02/07/15

REFUTAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DOS PEDREIROS ILUMINADOS (IV)

(continuação da III parte)

CAPÍTULO IV
A Religião Conduz Mais Para a Felicidade Humana que a Filosofia dos Iluminados

Os Pedreiros, segundo eles dizem, são os únicos depositários a verdadeira, e sólida felicidade, e bradam que ninguém a pôde encontrar fora da sua escola. Eu me alegro muito com eles por tão ditosa sorte! Mas é preciso que me digam, se estão bem seguros que felicidade seja esta, onde, e como exista? Sobre este objecto, eu descubro como envoltos em sombras os mais famosos Filósofos, incertos sempre, e sempre discordantes. Epicuro decide tudo, e com ele os Pedreiros tudo decidem, limitando, e circunscrevendo esta felicidade à presente existência; e parecendo-lhe que esta vida só se pode tornar agradável debaixo dos auspícios da sua Filosofia, inferem que para a felicidade é propícia a mesma Filosofia, e que lhe é contrária a Religião. Mas que discorrer é este? Que sabe, exclama o Filósofo, e Poeta Eurípides, se esta vida é morte, e se a morte é uma verdadeira vida? Falemos mais claro. E se existir para nós uma outra vida, e um outro Mundo, onde um Supremo Senhor potentíssimo, que se chama Deus, encher os que o amam, e temem de bens de outra natureza que não são estes que aqui se sentem, e acumular seus ultrajadores, e inimigos, de penas gravíssimas; como, não só Jesus Cristo, mas Tales, Pitágoras, Sócrates, e Platão, e outros Filósofos gravíssimos imaginaram, e julgaram; onde iria topar aquele raciocínio? Onde terminaria, limitando tudo ao tempo presente, onde a felicidade é tão breve, incerta, e precária, como nos mostra não só a Filosofia, mas a quotidiana experiência. Não seria nosso proceder mais imprudente que o dos mais imprudentes meninos dados todos a pueris divertimentos, para caírem depois na idade madura na desonra, e na miséria? É possível que vós tão iluminados e tão sábios, vos entregueis de todo o coração a estas ninharias, sem curar de coisas tão sérias que ainda devem existir?

"Mas a Religião é pesada, e incómoda!" Grande razão, grande coartada! Também para o menino é pesado e incómodo o estudo das boas artes, e lhe são mais agradáveis seus brincos e pueris ocupações; e porventura são para ele felicidade estes brincos, e passatempos? Muito má seria a escolha de rir alguns dias, para chorar depois por muitos meses, e anos. E quem vos diz, ó Iluminados, que esta sorte não seja a vossa? Deixemos esta grande questão, e pois quereis com Epicuro, que nos façamos de alguma maneira meninos, restringindo-nos à felicidade do tempo, e lugar presente, consideremos as pinturas que nos fazeis tanto de nossa Religião, como da vossa Filosofia. A nossa Religião, como já disse, legisladora, e remuneradora das acções humanas, é para vós uma tirania imperiosa, que perturba o espírito, agita a fantasia, inquieta o coração, enche-o de terrores, e o impele e move a acções furiosas, e inumanas, e vós, muito melhor que Epicuro e que Lucrécio, correis a terra, e os mares para fazer uma colheita de quantas extravagâncias, maldades, e atentados se executaram por motivo de Religião, e concluís com o nobre epifonema de Lucrécio: "Tantum Religio potuit suaere malorum!" E entre tantos males poderá haver felicidade? "Logo (continuam os Iluminados), sacudido o jugo desta tirania, tudo será suavidade, e repouso; que ditosa sorte é não ter que pensar mais que nessa terra, e nesta vida! Nós podemos meter debaixo dos pés tudo quanto se nos diz existente além da vida como outros tantos sonhos de enfermos, ou loucas ficções de romances. Peguemo-nos só a este terreno que se nos deu para habitação, e façamos que nele domine a iluminada, e iluminadora Filosofia; ver-se-há à sua sombra renascer a idade de outro, e idade da alegria, e da tranquiliza paz, sem censor, sem leis, sem temores.

Eis aqui os medos com que muitos se apartam da Religião; e eis aqui os atractivos com que tantos se deixam enredar nos laços desta Filosofia, como os companheiros de Ulisses com o canto das Sereias; mas só a chusma incauta se deixa fascinar destes sons lisonjeiros; os Ulisses, e os verdadeiros Filósofos não são de tão bom paladar; escute-se por todos, escute-se não um Padre, um Pastor, um Doutor da Igreja, mas um Político, um Orador, um Filósofo do Paganismo, um Pai, e conservador da Pátria, um Luminar claríssimo da maior República que existiu, um Marco Túlio Cícero, que levanta a douta, e livre voz contra as fascinações Espicúrias: "Que Filosofia é esta que se nos apresenta com tantos atrativos? Promete fazer-me em um instante bem-aventurado; porém que traz ela consigo que seja feliz, e glorioso? Quid habet ista res auto laetabile aut gloriosum?" Palavras de grande, e profundo sentido, e que expedidas darão um decisivo golpe na tão preconizada Filosofia. E o terrível aspecto e que se representa a Religião, não é uma caricatura enorme, ou uma horrível submersão? Considerem os Pedreiros o que dizem, e verão que nos insinuam, que o homem deixado a si só é felicíssimo, mas que perderá repentinamente esta felicidade, uma vez que fizer entrevir a Divindade nas coisas humanas.E não vos horroriza esta proposição? Como! Pois a Providência de Deus é a infelicidade do homem? O homem não poderá ser feliz, se Deus não for ocioso? O Ente que é por essência óptimo, e perfeitíssimo, é um péssimo Regedor do que ele mesmo criou? Podeis chegar a blasfemá-Lo tanto, que indirectamente lhe chameis crudelíssimo Tirano, chamando tirana a Religião que de um Deus tira sua norma, e existência? Ideia horrível da Divina natureza, ou mais depressa estranha ideia de humana felicidade! É preciso que tão grave matéria se exponha em maior luz, e já que é de dois modos a felicidade que se nega à Religião, e se atribui à Filosofia, quero dizer, a felicidade pública, e a felicidade particular, comecemos o exame, e confrontação da primeira para abrirmos passagem à segunda. Como, e porque meios seja o homem feliz, ou desgraçado, são coisas que cumpre muito saber, e é muito nocivo ignorar.

(continuação, V parte)

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