Sto. Estêvão I, Rei da Hungria |
XVIII
É todavia necessário advertir que outros, e não menos graves historiadores, trilharam outro caminho bem diverso, pois da irmã de S. Estêvão da Hungria, que foi casada com o doge de Veneza Otão Orseolo, fazem nascer D. Pedro da Hungria; e o mais é que se fundam em autores coevos, donde procedeu escrever-se hoje, como ponto já decidido, que D. Pedro era filho do doge de Veneza, o que suscita a mais séria dificuldade a quem deseje entroncar o nosso Conde D. Henrique, segundo o já exposto, com os Condes de Borgonha. Os doutíssimos Bolandistas empenharam-se com todo o esmero, que lhes era possível, por ajustar as notáveis discrepâncias dos autores húngaros neste particular de que tratamos. Rejeitaram o segundo matrimónio de S. Estêvão com a senhora borgonhesa, e só admitiram o primeiro, e uma só Gisela; porém Bonfino já tinha ponderado, que só admitidas que sejam duas esposas consecutivas do mesmo nome, é que se poderão compor as desavenças dos historiadores; o que também fez grande peso aos Bolandistas, os quais, apesar de excluírem as alianças na Borgonha, nem por isso as desprezam, e muito menos julgam, que fique dezairoso abraça-las e segui-las (1). Entretanto, ainda que eu seguisse a opinião de que o nosso Conde D. Henrique era neto do doge de Veneza Otão Orseolo, não ficaria deslustrada a casa reinante; pois que mau era descender dum Príncipe, que dominava, como soberano em Veneza pelos anos de 976, e que renunciando as pompas e grandezas humanas, acabou os seus dias no cilício e nas cinzas, e mereceu ser tido pelos venezianos, como seu protector no céu? (2) Que mau era ser filho de um príncipe, cujo irmão casara com a irmã de Romano Argyro, Imperador de Constantinopla, ou do oriente? (3) Porém, como o ponto essencial das minhas indagações consista em salvar o testemunho do Arcebispo de Toledo, para que é necessário admitir o parentesco de primo co-irmão entre os dois condes Raimundo e Henrique, tornar-se indispensável, que eu provinha aos meus leitores, de que, ainda no caso de admitirmos a presentemente vulgar genealogia de Pedro, Rei da Hungria, ainda nos estava uma aberta para salvarmos aquele testemunho, qual era não se mostrar nem falso, nem repugnante, que o Conde da alta Borgonha, Guilherme O Grande, casa-se mais de uma vez, e alguma destas com outra irmã de Alberto, Duque de Áustria; pois o congermanus, apesar de que não tenha faltado quem diga ser privativo do primo co-irmão por parte das mães (1); e a incerteza que observo nos genealógicos franceses, no tocante ao matrimónio e sucessão do primeiro Guilherme, O Cabeça Atrevida, pois havendo só um destes sobrenomes na última edição da história genealógica de França, aparecem dois nas últimas edições da Arte de verificar as datas, um dos quais se diz falecido em 1087, sem que se nos diga outra coisa mais do seu filho primogénito, senão que faleceu antes de 1090, o que nos dá todo o lugar, para que desejamos saber se falecendo ele, por exemplo, em 1089, houve alguma razão, para que deixasse de suceder a seu pai; (2) e de outro lado, se o Sumo Pontífice Calisto II era, pelo testemunho dos autores coevos, filho de Guilherme O Cabeça Atrevida, e neto de Rainaldo I Duque de Borgonha, e irmão de Raimundo, Conde de Galiza, proçosamente o nosso Henrique, a prevalecer, como é necessário, a gravíssima autoridade do Arcebispo D. Rodrigo, há de ser filho de irmão ou de irmã por qualquer dos lados paterno ou materno dos ais do Conde D. Raimundo e do Santo Padre Calisto II. É para notar que os autores alemães dão este pontífice como filho de Guilherme, o Cabeça Atrevida, e de Gertrudes de Lemburgo, que, na opinião dos autores da Arte de verificar as datas, foi esposa, não do primeiro, mas do segundo Guilherme do mesmo apelido. Já tenho advertido, que este Raimundo foi conde trans Ararim pelo Ms. de Fleury, sendo irmão de Hugo, Arcebispo de Besançon, foi rigorosamente Conde de Borgonha, e tenho assaz direito para estranhar, que ele me falte na série dos Condes de Borgonha. Igual direito me assiste para inquirir dos genealógicos franceses, porque motivo este Raimundo, Conde de Borgonha, nunca se assinou como tal nas escrituras de Hespanha? E se em 1088 se dispunha a sair para este reino, porque antes disso não podia assinar-se Arcebispo de Besançon, porque o achamos em 1087 já assinando nas ditas escrituras, (3) e somente com a simples qualificação de Raimundus comes? Quem sabe se ainda virá tempo, em que, melhor averiguadas estas coisas, se determine mais exactamente quem era o Conde Raimundo, e conseguintemente se apure de uma vez o seu grau de parentesco, de que mais largamente se poderá falar! No meio de tão densa escuridade cintilam aqui e além certas, como luzes, que, sem embargo da sua pequenez, algum subsídio nos deparam, pelo menos, para que não resvalemos em algum precipício. Ainda que faltassem os mais argumentos com que tenho combatido a opinião hoje vulgar, bastaria recorrer aos próprios genealógicos franceses para me desembaraçar da Sibila, chamada filha de Raimundo I de Borgonha, e tida por mãe do Conde D. Henrique; pois sendo ela irmão de Guilherme, O Grande, e encontrando nós uma filha deste casada com Humberto II, Conde de Mauriana, e aí a pouco uma neta desta, e filha de Amadeu II, casada com o Senhor D. Afonso Henriques, que por este modo seria seu parente em grau proibido, e atenta a severa disciplina da Igreja em todos aquele tempos havia de ser imediatamente separado da sua consorte, o que não vejo acontecer; só por isso me veria obrigado a procurar todos os meios de me evadir a uma opinião inconciliável com os factos e monumentos históricos do séc. XII.
(continuação, VII parte)
(continuação, VII parte)
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