06/02/18

"DEFESA DE PORTUGAL" - AS TREVAS em PORTUGAL (c)

(continuação, parte b)

O campo é mui vasto para seguir, e expender a força de todas estas considerações; em esta Folha posso andar-lhe somente pela rama, mas sem ir à casca: as deduções são imensas, e eu tenho fito especial, em que queria acertar sem fazer grande estrondo. Quais são hoje os Funcionários Públicos, Ministros de Estado, Bispos, Generais, Grandes, e Titulares, (finalmente não exceptuo um só, nem a mim mesmo) que além da sua razão sigam a tradição, tendo esta pelo contraste da sua Ciência, da sua Justiça, da sua Religião, dos seus Costumes? Os que presarem a tradição, têm luz, não estão em trevas; os que não seguem senão a sua razão, estão em trevas. Ora bem; estão as trevas em Portugal, ou não? Ou por outra forma; Portugal está em trevas, ou não? Se ele segue a tradição tanto na sua Política, como na sua Religião, ele não esta em trevas, ou não há trevas em Portugal, pois que no seguimento de sua tradição tem luz, que o guie. Mas eu estou escrevendo na Quarta Feira da Semana Santa; a Igreja celebra neste dia as trevas sobrepostas à terra pela Morte do Salvador do Mundo: temos pois hoje trevas sobre todo o Orbe: mas estas são trevas celebradas, e aplaudidas, porque a Luz tornou a aparecer. Não são estas as trevas, de que eu prometi falar; trevas não choradas, mas amadas; trevas não pretéritas, mas presentes; trevas enfim, que parece não podem ser afugentadas. Porquê? Porque falta a Religião, falta a justiça, falta a razão, falta a luz, que brilha, quando se caminha pela razão, pela justiça, e pela Religião dos Maiores; eis pois as trevas em Portugal, ou Portugal em trevas.

Que ensina a tradição Portuguesa sobre as obrigações dos Vassalos para com ElRei? Obedecer-Lhe; defender o Estandarte Real; correr contra o inimigo, que acomete o Poder do Rei; pagar ao Rei os tributos, que Ele impõe; administrar fielmente a Fazenda Real; observar, e cumprir todos os Contractos com ElRei, e com os seus Ministros. Esta tradição é também Religiosa; ela é necessária à conservação da Sociedade. Mas a razão duma parte dos Portugueses de todas as Classes não segue esta tradição; eilos pois em trevas. Expendamos a tradição.

Obedecer a ElRei. Ah! Quantos dizem que não é pecado perante Deus o desobedecer-Lhe! Que não é matéria sujeita à Confissão! Que cada qual pode subtrair-se à sua obediência, sem pecar, todas as vezes ao mesmo desobediente, ou à sua família não resulte detrimento!! Eis a razão, e eis as trevas! Porém é isto o que ensina uma parte do Sacerdócio Português, e é esta a doutrina, que seguem os Povos! Não escrupulizam os Cristãos de desobedecer a ElRei! Falo, e escrevo de ciência certa. Onde estão os Pastores de Israel?

Defender o Estandarte Real. A deserção é na verdade um pecado gravíssimo; e os cúmplices, fautores, ou conselheiros dos desertores são réus do mesmo crime. Mas uma boa parte do Sacerdócio ensina que desertar não é pecado, que cada qual pode poupar-se ao trabalho quanto poder, seja como for; que ninguém está obrigado a opor-se aos perigos da guerra: os Povos seguem esta doutrina: há muitos Párocos, que encobrem os desertos; e Conventos também! Onde estão os Pastores de Israel? Falo, e escrevo sem susto de me enganar.

Correr contra o inimigo, que acomete o Poder do Rei. Esta obrigação reconheceu o Cristianismo na mesma Defesa dos Príncipes Gentios! Mas hoje ensina-se commumente (ao menos por este País, em que habito) que os Povos podem licitamente resistir ao Recrutamento com mão armada, revoltar-se contra a Ordenança, que ao Recrutamento procede; fazer fogo não só em próprio livramento, mas também no livramento de quaisquer Recrutas, ou sejam para a 1ª Linha, ou para a 2ª. Os Povos praticam livremente esta doutrina, ao menos no desgraçado Concelho de Aguiar de Sousa, (desgraçado em quanto não estiver reunido ao Julgado de Penafiel) e em outros muitos ejusdem furfuris, ac farinae. Alguns Párocos dão favor a estes valentões, que resistem às Autoridades. Pessoas de lenço ao pescoço oram por eles! Isto é pouco; os mesmos Párocos, e outros Sacerdotes, alguns Conventos, alguns desses Senhores de casaca, ou casacas de Senhores, lhes dão asilo em suas casas! O mais é haver Sacerdotes, Párocos, e Conventos, que têm dado, e dão couto aos inimigos mais encarniçados do Poder Real, e lhes escondem até o dinheiro, sem o qual o Exército, que peleja por ElRei, não pode passar. E Tudo isto não é pecado? Onde estão os Pastores de Israel? Eu não falo somente dos Ministros do Sacerdócio; o negócio é também com os Senhores Doutores in utroque jure, ou in uno tantum, que assim obram, assim instruem, como se lá as suas Leis não vedassem toda a resistência à Autoridade, toda a cumplicidade com o crime, e com os perpetradores do crime, e todo o asilo aos inimigos delRei. Eis a razão, eis as trevas em Portugal! Logo que apareceu a insurreição do Porto do ano de 1820 despedi-me das velhas Ordenações do Reino, com quem eu estava muito casado, ainda que velhas, e já refugadas pelos Senhores Doutores Barbilimpinhos; e adoptei em seu lugar a Constituição, que me custou quatrocentos réis, e mais de quatro milhões custou ela à Nação Portuguesa. Com efeito não tornei mais a ver as velhas Ordenações do Reino, e não me acho mal, porque em seu lugar observou-se comumente a razão particular dos Senhores Doutores: não gracejo; perguntem lá por isto ao Porto! Também agora estou para renunciar mui formalmente o meu Larraga, porque as suas doutrinais não são as correntes: já as de Simonia, e de Usura eram somente observadas pelos que não podem haver aquilo, que faz o objecto do pecado, e por isso tais Tratados não estão no meu Larraga; mas, como digo, estou resolvido a deixá-lo só na pele, porque aquilo de obediência às Autoridades do Poder do Rei, não é doutrina, de que façam grande apreço os Sacerdotes na sua instrução aos Povos, os Povos na confissão dos seus pecados, os Doutores nos seus conselhos aos Povos! Falo, e escrevo de ciência certa!

Pagar ao Rei os tributos, que Ele impõe. Este artigo e os que seguem, tem uma extensão, que o dia, em que estas coisas escrevo, não o sofre; mas saibam quantos estas poucas trevas a palparem, que se isentam de pagar todos os que o podem fazer; que procuram muito que os tributos carreguem sobre os outros; que delongam a sua solução, quanto lhes é possível; que finalmente olham para este ónus não como uma obrigação Religiosa, mas como um gravame Político, do qual não é pecado sacudir-se! Esta é a doutrina, que se inculca aos Povos, e que os mesmos inculcadores, e os Povos abraçam com muita vontade. Eis a razão, eis as trevas! A Igreja, a tradição dos nossos maiores ensinavam pelo contrário: veio porém a razão, e por isso só pintou aos Povos como livre o que era necessário, e obrigatório! E não há quem levante a voz por Deus, e por ElRei?

(continuação, parte d)

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