13/06/17

13 de Junho - Sto. ANTÒNIO DE LISBOA E A CULTURA PORTUGUESA MEDIEVAL


A tamanha popularidade de Sto. António de Lisboa (ou Pádua) tem sobressaído tanto que muito se tem esquecido a sua cultura ê formação anteriores ao ingresso na Ordem Franciscana. Mas é justamente pelo seu santo percurso e feitos que suas bases anteriores se fazem evidenciar. Eis um autêntico intelectual da Idade Média.
 
Como todos sabem, Sto. António era da Paróquia da Sé de Lisboa, e morava a poucos metros da Sé; facto não de pouca influência, como veremos.
 
Sé de Lisboa
Na obra escrita de Sto. António são verdadeiro tesouro da Literatura na História universal, transparece um sólido e vivo saber dos assuntos, que a santidade elevou. O conhecimento profundo dos Padre da Igreja, os escritos clássicos, a Sagrada Escritura, as ciências naturais (Botânica, Mineralogia, Anatomia, Zoologia), as humanidades, o Direito e o discurso são em demasia para um simples franciscano recém chegado. Esta bagagem, evidentemente, é de cunho português, e foi levada dos vários locais insignes do seu Reino natal.
 
Mosteiro de S. Vicente de Fora - Lisboa
Sto. António de Lisboa é o primeiro Professor da Ordem Franciscana, e foi esta a que em tempos mais foi promovida em Portugal: basta olhar as inúmeras igrejas franciscanas portuguesas, em Portugal e além mar, o quanto de talha têm, e outras riquezas inumeráveis para Deus, que fazia a vida cotidiana dos franciscanos parecer ainda mais justamente pobre.
 
Igreja de S. Francisco - Porto (Portugal)
Igreja de S. Francisco - Salvador (Brasil)
O nosso santo foi sempre aluno modelo, e tudo pôde reter das aulas e sermões que ouviu por cá. Frequentou a escola da Catedral de Lisboa. O seu carácter instável, facilitou-lhe não prender-se às comodidades da segurança e vida, passando assim por vários locais religiosos movido por santa busca. Depois do mosteiro dos Cónegos Regrantes de S. Vicente de Fora (Lisboa), decidiu-se pelo auge do intelecto religioso ingressando no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde foi ordenado Sacerdote (teria entre 25 a 30 anos de idade). Ouvindo falar dos martírios de franciscanos portugueses, ficou de tal forma motivado que decidiu imitá-los procurando o martírio, e juntou-se à Ordem.
 
Mosteiro de Sta. Cruz de Coimbra
Em Portugal, desde sempre, teve a formação eclesiástica de topo. Hoje são conhecidas as obras existentes nesse tempo das bibliotecas por onde passou (de 1207 a 1220). Confirmou-se recentemente que os livros referidos em seus sermões existiam à época nos respectivos mosteiros.
 
Os sermões de Sto. António são de toda a variedade de riquezas, muito bem fundamentados na Sagrada Escritura, e chove neles graça tanta que, certo dia, depois do Papa Gregório IX o ter ouvido chamou-lhe "Arca do Testamento, arsenal das Sagradas Escrituras!".
 
Mas tremam aqueles os menos informados e levados pelo escrúpulo, que enviariam à fogueira tudo o que tocou o paganismo... Sto. António de Lisboa, intelecto medieval, Doutor da Igreja, faz inúmeras referências a: Cícero, Catão, Dioscórides, Eliano, Escibónio, Euquério de Lião, Festo Solino, Lilão de Alexandria, Aristóteles, Tibulo, Sérvio, Publíbio Siro, Juvenal, Plínio o Antigo, Sócrates, Varrão, Séneca, Flávio Josefo, Horácio, Ovídio, Lucano, Terêncio, Donato.
 
Como é um pouco nossa inclinação no blog ASCENDENS, coincide que tb. Sto. António costumava partir do  étimo e do conhecimento da História Natural.

Outra característica em Sto. António de Lisboa é a abundante crítica, advertência, e condenações ao alto Clero e Regentes; ataca também a simonia, hipocrisia, perversão, os privados da luz da vida e da ciência por serem como cães mudos, os efeminados, etc. (1), e chega ao campo da profecia. Desengane-se quem que difundir a Idade Média como imaculada e recortada de tantos acontecimentos vergonhosos! A este respeito diz assim o nosso Doutor:
 
"E haverá grande matança na terra do Edom, isto é, nos clérigos que se mancharam com o sangue da luxúria e com a terra da pecúnia [dinheiro e poder]. E com eles cairão os unicórnios, os imperadores e reis deste mundo; e os touros, os bispos mitrados que têm na cabeça dois cornos como se fossem touros. Todos estes que não fizerem penitência dos pecados, cairão com os poderosos, que são os príncipes e potestades deste século, no inferno, lugar dos mortos" (Tesouros da Literatura e da História. Santo António de Lisboa. Obras Completas. Sermões Dominicais e festivos - Henrique Pinto Roma, Porto, Lello & Irmão Editores, 1997, Vol. II, pág. 439)
 
Evidentemente, louva e aponta o modelo eclesiástico: pobre no meio das riquezas, vida digna, de ciência, mansidão, justo, muito caridoso, pastores que brilham pela palavra e pelo exemplo, boa face de Cristo, amigos dos pobres, oração etc.. "Eis que o teu Rei vem a ti, para teu benefício... Manso, para ser amado. Não para ser temido pela potência... São duas as virtudes próprias dum Rei: a justiça e a piedade. Assim o teu Rei é justo, enquanto distribui a justiça a cada um segundo as suas obras". (Sermões, Vol I pág. 262-263)
 
Quanto ao Direito ele não pode afastar-se do que é o Direito Natural e Divino, visto que a Justiça plena só de Deus pode vir. Nada de novo, mas muito frisado por Santo António. O Direito assenta na Justiça (não ao contrário), e "a paz será obra da justiça e o Culto será o silêncio e a segurança sempiterna (Isaías). A obra da justiça, a obra daqueles que pela graça já se encontram justificados, é a paz"; "chama-se modéstia por guardar modo em tudo. Nota que a modéstia consiste sobretudo na paz do espírito e na honestidade do corpo".

O Papa Pio XII elevou a Santo António de Lisboa, "a boca de ouro", a Doutor da Igreja pela Bula Exulta, Lusitania felix (Exulta, ó feliz Lusitânia).

Há que lembrar que este artigo foca o lado intelectual do nosso Doutor, e não couberam outras grandes coisas já tratadas, ou que virão.

4 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia.
Porque não traduzem Lusitania por Portugal?

anónimo disse...

Boa tarde.

Nos documentos da Santa Igreja tanto aparece Portugal como Lusitânia. O primeiro para expressar o Reino em concreto, e o segundo para expressar a identidade. Uma vez que o texto tem "lusitania" traduzimos como está. Se traduzir por "Portugal" não se pode considerar mal; melhor ainda "portugueses".
Antes de sermos portugueses já aqui estávamos e eramos proprietários e cristãos, no território da antiga Lusitânia.

Volte sempre.

M. Maria disse...

Aqui no Brasil, em quase todo o território, costumam ter uma imagem muito mesquinha deste grande santo, por ser considerado meramente como um "santo casamenteiro"....

Alias, maravilhosa exposição este texto que o Ascendens fez da vida de Santo Antônio.

Saudações!

anónimo disse...

Cara M. Maria,

obrigado por comentar.

Sim.... "santo casamenteiro" é muito pouco para tão grande santo; sem dúvida.

Obrigado pelas suas gentis palavras.

Cumprimentos.

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