos serão com mais violência atormentados. Deus a ninguém há de exceptuar, o resplendor das dignidades não o cegam. Os pequenos, como os grandes são obra sua; sua Providência vigia igualmente sobre todos; e não distinguirá os grandes, senão para lhes preparar grandes castigos. A vós, ó Reis, é a quem dirijo este discurso, para que aprendais a sabedoria, e não vos desvieis dos seus preceitos, Uma religião, que fala aos soberanos com esta santa, e generosa liberdade, poderia ser acusada de favorecer a tirania? Não; só mentirosos, e ignorantes podem dizer.

41. Querer que a Religião Cristã inspire aos cidadãos uma obediência cega, e fanática, é calúnia. Quando ela manda aos vassalos que obedeçam ao seu Soberano, sua intenção não é fazê-los cúmplices das criminosas vontades do seu Soberano, obrigando-os a consentir, ou a cooperar nos crimes, que um mão Príncipe queira, se o monarca abusa do seu poder para mandar alguma coisa contra a Fé, e costumes, a Religião quer que os seus vassalos lhe deem aquela mesma resposta, que deu S. Pedro à face dos Apóstolos ao chefe da Sinagoga: "É necessário, lhe respondeu ele, obedecer a Deus antes que aos homens" ("Obdire oportet Deo magis, quam hominibus" Act. cap. 5 v. 29). Isto não é inspirar nos povos uma obediência cega, e fanática.

42. Se a Religião Cristã não é mais, que um sistema filosófico, confessamos que ele é excelente. Que união! Que harmonia entre as suas partes! É um todo admiravelmente ligado: Respondent extrema primis, media utriusque, omnia omnibus. Se é uma ficção, deve-se desculpar aquele que a ela se aferra; ela imita a verdade de tão perto, que é fácil de a conhecer. Agradável ilusão! Quanto estimo de me enganar com ela! Mas que digo? O Cristianismo não é um sonho filosófico, uma produção engenhosa de algum indagador, mas a obra do mesmo Deus. Não são filósofos que a têm proposto aos povos; são ignorantes, para com o mundo, os que têm persuadido aos filósofos.

43. A Religião Cristã é necessária para a salvação. Os que vivem fora do seu seio, caminham para as sombras da morte. É grande erro supor uma religião menos perfeita, comum a todas as nações, apoiada no conhecimento de um só Deus, justo Juiz, remunerador da virtude, e vingador do crime, que não tenha alguma analogia com a Revelação; que possa formar filhos de Deus, e obrar uma verdadeira justiça, que deve bastar só nos países, onde o Evangelho não é conhecido para conduzir os homens à salvação, independentemente dos merecimentos de Jesus Cristo. Não é assim que os Apóstolos instruíram os nossos primeiros pais. ("Vos autem non ita didieistis Cristum". Efes. c. 4 v. 10) Não há Salvação sem Jesus Cristo, nem outro nome abaixo dos Céus dado nos homens, por quem nos devemos salvar. Ele é o Salvador de todos os justos do Antigo, e Novo Testamento, e único mediador de Deus, e dos homens, o caminho, a verdade, a vida; ninguém chega a seu Pai, senão por Ele. (Act. cap. 4 v. 12)

44. Pode-se considerar a Religião Cristã por duas faces, ou enquanto à sua forma, ou enquanto à sua essência. A sua forma variou; é diferente na lei Natural, na lei Moisaica, e na lei Evangélica; mas a sua essência,é, e tem sido sempre a mesma. "Todos os justos que houveram no princípio do Mundo, diz Sto. Agostinho, tiveram por cabeça a Jesus Cristo. Creram, que ele viria, como nós cremos que veio: eles foram salvos pela mesma Fé, que nos salva a nós mesmos; para que ele fosse o cabeça de toda a Cidade de Jerusalém."

45. A Religião Cristã não é uma verdade especulativa, que se deva decidir no tribunal da razão; mas uma verdade de facto, sobre a qual o testemunho basta para pronunciar o seu favor. Que outra coisa é ela senão um corpo de doutrina vinda do Céu, e dada aos mortais pelos Ministros do Deus vivo, que o seu próprio Filho, acompanhado de doze testemunhas fosse ele mesmo o pregador, e o oráculo? Este facto supõe necessariamente a Revelação com a prova da verdade da Religião. É pois a este testemunho divino que nos devemos acostar, sem perder o templo em vans razões, sempre desordenadas, quando se disputa de factos. Falou Deus aos homens? Se Ele falou aos homens, os Cristãos venceram: porque sobre esta divina palavra é que se fundou a economia da sua Religião: Vamos a esta questão [noutro capítulo]"

(
"Pensamentos Theologicos Proprios Para Combater os Erros dos Filosofos Livres do Seculo", M.R. P. Nicolau Jamin. Tradução e publicação em Lisboa, 1784)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES