(continuação da II parte)
CAPÍTULO III
São Ilusórias as Desculpas dos Iluminados
São Ilusórias as Desculpas dos Iluminados
Aos argumentos que não têm réplica, me responderam já os Pedreiros Livres: "Nós não somos Teólogos, não somos Teólogos." E com efeito as enormes coisas, que dizem, são provas desta asserção, uma vez, contra sua vontade, ingénuos: porém como lhes observava o ar, conheci que inculcavam um desprezo absoluto à Teologia: esta era por certo sua intenção, e não o sentimento de sua ignorância, e não observei no que dizem mais do que temeridade, e sacrilégio. Ponhamos de parte certa Teologia de uma Dialética Árabe, verbosa, vã, e sofistica, parto de engenhos, que se evaporavam em subtilezas, aresto subsiste de Arábica barbárie, de que ainda se agravam certos homens, que mal se conhecem: é verdade contudo, que, se nestes mesmos escritos obscuros da escola Árabe, fundamentada na Filosofia de Averrois, se descobre uma parte de Teologia, frívola pela matéria, e pela forma, ou pelo objecto, e pelo modo, também se devisa uma Teologia sólida, e solidíssima, que se emprega toda em dogmas divinos, e sobre princípios consequentes, sustentados, não com o conhecimento da antiguidade, e línguas eruditas, mas sobre a mais acre Dialética, sobre a Crítica mais sensata, sobre a Metafísica mais profunda, e sobre a mais bem considerada Filosofia moral. E poderão os Pedreiros escarnecer esta Teologia? Não o fariam, se eles fossem, não Filósofos no nome e presunção, mas Filósofos de penetração, e de ciência. Não é ser Teólogo ter na ponta da língua um vocabulário mal inteligível, pior entendido; isto não é ser Teólogo; ser Teólogo é saber amplamente e a fundo as coisas divinas, e as suas razões, é saber quanto Deus quis revelar, e é lícito ao entendimento humano compreender. E quem de tudo isto não tem mais que uma leve tintura como se poderá entender nos mais recônditos, e profundos mistérios? Sapateiro, dizia Apeles, não te adiantes além dos sapatos. Louca presunção, da qual nem os maiores nomes vão isentos! "Eu sou grande Físico, grande Geómetra, grande Político, grande Orador, grande Poeta; logo como sou isto, também sou grande Teólogo". E porque não dizem também grande músico, e grande pintor, e para concluir ainda melhor, grande ridículo? Com efeito, este grande Teólogo me dirá, o que já me disseram os Pedreiros, que as controvérsias entre Cirilo, e Nestório, entre Atanásio, e Ário, eram controvérsias, ou questões de puro nome. Invenção aguda, e nova! Logo, é uma questão de nome, ou uma inépcia, deixar, ou tirar a ambiguidade, debaixo de cujos véus se esconde o erro!
Oh! Não é de Homem, nem de Político, nem de Filósofo subir, e avançar-se até ao trono da Divindade! E porque não, se a isto nos leva como a primeiro, e universal princípio a mesma humanidade, a Política, e a Filosofia? Não caminharam até este princípio Tales, Pitágoras, e Sócrates? E não eram homens, não eram Políticos, não eram Filósofos? Os Iluminados também sobem aos Céus; mas sobem como intentarão subir os Gigantes, se não para abater a Divindade, ao menos para a adormecer sobre seu trono. "Nós falámos, nós nos comunicamos", dizem outros, "com todos os homens de qualquer seita, de quaisquer opiniões que eles sejam." E que inferem disto os Senhores Iluminados? Que lhe devem falar de maneira que lhes sustentem, e não reformem suas depravadas ideias? Isto não ensina o sizo comum. Quantos são os que não reconhecem nem Providência, nem remuneração Divina? É preciso penetrar no ângulo mais selvático, e remoto do Mundo para encontrar estes Povos, não Povos, sem cultura, sem lei, e sem humanidade. E esta é a gente, ó Iluminados, a quem vós faltais? Os Otentotes, os Caraíbas, os Topinambás são os vossos escolares, ou Mecenas? Ainda que assim fosse, eu teixo à vossa consideração se é lícito fazer-se mestre do que se condena, e espalhar dogmas contrários à própria Religião. Mas vós não vos lembrais dos Bachás da Turquia, nem dos Sátrapas da Pérsia. A flor, a flor do Cristianismo mais culto, é o alvo das vossas miras, e para que fim? Por ventura, para fazer florescer nos jardins da Europa a selvática barbárie Americana? Eu não vos crimino porque não prégais o Cristianismo, mas porque espalhais Dogmas contrários ao Cristianismo. Não vos crimino porque falais com homens, como Políticos, como Filósofos, crimino-vos porque falais pior que Pagãos; crimino-vos finalmente porque em som de livres pensadores procurais ser tidos por sequazes, e observadores da mais santa Religião, suplicado crime, bem como se notou em Epicuro, impiedade, e dobrez.
"Mas não se devem passar em silêncio dois avisos dados por um grande homem aos pequenos, e pouco ilustrados mortais; o primeiro é a muita facilidade de taxar os Filósofos de irreligião, e de Ateísmo, facilidade errónea, e injuriosa de que até se queixou o grande Sócrates na sua apologia: o segundo, que ainda que os Filósofos fossem em seu pensar um pouco livres, é do dever da Religião dissimular para conservar, por honra sua, amigos aqueles que são considerados, e tidos pelos primeiros dos homens." Eu lhes agradeço de todo o coração estas benignas advertências, e repondo ao primeiro, que a culpa não é sempre da gente que entende mal, mas que muitas vezes é do Filósofo, que pensa, e fala mal: se um Sócrates foi acusado, e condenado injustamentem, não se segue que todos os Filósofos sejam Sócrates, nem que à sombra de um Sócrates deverão andar seguiros muitos Diágoras, e Teodoros. É de admirar, e esperar, que se queixe da facilidade de julgar quem é tão licencioso em falar. Seja como for, eu creio que estou assaz premunido contra uma semelhante querela, referindo-me, não às pessoas, mas às opiniões: se estas não merecem a taxa de ímpias, convenho em ter taxado de ignorante, e indiscreto.
À Segunda advertência respondo, que os Filósofos, servem de escudo à Religião; por isso sempre a Religião os prezou, e os amou; a estes mais importa a Religião, do que eles importam à Religião. A Religião de que falo nasceu sem os socorros de Filósofo algum, e cresceu maravilhosamente, e triunfou de todo o Mundo contra os esforços de inumeráveis Filósofos; e não foram pequena parte de seu triunfo os mesmos Filósofos, sujeitos, e dóceis ao seu jugo, ou revoltosos,e rebeldes. Mas como pode a Religião prezar, e amar Filósofos dissimulados, fingidos, inimigos domésticos, que debaixo de mão conspiram em sua ruína, e acabamento!
Alguns não se podem conter, e deixam quase cair a máscara dizendo: "E se a Religião que nos domina fosse frívola, e nociva? Não seria digno de grande louvor, e ate de grande prémio quem se votasse a reformá-la, ou a extingui-la de todo?" Nenhum louvor mereceria nem o da sinceridade; porque fingir sustentar aquilo mesmo que se quer aterrar, não é ser sincero. Que esperavam? Que a Religião se abolisse? Deviam declarar-se com mais franqueza, sem vizagens, sem aventais, sem mitras, e sem luvas. Ah! Sim, Epicuro não se atreveu intrépido os olhos contra o Céu, intimidou-se, e esmoreceu à vista da terra! Admiro a filosófica magnanimidade! Mas tenham agora comigo mais ânimo os Pedreiros, digam-me, julgam acaso danosa, e vã a Religião?Estes são pontualmente os dois sinetes que Epicuro lhe procurou imprimir, se damos crédito a seu infiel intérprete Lucrécio. Ele a taxa de vã, arrogando-se por isto o timbre da Sapiência, como se houvesse rasgado o véu das mais venerandas preocupações; taxa-a de nociva, arrogando-se também o timbre de humanidade, como se, qual outro Aristógiton, houvesse sacudido do pescoço o jugo da mais cruel tirania. É este o maior excitamento da escola moderna dos Iluminismo. Tudo nos Pedreiros é Sapiência, e humanidade, com o que após se lhe segue, que vem a ser, isenção de lei suprema, nenhum temor da vida futura, todas as doçuras da vida presente, numa palavra toda a felicidade humana. Digam os Senhores Iluminados se não são estes os seus sentimentos? Assentam que a felicidade humana está excluída da Religião, e que só se encontra na sua filosofia, isto é, na irreligião se não se atrevem a dizer isto à cara descoberta, o dizem, e insinuam nas suas tenebrosas vizagens, em seus ridículos símbolos, e em suas abomináveis assembleias. Não podem ter sentimento diversos dos de Epicuro, porque têm os mesmos princípios.
(continuação, IV parte)
"Mas não se devem passar em silêncio dois avisos dados por um grande homem aos pequenos, e pouco ilustrados mortais; o primeiro é a muita facilidade de taxar os Filósofos de irreligião, e de Ateísmo, facilidade errónea, e injuriosa de que até se queixou o grande Sócrates na sua apologia: o segundo, que ainda que os Filósofos fossem em seu pensar um pouco livres, é do dever da Religião dissimular para conservar, por honra sua, amigos aqueles que são considerados, e tidos pelos primeiros dos homens." Eu lhes agradeço de todo o coração estas benignas advertências, e repondo ao primeiro, que a culpa não é sempre da gente que entende mal, mas que muitas vezes é do Filósofo, que pensa, e fala mal: se um Sócrates foi acusado, e condenado injustamentem, não se segue que todos os Filósofos sejam Sócrates, nem que à sombra de um Sócrates deverão andar seguiros muitos Diágoras, e Teodoros. É de admirar, e esperar, que se queixe da facilidade de julgar quem é tão licencioso em falar. Seja como for, eu creio que estou assaz premunido contra uma semelhante querela, referindo-me, não às pessoas, mas às opiniões: se estas não merecem a taxa de ímpias, convenho em ter taxado de ignorante, e indiscreto.
À Segunda advertência respondo, que os Filósofos, servem de escudo à Religião; por isso sempre a Religião os prezou, e os amou; a estes mais importa a Religião, do que eles importam à Religião. A Religião de que falo nasceu sem os socorros de Filósofo algum, e cresceu maravilhosamente, e triunfou de todo o Mundo contra os esforços de inumeráveis Filósofos; e não foram pequena parte de seu triunfo os mesmos Filósofos, sujeitos, e dóceis ao seu jugo, ou revoltosos,e rebeldes. Mas como pode a Religião prezar, e amar Filósofos dissimulados, fingidos, inimigos domésticos, que debaixo de mão conspiram em sua ruína, e acabamento!
Alguns não se podem conter, e deixam quase cair a máscara dizendo: "E se a Religião que nos domina fosse frívola, e nociva? Não seria digno de grande louvor, e ate de grande prémio quem se votasse a reformá-la, ou a extingui-la de todo?" Nenhum louvor mereceria nem o da sinceridade; porque fingir sustentar aquilo mesmo que se quer aterrar, não é ser sincero. Que esperavam? Que a Religião se abolisse? Deviam declarar-se com mais franqueza, sem vizagens, sem aventais, sem mitras, e sem luvas. Ah! Sim, Epicuro não se atreveu intrépido os olhos contra o Céu, intimidou-se, e esmoreceu à vista da terra! Admiro a filosófica magnanimidade! Mas tenham agora comigo mais ânimo os Pedreiros, digam-me, julgam acaso danosa, e vã a Religião?Estes são pontualmente os dois sinetes que Epicuro lhe procurou imprimir, se damos crédito a seu infiel intérprete Lucrécio. Ele a taxa de vã, arrogando-se por isto o timbre da Sapiência, como se houvesse rasgado o véu das mais venerandas preocupações; taxa-a de nociva, arrogando-se também o timbre de humanidade, como se, qual outro Aristógiton, houvesse sacudido do pescoço o jugo da mais cruel tirania. É este o maior excitamento da escola moderna dos Iluminismo. Tudo nos Pedreiros é Sapiência, e humanidade, com o que após se lhe segue, que vem a ser, isenção de lei suprema, nenhum temor da vida futura, todas as doçuras da vida presente, numa palavra toda a felicidade humana. Digam os Senhores Iluminados se não são estes os seus sentimentos? Assentam que a felicidade humana está excluída da Religião, e que só se encontra na sua filosofia, isto é, na irreligião se não se atrevem a dizer isto à cara descoberta, o dizem, e insinuam nas suas tenebrosas vizagens, em seus ridículos símbolos, e em suas abomináveis assembleias. Não podem ter sentimento diversos dos de Epicuro, porque têm os mesmos princípios.
(continuação, IV parte)
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