01/06/17

IDADE MÉDIA EXAGERADA - ESCRAVATURA DETURPADA


É bom mostrar que a Idade Média não foi aquilo que há mais de meio século tem andado em forte circulação. Contudo, o que deveria ter sido uma actitude de reposição dos factos não raras vezes transformou-se no exagero oposto: certos meios mostram a Idade Média tão excelente que apagam importantes factos históricos, e inventam ou exageram outros que lhes convenham. Estas tendências são mais fáceis nas regiões do planeta que não tiveram "Idade Média"; mas como as Américas são muito populosas, estas opiniões tornam-se gradualmente presentes nos países das mesmas línguas.
 
No ano que passou, certo pensador católico das Américas argumentava que os cristãos não tinham contacto com a escravatura na Idade Média. Então, leia-se:

"Com tanto horror os nossos Bispos olharam o Judaísmo que, sob pena de excomunhão não permitiam aos Agricultores Católicos que os Judeus lhes bendissessem os primeiros frutos (Can. 45 de Elvira); nem sequer comer com os Judeus, sob pena de excomunhão (Id. Can. 50; e Cán. 6 de Constança). Para evitar todo o perigo de subversão [não porque a escravatura fosse proibida], proibiu-se [civilmente] aos judeus terem mulheres, concubinas, e escravas que fossem cristãs; e além disso terem algum ofício de República [cargo público] (III Concílio de Toledo, Cán. 14, e IV de Toledo Cán. 65). No IV Concílio de Toledo (Cán. 58) proibiu-se aos Fiéis, Clérigos e Leigos, aceitarem suborno de Judeus para prestar favor e auxílio à sua perfídia ["perfídia" no sentido próprio]. Os infractores deveriam ser expulsos da Igreja. Os cristãos recém convertidos que fizessem o comércio com Judeus pertinazes, deveriam entregar-se (acaso como Escravos) aos Cristãos, e os não convertidos [apenas] açoitados em castigo (Id. Cán. 62). Em juízo não se admitiam por testemunhas os que do Cristianismo apostataram ao Judaísmo; porque aos homens não se pode ser fiel quem não o foi a Deus (Id. Cán. 64). Também não se lhes permitia ter Escravos Cristãos [podiam ter escravos de outra religião em território cristão] (Id. Cán. 66, e 7 do X Concílio de Toledo). (Analisis de las antiguidades eclesiásticas de España - I Tomo, Pe. Fr. Manuel Villodas; Valladolid, 1840)
 
Repetimos vezes sem conta que, o próprio conceito de "escravatura" hoje veiculado não é o mesmo que antes do séc. XVIII (e até o XIX) nos Reinos cristãos, e que o conceito actual (deturpação) veio na sequência da crítica dos opositores da Igreja (os novos pensadores); a qual deturpação foi-se estendendo (ao mesmo tempo que, entre aqueles que aplaudiam, surgiu a prática da mesma escravatura destituída de verdadeiro sentido cristão). Como os leitores já tiveram oportunidade de ler aqui, o sentido próprio de "escravatura" radica no "estado" da pessoa (ou melhor, da falta dele) e não em qualquer forma de tratamento.

Depois de nos lerem, é lamentável que pensadores católicos da actualidade, os quais  estão comprometidos pelas obras que publicaram, pelas palestras que deram, pela ligação a movimentos onde dão voz, pelo público que os segue e repete, continuem teimosamente a tentar contrariar-nos, de longe, sem uma única refutação aos argumentos, ou às fontes. A respeito destes, fica difícil acreditar que valorizem o mandamento de "honrar pai e mãe, e outros legítimos superiores", ou que consideram os nossos antigos reis Pais na Pátria, e que não os "destituam" de "graça de estado". Estes pensadores, não descontentando a herança liberal, abandonam a razão, as fontes históricas, e o debate científico.

Aos teimosos pensadores há que perguntar, pelo menos uma vez: se demonstramos que o vosso conceito de "escravatura" não é o que os cristãos tiveram até existir iluminismo, porque difundis que estamos a defender a "escravatura" (vosso conceito)!? Não é verdade que vós também defendeis uma ideia contra-corrente de "Idade Média", e achais injusto que vos digam "que horror... defender a selvajaria da Idade Média, não é de cristãos"? Há que fazer desenhos?..........

4 comentários:

Rafaela P.S. disse...

Não é só o conceito de escravatura que é diferente, mas também noção de sociedade, de liberdade, de direitos.

anónimo disse...

Cara Rafaela,

obrigado por comentar.

É mesmo isso. O tempo foi passando e o homem foi deslocando o entendimento para o campo do meramente pragmático e utilitário, e daí para o campo do concupiscível... Os conceitos não puderam mais aguentar-se sem corruptela... O exemplo de mais adequado seria o do conceito de "liberdade", o qual, corrompido foi até ao "liberalismo". O que é o "contrato social"!? ...

Volte sempre.

M. Maria disse...

Sobre o ser proibido aos judeus terem concubinas cristãs, acho que faltou o Ascendens completar que: não era permitido ter concubinas cristãs, mas era apenas tolerado ter as concubinas não cristãs.
Saudações!

anónimo disse...

Cara M. Maria,

obrigado por comentar.

Sim diz bem, e explico o motivo: os escravos eram permitidos, e não era isso que estava em questão, contudo não podiam os cristãos estar sob autoridade de um de outra religião; com mouros aconteceu o mesmo.

Obrigo pela reflecção.

VOlte sempre.

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