11/02/14

O DESENGANO (Nº 25) - Agostinho de Macedo (V)

(continuação da IV parte)

D. João VI
Desenganem-se os portugueses de uma vez para sempre, que por todos os meios que pode surgir a perversidade, e a vingança, se procura dentro, e fora a sua ruína, como devem também seus inimigos ficar convencidos, que assim como não foi desta, não irá de qualquer outra que intentarem. Quando nos intervalos da mais dolorosa das enfermidades comecei a tragar algumas linhas neste papel, ainda não tinha rompido a parcial insurreição dos ilusos soldados do ex. nº4, que tão gloriosamente foi logo repelida, e suplantada pela verdadeira Guarda do Rei, e do Povo, e pelo muro de bronze, que cerca a Capital, quero dizer, a Real Guarda da Polícia, a cujo denodo, como um toque electrico, acudiu o invencível Exército da Guarnição, com tão acertadas medidas foram prudentes disposições, tanto valor e tanta lealdade, que o primeiro movimento de um Comandante de Cavalaria, que deve a si mesmo, sem outra valia mais que seu próprio merecimento, a sua elevação, e que por certo não parará no posto que ocupa, foi meter dentro o circulo das suas tropas o Real Palácio; assim defendida, e segura a Suprema Cabeça do Reino, seguro, e defendido estava, o seu  Corpo. Não há louvor que exalte, ou que iguale tanta virtude! A Tropa salvou o Reino em que as horas; e o que se podia converter em valor extinguiu logo. Com tais soldados, e tais capitães, eu desde este leito de minha dor faço por eles todos um solene desafio. Venham esquadras pejadas de armas, e de braços; deem fogo a duas mil bocas,que vomitam mortes, escudem-se com um fosso que a Natureza abriu, e encheu de água por mais de uma légua de largura, na sua margem se postam as Cohortes portuguesas; se conta o berro dos canhões, os inimigos atroam os ares, e os férreos globos, rivais de raio, abatem frágeis paredes, vinde, inimigos, se vos atreveis a profanar com a planta de vossos pés este terreno do valor, e da lealdade! Afonso de Albuquerque não quis do mar, bombardear Malaca, cujas muralhas eram defendidas por duzentas columbrinas de bronze, desembarcou com seus leões, isto é, com seus soldados, porque no mar combate-se os que estão no mar, e na terra os que estão em terra; e ele sempre à frente, levou a formidável fortaleza, e triunfou: entendei-me, e não tornareis a dizer "se me não dais dinheiro, arrasarei essas mudas, e imóveis paredes." Vinde vós, foragidos num rochedo no meio do Oceano, e trazei convosco esses mesmos desprezíveis Entes, que viveram, e fugiram logo num barco de vapor, e de quem diz um priodista em Inglaterra, que vos conhece, que observará em vós umas caras, que não eram de guerreiros, nem de financeiros, e que todos eram "bananas", e isso é, caras cor de chumbo; mas com qualquer cara com que apareceis, vinde, que se vivos tornardes, em vós se verá o que diz Camões de uns negros piores que vós "Que a cor vermelha levam desta feita," e as armas com que, ou muitos, ou poucos, sereis combatidos, serão os inflexíveis... eu o digo com plena satisfação, os inflexíveis cassetes; conhecereis, que se não foi desta, também não irá de outras, porque sentireis a mesma união no Povo, o mesmo valor na trapa, o mesmo entusiasmo em todos. Este é o cartel do desafio, e o lugar do combate será aquele, e serão todos aqueles, em que ousardes aparecer, se o Diabo vos cegar tanto, que intenteis outros, vendo como tem abortado todos os vossos projectos neste Reino desde 1817 até hoje. Tendes tornado pelo vezo, mas não tornareis mais, creio eu, porque se contais com a cooperação da Inglaterra, e protecção do vosso querido padrinho G..., este mesmo declara, parlamentarmente respondendo ao Grande Aberdeen, que é tão grande, que parece português, que nem intervenção, nem cooperação podem esperar da Grã-Bretanha, porque isso, além de ser uma escandalosa infracção dos mais solenes tratados desde 1385, seria uma nódoa indelével lançada sobre a honra, e sobre a glória, e, o que lá pode mais que tudo, sobre os interesses comerciais daquele país, que tão respeitado quer ser na Terra, com manifesta ofensa da sua  estricta neutralidade.

Os portugueses não necessitam dos meus louvores, porque nos actuais apuros cada acção sua é um verdadeiro elogio; em seu lugar lhes farei súplicas, e lhes pedirei que olhem por si, e que vejam, e que advirtam que seja o abismo em que os querem precipitar. Com invasões, com sangue, com mortes, com rebeliões militares se lhes prometem venturas, opulências, e liberdades; querem com guerra, e morte que tenham um Rei, que com guerra, e morte os perseguiu, os abandonou, que levantando-se com as mais vastas possessões da Monarquia, as perdeu para sempre, e que talvez ande agora em países estranhos mendigando armas para escravizar aquela pátria, que ele mesmo desprezou, dizendo a seu pai "Nós somos dois monarcas, que estamos em guerra," amargurando assim a sua velhice, e cavando mais à pressa a sua sepultura. Abdicando a Monarquia, ou mais verdadeiramente, expulso ignominosamente dela, se constitui, com tanto desdouro de sua ausgusta pessoa, cabeça de bandidos, e rebeldes. Renunciando ao nome de português, como se este nome não fosse a mesma nobreza, quis chamar-se brasileiro, para não ser agora, nem brasileiro, nem português; estando certo que, em acabando o estampido da sua queda, ficará um ente vago, e inglório, a quem só o nome de seu irmão fará conhecido. Que erro é este de entendimento!! Que erro é este de entendimento!! Devendo entre as nações grandes, poderosas, e guerreiras solicitar, e até negociar aquela força, com que recobrasse o Trono, de que o despojaram, no meio não só da rebelião, mas da ignomínia, insensível a tão grande ultraje da fortuna, só procura armas, e poder para violentar a conta de livre de uma nação, que aclamara o legítimo Soberano pela morte do seu pai, e pela sua espontânea separação! Ah! Portugueses, à vista disto, que falta, ou que defeito maior de faculdades mentais havia em Sancho II, ou em Afonso VI para serem excluídos do Trono, que possuíam como primogénitos, para entrarem Afonso III, e Pedro II? Sejamos honrados, e fiéis, ó portugueses, e seja a nossa única, e contínua saudação:

VIVA ElREI

Pedroiços 26 de Agosto de 1831.

José Agostinho de Macedo.

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