(continuação da I parte)
BREVE NOTÍCIA
A Religião é a base, de que depende a segurança do Trono, e a tranquilidade dos povos: ela é o freio moral do coração do homem, onde não podem chegar as Leis civis, que somente podem regular, e punir as acções externas. Destruída ela, ou desprezada, serão relaxados todos os vínculos da sociedade, todos os deveres, toda a Moral; perder-se-ia a civilização, e os homens seriam reduzidos ao estado da barbaridade, e quase ao dos brutos, e das feras.
É portanto do maior interesse público, e particular de cada Reino, que a Religião seja respeitada, conservada, e defendida. É isto o que fizeram sempre todos os Políticos, e todos os Legisladores, estabelecendo, e autorizando um Culto público, e uma Religião de Estado, honrando-a, consagrando-a com sábias Leis, e defendendo-a de todos os ataques e insultos, com severas penas, que se acham estabelecidas nos Códigos de todas as Nações civilizadas.
Pela Lei das doze Tábuas todo o sacrilégio indistintamente era punido com pena capital. Esta se ficou sempre conservando entre os Romanos, no tempo da República; porém no tempo dos Imperadores se modificou nos casos menos graves, ficando conservada só nos outros.
Este sistema se tem seguido nas Legislações modernas de todas as nações, e sobretudo na nossa de Portugal, que nesta parte [neste tema] é muito severa e rigorosa (Vejam-se os primeiros cinco Títulos da Ordem. do L. 5º, e nos Títulos 14, 15, 40, e no § 4º do Tit. 60 do mesmo L. 5º).
Embora diga Montesquieu que a Divindade deve ser honrada, e não vingada, esta máxima nunca foi seguida na prática pelos Legisladores de todas as Nações; e quando tratamos de questões em Direito, devemos regular-nos pelas disposições das Leis positivas, e não pelas máximas arbitrárias dos Filósofos; e muito menos em matérias de Religião.
À vista do exposto já se vê que os crimes, que ofendem a Religião, e contêm sacrilégio, são por esta circunstância muito mais graves, tanto por sua natureza, e considerados em si mesmos, como politicamente, em relação à Sociedade Civil. São crimes de Lesa majestade Divina, que atacam o respeito que devemos à Santidade, majestade, e Real presença de Deus; mostram um indigno desprezo daquilo, que todos os homens mais respeitam, e até dos primeiros ofícios da Lei natural.
Todo o homem pois, penetrado dos sentimentos de Religião, se horroriza naturalmente com estes crimes, principalmente quando são atrozes; e o mais atroz de todos é sem dúvida o desacato, roubo, e violação dos Divinos Sacrários, chegando os agressores a profanar com ímpias e sacrílegas mãos o Augusto e Divino Mistério da Eucaristia.
A Nação Portuguesa, e os nossos Maiores, olharam sempre com horror estes sacrilégios, e deram nestes casos as maiores e mais públicas demonstrações de sentimento; distinguindo-se entre todos os nossos Augustos e Fidelíssimos Monarcas, cuja piedade e respeito para com a nossa Santa Religião formou sempre o seu distinto carácter, e de toda a Real Família Portuguesa; dando não só públicas demonstrações do seu sentimento nos actos religiosos que praticaram, mas manifestaram no maior zelo no descobrimento, e castigo dos delinquentes.
Assim mesmo estes atentados contra o Augusto Mistério da Eucaristia eram tão raros nos antigos tempos, que se passavam séculos, sem que acontecesse um só; pois desde a origem de Portugal até ao Reinado da Senhora D. Maria I contam-se os sete mais notáveis.
1º
Em Santarém viviam uns casados pelos anos de 1266, e pela má vida que o marido dava à mulher, se queixou esta a uma sua amiga de Nação Hebreia, a qual lhe levasse a Partícula Consagrada, porque com ela lhe faria um especial remédio, com o qual obrigaria o marido a querer-lhe bem: assim o fez a pobre mulher, escondendo a Sagrada Partícula numa toalha na ocasião, em que fingiu que comungava; mas milagrosamente, quando caminhava pela rua, lhe viram correr sangue do seio, onde levava o Sacrossanto Depósito; e assustada com a novidade, em que todos reparavam, voltou para casa, e meteu o Corpo de Cristo numa arca.
Na noite seguinte viu-se a casa toda iluminada, respirando suaves aromas, e suando Angélico Cânticos. Divulgou-se o caso, e então a Santa Partícula foi levada para a Paróquia de Santo Estêvão, onde depois se achou metida numa Âmbula de cristal por mão Superior.
Até hoje se conserva incorrupta, obrando prodígios tão frequentes e públicos, que a devoção dos fiéis lhe chama por toda a parte o Santo Milagre.
2º
(Refere este caso Jorge Cardoso no Agiológio Lusitano Tom. 3º) Aconteceu no ano de 1362 na Cidade de Coimbra, no Reinado do Senhor D. Pedro I, suposto o Autor citado o atribua ao Senhor D. João I, o que se deve reputar erro de imprensa, por que ElRei D. Pedro I reinou até ao princípio do ano de 1367, seguindo-se o Senhor D. Fernando, e depois o Senhor D. João I (Mestre de Avis), que foi aclamado Rei nas Côrtes de Coimbra em 1385.
O Vaso Sagrado foi roubado do Sacrário da Catedral da dita Cidade, com cinco Formas Consagradas, por um mancebo induzido, e comprado por um Judeu. Descobriu-se o delinquente, e foi punido com a morte. [o punido com morte foi o cristão, e não o judeu]
Fez-se por este motivo uma solene Procissão, em que o Bispo levou para a Sé as Sagradas Formas, tiradas do lugar onde tinham sido enterradas pelo Judeus. Uma Portuguesa rica, chamada Ana Afonso, fundou ali uma Capela, com uma Irmandade, e Hospital; e, para ficar em memória, lhe deu a invocação do Corpo de Deus (Ficava esta Capela nas costas do Mosteiro de Santa Cruz).
3º
Aconteceu em Lisboa a 11 de Dezembro de 1552. Estando um Sacerdote a celebrar Missa, na Real Capela, na presença DelRei D. João III, entrou um Inglês herege, e tanto que o Sacerdote Consagrou a Hóstia, se arremessou ao Altar, e a tirou das mãos do Sacerdote, vertendo o Vinho do Cálice, que ainda estava por consagrar.
Apenas isto se observou, desembainharam os Fidalgos, e Criados do paço as espadas para matarem ao herege; mas ElRei os suspendeu, ordenando que unicamente lhe tirassem das mãos sacrílegas o Santíssimo Sacramento. Foi o réu preso, e castigado como merecia tão horrendo atentado. A Côrte, e o Reino se cobriram de luto, fizeram-se penitências, e muitas demonstrações públicas de sentimento: ElRei mandou fechar todas as janelas do Paço, e todos os Tribunais da Côrte, e até à sua morte sempre ficou conservando o luto.
(continuação, III parte)
(continuação, III parte)
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