SERMÃO DE DESAGRAVO
Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vere est potus (S. Joan. c. 6)
Nada é tão digno da majestade do Santuário do Deus vivo, e do respeito e piedade, com que deve ser tratada a Casa do Senhor, como a digna e compelente reparação que intenta fazer-se, quando é ímpia e sacrilegamente profanado pelas mãos do homem.
O Povo de Deus, o fez sempre que o furor dos seus inimigos, igualmente sequiosos das riquezas do Santuário, que perseguidores da sua Religião, os levou a profanar e saquear o Templo de Jerusalém. Com que respeito e diligência não cuidaram em o purificar das iniquidades e sacrilégios, com que os soldados de Antíoco o tinham profanado? Eles principiam por cobrir-se de cinza e de cilício, dando gritos de consternação e de luto, prostrados por terra, conhecendo que as suas iniquidades eram o primeiro e fatal princípio daquelas mesmas profanações. O valoroso Judas Macabeu designa então os Sacerdotes da via mais irrepreensível, e a eles comete a purificação do Lugar Santo. O Altar dos holocaustos foi de todo destruído, e substituído por outro semelhante. Novos Vasos sagrados, novo Candeeiro, novos Sacrifícios: o Templo foi novamente dedicado ao Senhor com toda a magnificência e piedade; e o povo, unindo a sua face ao pavimento, banhando-o com suas lágrimas, e dirigindo ao Senhor humildes preces, desagravou e reparou as sacrílegas profanações, cometidas pelos inimigos da Religião contra o Templo, e contra os Altares.
Mas, Católicos ouvintes, a Igreja de Jesus Cristo não é menos zelosa em reparar os ultrajes feitos em seus Templos, nem os Cristãos menos fervorosos em dar a Deus o competente desagravo para tantos, e tão repetidos desacatos e profanações, cometidas contra a mesma Pessoa de Jesus Cristo, realmente existente debaixo das Espécies Eucarísticas.
Conduzidos os verdadeiros Portugueses por estas mesmas ideias do respeito devido ao Santuário, e à mesma Pessoa de Jesus Cristo aqui existente, com que mágoa, com que sentimento, com que horror tem, ouvido a lastimosa história de tantos, e tão frequentes desacatos, cometidos dentro deste Reino? mas ao mesmo passo, com que piedade, com que respeito, e diligência tem procurado desagravar a Divina Majestade, ofendida e desacatada! Quantas preces, quantos actos públicos de Penitência não temos nós observado nos devotos Fiéis desta Cidade!
Assim o deve exigir de nós, ó meu Deus, a vossa majestade e Divina Presença, ofendida e desacatada pela impiedade, e pela irreligião.
Ah, Fiéis de Jesus Cristo, não pode ver-se sem lágrimas, espanto, e confusão até que ponto há chegado em nossos dias o desprezo, e irreligião, a libertinagem, e o ataque geral contra os Templos, e sobre tudo contra o Mistério mais sublime da nossa Religião, qual é o Santíssimo e Divino Sacramento a Eucaristia! Um zelo ainda o menos ardente, a piedade a mais medíocre, a fé a menos viva, as ideias enfim as mais vulgares de um simples Cristão, tudo se ofende, tudo se agita à vista de tantos, e tão frequentes desacatos acontecidos nas diversas partes do nosso Reino.
Com quanto horror, Católicos, devemos olhar para estas profanações, por serem cometidas por homens, criaturas de Deus, fracos, miseráveis, e em tudo dependentes da sua Omnipotente Mão; mas sobre tudo por homens, que se dizem Cristãos, instruídos das verdades sublimes da nossa Fé! cujas profanações são tanto mais audaciosas e insultantes, quanto é o conhecimento, e a maligna deliberação, com que se tem perpetrado estes crimes, e a frequência, com que se cometem.
Ora que gentes, que não são Cristãs, cometam dentro dos Templos profanações e sacrilégios! Que um Maometano, que um Pagão insultasse os nossos Templos, era Pagão, era Maometano; mas que homens, que se dizem Cristãos não respeitem o que a Religião lhes oferece de mais Santo e Augusto; antes venham profaná-lo do modo mais insultante e irreligioso! Que ousassem eles levantar contra o Sacramento Augusto suas bárbaras mãos, para roubarem os sagrados Vasos, vilipendiar, e espalhar pelo chão as sagradas Fórmulas! Ah! eis-aqui o que não pode deixar de agravar mais estes horrorosos insultos; e que faz ver o grau de impiedade, com que se cometeram estes desacatos; desacatos, que ofenderam não só a Divina e Infinita Majestade do Senhor, mas atacaram vivamente a piedade dos Fiéis, e pretenderam não menos fazer o triunfo da impiedade, e da irreligião dos nossos dias.
Ah! que mágoa nos verdadeiro crente, que perigosa tentação para a sua mesma Fé! E ao mesmo tempo que desvanecimento, e aparente triunfo para a impiedade, se desacatos, que o Céu mesmo, em castigo nosso, deixa por ora impunidos, se olhassem entre nós com uma indiferença insultante da Divindade!
Paremos, Senhores, nestas duas amplíssimas ideias, que quando fossem dignamente desenvolvidas, fariam um vasto, e bem apropriado discurso às circunstâncias desta acção de Desagravo.
A piedade dos verdadeiros Portugueses atacada, e ofendida com tantos, e tão frequentes desacatos; e o pretendido triunfo, que a impiedade e filosofia do século deseja tirar de tantas profanações; é a matéria do meu discurso, e deste solene desagravo.
Meu Dei, se o Profeta Elias, à vista das profanações cometidas contra os sacrifícios da Lei Antiga, se inflamou pelo zelo da vossa Casa; hoje que vejo profanado o Sacrifício da Lei Nova; e o vosso mesmo Corpo feito preza, e ludibrio da impiedade; inflamai o meu coração, animais a minha língua, para que o vosso Povo, à vista destes ultrajes, avive mais a sua Fé para vos adorar realmente presente nesse Augusto Sacramento.
DISCURSO
É tão terrível, e espantosa a malícia do pecado público, que não só ofende o inviolável respeito que se deve a Deus, que o proíbe pela sua Lei, mas induz aos outros a cometê-lo, pela oculta, mas poderosa força que o exemplo tem sobre os homens, sobre tudo a respeito de acções, que favorecem a sua natural corrupção. Já corruptos de nossa mesma natureza, e levados ao mal, somos mais fáceis em abraçar os exemplos que se nos oferecem de maldade e vício, do que os da hora, e da virtude: a dificuldade, que algumas vezes se encontra na execução do bem, nos proíbe de sermos ávidos em imitar as grandes e louváveis acções; mas pelo contrário naturalmente levados ao mal, mais facilmente o cometemos, quando a isso somos excitados pelo exemplo dos maus homens. Tal é a intrínseca malícia do escândalo em qualquer género de vício, e tal é a funesta responsabilidade ácerca daqueles, a quem ele corrompe. Aos pios e fiéis aflige, consterna, e abala; e aos maus fortifica em o mal, endurece, e dispõe para maldades ulteriores. Funesta origem, gérmen terrível da corrupção, que inunda a terra toda! mas necessária, inevitável, mas nem por isso escusável, antes funesto princípio de condenação para aquele que o dá. Necesse est venire scandala, verumtamen vae monini illi, per quem scandalum venit!
E caso, C. O., seriam pequenos, ou pouco para temer-se os escândalos que podiam nascer, e por desgraça nasceriam dos horrores e desacatos cometidos pelos malvados dentro do Santuário, contra a mesma Pessoa de Jesus Cristo? Ah! quanto a fé, e a piedade de uns tremeria a esse espetáculo, e quanto a impiedade, e a irreligião triunfaria em outros? Principiemos pela primeira.
A Fé, esta virtude sobrenatural, pela qual cremos firmemente todas as verdades reveladas, e de tal sorte as cremos, que daríamos por ela a mesma vida, para defendê-las à face dos Tiranos, é uma virtude verdadeiramente infundida em nossas almas, e nelas sustentada pela graça do Senhor, só a qual pode fazê-la triunfante de tantos, e tão repetidos ataques, que a nossa razão, que só ama as evidências, não cessa de fazer-lhe, sobre tudo nestes tempos, em que a pretendida Filosofia trabalha quanto pode por destruir o seu império, e sobre as suas ruínas estabelecer somente o da razão fraca, e escurecida.
É pois a Fé uma graça do Senhor, um habito por ele impresso em nossas almas, porém desgraçadamente em grande parte desvanecido pela mão da nossa corrupção, e se não de todo morta, e perdida, ao menos moribunda, e vacilante. Ainda quando viva, é sempre obscura, delicada, e capaz de assustar-se à contemplação mais séria dos incompreensíveis Mistérios, que ela nos propõe, e à qual, para conservá-la, é sempre preciso fazer-lhe repetidos sacrifícios, e lançar de contínuo um véu espesso sobre a contínua dúvida, que a nossa razão, e o mesmo Inferno não cessa de propor-lhe.
À vista disto, qual seria, C. O., e de que consequências, aos olhos da Fé, o riste, e lastimoso espetáculo de tantos, e tão repetidos desacatos, que sabemos terem acontecido nos diversos lugares do nosso Reino? Os malvados entraram nos Templos, e sem atenderem ao respeito que se lhes deve, respeito até concedido pelos Povos bárbaros às suas Mesquitas, e quaisquer Casas das suas fingidas Divindades, chegam a arrombar as portas do Divino Tabernáculo, os Vasos sagrados são roubados por suas mãos sacrílegas, as sagradas Fórmulas espargidas pelo pavimento...... não prolonguemos, Senhores, por mais tempo um quadro, que ainda agora mal pintado deve por extremo excitar a vossa, e a minha sensibilidade, e parece agravar ainda o mesmo Santuário.
A natureza estremece, o coração palpita, a língua vacila, a piedade dos verdadeiros Portugueses geme em segredo, mas é só espectadora dos ultrajes que observa.
Mas o Céu! dizem os Fiéis, o Céu..! porque não troveja dele, porque não despeja raios sobre os ímpios, sobre os malvados, sobre os profanadores! O Deus terrível, que ali adoramos existente, porque não fala, porque não solta essa voz de trovão, ao ouvir a qual os Cedros do Líbano se curvariam logo até beijar o pó da terra, quanto mais os fracos e desprezíveis perpetradores de tão horrendos desacatos!
dificuldades na transcrição ... |
(continuação, VI parte)
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