13/07/16

CONTRA-MINA Nº 48: Anti Aurora (b)

(continuação da parte a)

D. Miguel, o Tradicionalista
Tirano, porque tem, e conserva presos nas Cadeias alguns milhares de inocentes!! Só esta palavra é para fazer estalar de riso os bons e leais Portugueses. São uns inocentes, que até dentro das próprias Cadeias têm agravado os seus crimes, o que também é uma das grandes habilidades dos Pedreiros Livres... Qaundo esta turba, não pequena, de Infantistas, Rainhistas, Miguelistas, e Corcundas gemia nos cárceres deste Reino, quem ouviu, que eles insultassem o Governo estabelecido, ou que cantassem o Hino Realista, assim como os inocentes, que por vezes têm desafogado as suas penas, cantando o Hino Constitucional? Quando haja algum inocente, só perguntarei: Como é possível, que na administração da Justiça humana, tratada, e manejada por homens, não escape alguma dissonância da boa ordem, algum extravio das Leis, ou algum espírito de vingança particular, que muitas vezes custa a estremar de outro mais nobre, qual é, o de amor sincero ao Rei, e à Pátria? Se por ventura é lícito, que eu arrisque a minha opinião em tais assuntos, mui alheios do meu estado, e das minhas principais aplicações literárias, direi, que o número dos presos, que a maldade exagera, e as paixões fazem avultar sobremaneira, é o mais escasso possível, se atendermos ao dez vezes maior número de verdadeiros criminosos; e por força da indignação, que me causa o ver tantos Pedreiros Livres exaltados, e remunerados, (pois talvez os piores, e mais activos agentes das nossas calamidades passem mui desempenadamente por essas ruas, desafinando, cada vez mais, a estranheza, e raiva dos seus Concidadãos) eu quisera ver as Cadeias menos povoadas, e mais expedições nos Processos dos réus; pois lá me custa a ver prezo um pobre Alfaiate, ainda que exerça dois ofícios ao mesmo tempo, quero dizer, ode Pedreiro, e o próprio, ao mesmo passo, que um Rosa-Cruz, um Venerável está posto em grandes alturas, sem o mais leve receio da vindicta das Leis.

"Longe dos olhos do Augusto Duque de Bragança esses homens, que cometeram a árdua empresa da Ilha de S. Miguel, depois de rendidas todas as outras dos Açores. Algumas destas ou foram à custa de grandíssimo risco, e em virtude de uma solução denodada, e sem faltar à verdade, impávida, e heróica. Nem um só momento lhes foi duvidosa a vitória, apesar da resistência, que experimentaram. A sua disciplina, e o valor, que é em grande parte efeito dela, tornaram inútil a superioridade numérica, e a vantagem dos Postos do inimigo. Tudo cedeu à intrépida firmeza, inalterável ordem, e assustadora rapidez dos nossos Soldados. E então quais eram os nossos meios? O valor desses Soldados, e as suas armas, e mais nada! Ah! que ingratos poderão jamais esquecer a defesa da Terceira, e a conquista das outras Ilhas?" (Aurora Nº 5, pág. 77)

Não me admirava, que D. Pedro intempestivamente, (para ele, e não para quem tivesse os olhos abertos, e o juízo no seu lugar) intempestivamente esbulhado de um Império, que usurpara a seu Augusto Pai, não se envergonhasse presentemente de fazer o mesmo papel, quando se trata de um Irmão, vínculo menos forte, que o de Pai; mas que os seus valentões queiram usurpar até aos rochedos, os que lhe pertence, é um desaforo intolerável. Enquanto aos defensores da Terceira, há quem ponha embargos a esta ridiculíssima fanfarronada... e são os próprios rochedos da Ilha, que não é muito fizessem malograr uma pequena expedição, quando já em outras eras, e muito menos fortificados, ou guarnecidos de artilharia, do que hoje, fizeram rosto a uma Esquadra numerosa, e comandada por D. Álvaro Bazan, que era o Nelson daqueles tempos. Enquanto às Conquistas das outras Ilhas, é já bem sabido, que não se lhe opôs a devida resistência: e porque não tentaram eles até hoje a conquista de outra Ilha muito mais importante? Porque sem embargo do número considerável de Mações, que a emprestam, eles bem sabem, que o actual Governador não é para graças, nem capaz de esmorecer aos primeiros tiros, ou de capitular, sem ter feito a mais viva resistência, quando não fosse de uma lealdade a toda a prova.

"As Tropas Portuguesas, que hão de achar-se em campo às ordens do Duque de Bragança, (não nos iludimos, nem queremos iludir os nossos Leitores) são tais em valor, em ensino, armamento, e em desejos de assinalar-se, quais porventura nunca houve em Portugal, ainda não exceptuando as que na guerra da Península causaram a admiração dos Aliados, e dos inimigos." (Ibidem pág. 66)

A perícia militar dos bravos Oficiais Portugueses, ou Chefes, ou aventureiros nesta famosa Expedição, a coragem, a valentia das Tropas embarcadas para o efeito de roubarem Portugal ao seu Legítimo Soberano, e o último real, até a própria camisa aos que outra vez aceitarem a infernal Constituição; todas essas prendas, tão altamente recomendadas pela Autora, felizmente se abonam por estrondosos feitos de armas, a que ninguém poderá fazer a mais leve contradição ou pôr a mais pequena dúvida... Louros do Buçaco, de Alb[?], de Victoria, de Arapiles, de Castelo Rodrigo, de Badajoz, de S. Sebastião de Biscaia, e de Tolosa murchai, abatei-vos até ao pó da terra diante dos mais frondosos, que são os da Cruz dos Marouços, e do Marnel... Por estes é que deve ser julgado o Exército Expedicionário, que fervendo em marciais desejos, vem repetir esses, para ele tão honrosos triunfos, nas praias deste Reino!

O passo das Thermópilas não foi melhor guarnecido, nem mais valorosamente defendido pelo Rei de Esparta, do que a Ponte do Vouga por 10.000 homens, onde apareceu, e figurou distintamente a flor dos Caixeiros da formosa rua da Calçada de Coimbra. Esses 10$ [10.000] homens levarão a sua extremosas generosidade a pontos, de que podendo engolir, de um só bocado, esses audazes 200 Caçadores, que os investiram, foi-lhes menos penoso renunciarem de uma vez toda a glória de um sucesso o mais certo, e infalível, do que salpicarem de sangue Português as velhas guardas daquela ponte... E o mais é, que tanta generosidade nunca lhes faltou desde o Marnel até às portas da Galiza; e foi assim, que estes novos, e mais brilhantes Fábios pareceram derrotados, ao passo que já revolviam na alta mente o projecto de fundarem a Nova Monarquia Portuguesa nos rochedos da Ilha Terceira... Defensores da boa Causa estai à letra... esses homens trazem agora outras ideias, e outros planos, e se acaso vos suceder, (como se espera, e não será mui custoso) que todos eles paguem a confiança, eu dobrarei os meus sustos, e cuidados, pois quem sabe, se eles, tendo relações no fundo dos mares, assim como já tem grande número dos seus no mais fundo dos Infernos; irão pedir auxílio a Neptuno, e formar algum vulcão, que nos abrase, e devore!!

"O Príncipe, que fez benefícios a seus súbditos nos poucos dias, que reinou, do que nenhum dos seus Augustos Predecessores." (Ibidem pág. 57)

Que linda frase! que tremendo elogio! E bem tremendo, pois encerra a mais cruel, e virulenta de todas as sátiras... E quem será este Príncipe, que encova os Afonsos, os Joões, e os Manueis, amplificadores da Monarquia Portuguesa? É o próprio, que encetou a carreira dos seus benefícios pelo mais sinalado, que podia fazer-nos, qual foi a separação do Brasil, da mais importante, da mais rica, da melhor das nossas Colónias! E os nossos Historiadores os Barros, os Castanhedas, e Osório a quererem provar, que o Senhor D. Manuel engrandeceu sobre maneira este Reino pela casual, porém ditosa aquisição do Brasil, quando é tudo pelo contrário; pois sendo (no conceito da Aurora) a desmembração do Brasil um grande benefício, deverá seguir-se, que a sua aquisição merecia o nome de injúria, de malefício, ou de opróbrio, e de desdouro para este Reino!! Mas concedamos, que o Aurora tem só em vista o Reinado, que principiou em 1826, aí mesmo se descobre, e patenteia uma série de benefícios tais, e tão estremados, que forçosamente deverá alcunhar-se de Tito Português um Príncipe, que mais empenhado nos sumptuosos funerais da sua Pátria, que nos do seu Augusto Pai, e abafando no heróico peito as mágoas, que devia causar-lhe a notícia da morte, de quem lhe dera o ser, fez, aprovou, e selou em brevíssimo espaço uma Constituição, que abolindo a Lei Fundamental destes Reinos, e promovendo claramente a licença, e devassidão dos costumes, e o despreso, e menoscabo da Santa Religião, que professamos, veio trazer-nos uma enfiada de benefícios, que nunca se poderão riscar da memória dos bons Portugueses! Ah! se em 3 dias de Reinado se lançaram estes fundamentos, ou alicerces de um Edifício todo Maçónico, que seria, se o tal Governo se perpetuasse! A estas horas teríamos já desfrutado tal cópia de benefícios, que hoje, ou teríamos acabado de existir, ou mendigaríamos por terras estranhas o sustento, de que seriam declarados indignos todos aqueles, que não fossem mais escravos, que aprendizes do Mestre Adonirão! Já me custa a guardar o tom irónico, e irrisório, que é o único adaptado, para se combaterem, ou denegrirem as Auroras: e porque a estes casos é, que facit indignatio versum, aí vai o que me lembra, apesar de que certamente é o género de escritura, para que não tenho a mais leve propensão:

I
Antes morte que D. Pedro,
Seja dos bons Portugueses
Leal grito repetido,
Por dia sequer mil vezes.

II
Mais que outras mil bem.digamos
D. MIGUEL Restaurador,
Que nesta empresa mostrou
A seus Lusos fino amor.

III
Este sim é bem-fazejo,
No que excede os Seus passados,
Que não foram como Ele
À vingança provocados.

IV
Disse a Fábula, que os Ceus
Um Atlante sustentava,
E que a máquina terrestre
Em seus ombros escançava:

V
MIGUEL é mais do que Atlante,
E o é na realidade;
É mór, que o peso da terra,
Todo o peso da maldade.

VI
Por mais que ela seus enganos,
Seus cofres tenha exaurido,
Tudo enrosta, vence tudo
Um Rei dos Ceus protegido.

Já que a Aurora no fim do 5º Nº repete somente os pontos Cardeais da sua acusação, nestes devo eu insistir um pouco em abono da realidade dos factos, para que os bons Portugueses vejam, o que são de impudentes, e desaforados a nosso respeito, os mentirosos Parisienses, e Londrinos.

"Empréstimo à Argélia." (Ib pág. 79)

Com que foram empréstimos à Argélia os do tempo dos Franceses intrusos em Portugal, e os dos Constitucionais, ainda mais intrusos, mais despóticos, e mais danoso para este Reino? Mas então corriam outros ares. Promovia-se nestes empréstimos, que só nominalmente se chamaram forçados, o grande interesse da Maçonaria Portuguesa; e quando é este o alvo, desaparece a mínima sombra de coacção, e violência. Haverá quem me dispute, que os Pedreiros Livres tivessem parte na invasão dos Franceses em Portugal, e muito bem sei, que o tão erudito, como honrado, e leal Escritor da História geral daquela Invasão tem padecido muito, e muito por outra igual asserção, e que desde que publicou a sua Obra, logo se acendeu o raio Maçónico, que ainda hoje o ameaça; porém eu, que mais quisera as suas desgraças merecidas pelo caminho da honra, e amor singelo à verdade, do que as grandes alturas, a que outros chegam pelo fácil, mas ingnominoso pau de dois bicos, afirmo, e torno a afirmar, que os Pedreiros Livres da Capital, e das Províncias deste Reino, exultaram com a chegada dos Franceses a Lisboa; e que não é necessário ter notícia da espera em Sacavém, para decidir este ponto, de maneira que fique posto em toda a luz; nem obstam as celebérrimas Actas de um certo Senado Conservador de Lisboa, que se excogitraram, para salvamento da Maçonaria Portuguesa, e nas quais é tão palpável a audácia dos Pedreiros Livres, como a simplicidade, boa fé, e completa ilusão de certos Portugueses, não Pedreiros, que assinaram aquelas extraordinárias, e ridículas Actas....

Tornando ao Empréstimo Argelino: Muito bem fizera o impostor Aurora, se notasse, que parece ter sido feito, não a Portugueses, que por honra, e por interesse próprio deveriam sacrificar nas aras do Reino até o último Cruzado novo, que possuíssem, mas determinado aos Argelinos brutos, e indómitos, ainda que estes próprios, a meu ver, seriam mais prontos em acudir à voz do seu Dey, se lhes mandasse fazer entrega de todo o seu dinheiro, do que tem disso alguns em pagar as quantias, que lhes foram assinadas: e talvez esses próprios, que se enriqueceram à custa do Estado... Não ignoro, onde se oculta, e onde se enrosca a Serpente Maçónica. Muito lhes agradava a imposição de novos, e pesadíssimos tributos ao Povo, que desta arte ficaria intacta uma grandiosa reserva, que auxiliaria os Planos Constitucionais, e por outra parte esfolada, e conseguintemente desgostosa a porção mais fiel dos Portugueses....

Falharam na empresa, saiu-lhes o caso diferente, do que eles queriam, e por isso lhes parece Argelino um empréstimo, que lhes pareceria necessário e indispensável, e até Divino, se algum Rei Pedriro Livre o tivesse decretado, para reforço da Caixa geral da Sociedade. Muito precisavam certos Argelinos, que aferrolham de mostrar um peito de ferro às Soberanas Ordens de seu Legítimo Soberano, e aos dolorosos ais, e gemidos de sua Pátria, muito precisavam, digo, de um Rei Argelino, que depois de os chamar aos seus deveres, os fizesse trabalhar nas Obras públicas, e descer à classe donde nunca deveriam ter saído... e aos mais, que não faltará entre os meus leitores quem diga, que esse Rei, longe de se chamar Argelino, se deveria chamar Justiçoso. Falta-me agora o tempo necessário para responder a esta objecção, porque os novos destemperos do meu Amigo Aurora me chamam para outra parte.

"Armamento geral violentíssimo." (Ibidem)

Ceptro de 1828, com a "Carta Constitucional"!
Não consta, que houvesse em Portugal outro menos violento. Fazer guerra aos Pedreiros Livres é o emprego mais honroso, e mais agradável, que podem ter as Classes deste Reino sujeitas ao Recrutamento. Províncias temos, em que até as mulheres choravam de pena, e de raiva, por lhes não ser permitido ter parte nesta verdadeira Cruzada contra os inimigos da Fé. Nunca as Mães, e as Esposas mais facilmente conseguiram separar-se dos Filhos, e dos Maridos, do que nas presentes circunstâncias, em que de olhos enxutos os viram sair para uma guerra tanto sua, como dos próprio Soberano, que era obrigado a fazê-la. Todo o [Reino] está em armas, e todo o Reino deseja o momento de se abrirem as hostilidades. O certo é, que no pronto de baquear a Menina, ou a Constituição de 1822, foi geral o armamento, e se compeliu muita gente a vestir a farda Cívica, de que nem o próprio Soberano foi dispensado; mas então era tudo suavíssimo, e até deveria perpetuar-se em alguma Coluna de gesso a Memória do armamento suavíssimo, para o que bastava o fazer-se em pró do Sistema Constitucional, que deixou entre nós as mais vivas, e saudosas memórias da brandura, e suavidade, que sempre o acompanha; e por sinal, que os nossos cárceres, e segredos estiveram nesse tempo às moscas, e nenhum Soldado levou sequer uma chibatada, nenhum proprietário foi, nem ainda levemente inquietado: enfim tudo era uma renovação das delícias do Paraíso de Éden, e do estado da Inocência.

"Marchas de Milicianos de Trás-os-Montes para as castas da Estremadura." (Ibidem.)

Ai que rica, e abundante Mina se me depara nestas frases......

Porém isto não vai a matar, fique para o Nº seguinte.

Desterro 28 de Janeiro de 1832.

Fr. Fortunato de S. Boaventura.

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LISBOA, NA IMPRESSÃO RÉGIA. 1832. Com licença.

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