16/06/16

CONTRA-MINA Nº 50: Os Jesuítas em Coimbra!!!!

CONTRA-MINA
Periódico Moral, e Político,

por

Fr. Fortunato de S. Boaventura,
Monge de Alcobaça.

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Nº 50
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O medonho Fantasma se esvaece,
O dia torna, e a sombra se dissipa;
Os Insectos feíssimos de chofre
Entram no poço do afumado Inferno:
Eternamente a tampa se aferrolha.
No meio do clarão vejo no Trono,
Cercado de esplendor, MIGUEL PRIMEIRO.
(Macedo, Viagem Estática ao Templo da Sabedoria, pág. 141)
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Os Jesuítas em Coimbra!!!!

como efeito parece mais sonho do que realidade, que se conseguisse a tantas vezes desejada restituição do Colégio das Artes aos seus antigos possuidores. Eram tantas, e tão graves as dificuldades, que se opunham à existência deste sucesso! Era tanto, e tão inveterado o ódio, que se concebera neste Reino por sinistras, e dolosas informações, à Companhia de Jesus! Era tanto o afinco, era tal a pertinácia do Jansenismo, e Maçonismo por arredarem de Portugal os seus antigos, e verdadeiros ilustradores! Por certo que aos mais desejosos, de que os Padres da Companhia voltassem a estes Reinos, e recobrassem a sua perdida influência, já se representava como impossível a execução de tais intentos. Nem a saudosíssima, e piedosíssima Rainha D. Maria I, que tomava a peito o restabelecimento dos Jesuítas em Portugal, porque tomava a peito a verdadeira felicidade dos seus Povos, conseguiu trazer novamente a este Reino, e suas Conquistas os Filhos de Santo Inácio! Viu-se necessitada a conter, ou reprimir os seus votos, e a deixá-los como abafados, e sepultados em seus Régios Corações.... Tanta era a força das prevenções, ou das calúnias, que ardilosamente se haviam espalhado neste Reino contra os Jesuítas!

Quando o Sumo Pontífice Pio VII instaurou a Companhia de Jesus, revogando o Breve do Santo Padre Clemente XIV, que os extinguira... desde logo os Pedreiros Livres do Rio de Janeiro estremeceram, clamaram, e fizeram protestos em nome do Rei Fidelíssimo contra os novos auxílios, que Deus prodigalisava, e oferecia por mãos do seu Vigário na Terra aos Países Católicos!!!

Seguiu-se o tempo mais infausto, e desastroso para a Monarquia Portuguesa, quero dizer, o tempo Constitucional; e quando os Maiores da Seita Maçónica, lançando as ousadas, e sacrílegas mãos às rédeas de um Governo, que lhes não pertencia, juravam destruir, e abolir todas as Corporações Religiosas [o que veio a acontecer em Portugal, depois  por mão de D. Pedro I do Brasil], como poderiam tolerar um só instante a simples ideia, de que os Jesuítas poderiam voltar a estes Reinos? Nada por tanto era mais próprio de um Soberano destinado pelos Céus para restaurar o Trono Português, do que chamar em seu auxílio, como tropas escolhidas, que combatessem, debelassem os dois Monstros Jansenismo e Maçonismo; quero dizer, os sucessores desses Apóstolos, que tinham preservado no séc. XVI estes Reinos das pestes do Luteranismo, e Calvinismo... À chegada do nosso Libertador tudo neste Reino oferecia a imagem do caos...! Para desviar este, e pôr as coisas na devida ordem, bastou que o Todo Poderoso dissesse um Fiat, faça-se, e tudo se fez!! Agora semelhantemente bastou que um Rei Cristão dissesse "Apareçam os Jesuítas neste Reino", e apareceram os Jesuítas. Não blasfemo, e nem sequer adulatório este modo de pensar, ou de escrever. O chamamento dos Jesuítas a este Reino foi obra de Deus, assim como é bem clara, e manifesta obra do mesmo Senhor a entrada destes Regulares no seu Colégio das Artes. Conheceu perfeitamente o Mui Alto, e Poderoso Senhor D. Miguel I, que sem Jesuítas era impraticável a mil vezes procurada, e outras tantas desmentida restauração dos bons costumes; e que por mais planos, que se traçassem, por mais brilhantes, e risonhas teorias, que há meio século a esta parte se houvessem excogitado, nenhum proveito, nenhuma utilidade real se descobria, antes cada vez mais tudo se precipitava, e caminhava de mal para muito pior. Teorias sobre teorias, planos sobre planos agravaram a doença moral a ponto de fazerem cada vez mais sensível, a patente a grandeza da ferida, que Portugal recebera ao fatalíssimo ano de 1759... Assim mostrava um Deus vingador dos ultrajes feitos à inocência, e à virtude, punir estes Reinos pelo crime da expulsão dos Jesuítas....

Colégio dos Jesuítas (em Coimbra), fundado por D. João III de Portugal
Que resta pois? Que se devia fazer para obstar a que a Mocidade Portuguesa caísse toda nos laços do Maçonismo? O que fizeram até os Reis Cismáticos, e Protestantes, e o que fazem agora todos os Soberanos Católicos, pois meio século de desastres, e calamidades meteu-lhes pelos olhos, que o Instituto da Companhia é sumamente necessário para o bem, e tranquilidade de seus Povos... E o Rei mais amante dos seus Povos, que excede até neste particular aquele próprio Rei, que tomou por divisa o Pelicano, em acção de rasgar o peito para nutrir os seus filhinhos: e o Rei mais amante dos seus Povos, digo, havia de consentir, que estes Povos fossem desgraçadas vítimas do erro, da sedução, e do infatigável proselitismo das Sociedades Maçónicas?

Igreja do Colégio dos Jesuítas; hoje é a Sé "nova" de Coimbra.
E um Rei plenamente convencido, penetrado das Verdades Católicas, e nomeadamente das mais terríveis, poderia ver com indiferença o quase total naufrágio da Educação Religiosa em seus Estados? Como se negaria ele a buscar todos os meios conducentes para a desejada reformação dos costumes, e que outro se lhe poderia oferecer, ou melhor, os mais prontos, do que entregar aos Padres da Companhia o Real Colégio das Artes?

Foi Coimbra, e o foi por muitos anos a Cidadela do Jansenismo. Este acolheu benignamente, como sempre costuma, o seu Irmão gémeo, quero dizer, o Maçonismo; e ambos entrincheirados nesta, como Fortaleza das Ciências, prometiam guardar para sempre o seu ponto central, donde se repartiam para toda a Monarquia, e suas Possessões Ultramarinas os mancebos de esperanças, os homens de bem, as luzes, e as trolhas Maçónicas... Tinha-se chegado a tais pontos de perversidade, e desenvoltura, que já os recrutamentos para a Ordem dos Pedreiros Livres se tratavam, e faziam a cara descoberta, e até se oferecia dinheiro aos Estudantes pobres, que ainda fiéis aos sentimentos religiosos, hesitavam, ou repeliam indignados a mais infame, e atraiçoada proposta....


Enfim a urgentíssima necessidade de Educadores, e Mestres Jesuítas nunca foi tão palpável neste Reino, como durante o que, sem exageração, se pode chamar o Reinado das trevas, o qual principiado em 24 de Agosto de 1820 [mas pode considerar-se definitivamente o ano de 1834, em Portugal], só começou de cavilar, e fraquejar a 22 de Fevereiro de 1828....

Desde então, e no brevíssimo espaço de quatro anos, tem-se feito mais do que nos vinte, ou trinta anos dos Reinados mais gloriosos da Monarquia, pois a malvada, e numerosíssima Seita dos Pedreiros Livres é mais forte, do que as Praças de Ceuta, e de Arzila; e a expugnação do Grande Oriente de Lisboa mais difícil, e arriscada, que a expugnação de Ormuz, e Goa; assim como a defesa, e sustentação dos Direitos da Realeza em Portugal, é mais árdua, e mil vezes mais perigosa, que a conservação da Praça de Diu contra o maior poder dos Soberanos da Ásia...

Não, não tem as Histórias da Monarquia Portuguesa um só Herói, que possa ombrear com o excelso Príncipe, que nos rege, e nos felicita; e quando eu tratasse de buscar um só Português, que me oferecesse alguns longes de tamanha heroicidade, teria de remontar às Histórias antigas, e pode ser que um Viriato, pondo somente os esforçados peitos dos seus Beirões a todo o poderio dos Senhores do Mundo, me oferecesse alguns traços acomodados ao meu paralelo....

Não, não têm os Portugueses um dia mais fausto, e plausível, que o 22 de Fevereiro. É dedicado à memória do Estabelecimento da Cadeira de S. Pedro em Antioquia, onde os Discípulos do Evangelho foram pela primeira vez chamados Cristãos, e deve ser igualmente dedicado à memória de um sucesso estupendo, e milagroso, que nos trouxe a incomparável felicidade de nos podermos chamar Cristãos; nome este, que não tardaria muito a passar como injurioso, e afrontoso.... E ser este dia também o próprio, em que os Jesuítas vão tomar posse do seu Colégio das Artes!! Que assombrosa coincidência de sucessos!! E que turbilhão de agradáveis esperanças deve suscitar-se nos entendimentos, ainda que sejam vulgares, com tanto que sejam Cristãos!! Também hoje é o dia, em que a geração, que nos há de suceder, principia a mais gloriosa de todas as Épocas, e como que principia a ser Cristã com segurança, e firmeza.... Ah! No meio da pompa triunfal, com que os Jesuítas foram recebidos em Coimbra, pompa insólita, e a todos os respeitos maravilhosa, que eu desejaria contar, porque a vi, e que eu não posso contar, porque não tenho nem frases, nem imagens adequadas para a descrever; no meio de toda essa pompa, foram certamente os singelos aplausos da mais tenra infância, ou desses esquadrões de meninos, que saíram ao encontro dos Padres da Companhia, foram, como a dizer, os que me comoveram de Pessoas adultas de todos os sexos, e condições, banhados em lágrimas!.. Parecia que estes inocentes, como se adivinhassem a extensão dos benefícios, que o Céu lhes outorgava pela generosa, e benfeitora mão do seu adorado Soberano, queriam distinguir-se acima de todas as Classes na festival recepção dos que vinham para os doutrinar, para os ensinar, e para os fazer verdadeiros Cristãos! Ah! Nesses ramos de Oliveira, e de Louro, com que vinham encontrar os seus Catequistas, bem claramente se designava, ou simbolizava a Paz Celeste, de que os Jesuítas são anunciadores, e a vitória, que prestes hão de conseguir sobre os inimigos da Fé, que bramem de raivosos ao chegar-lhes a hora, em que serão desalojados da sua mais bem guarnecida, e artilhada Fortaleza.

Que Mestres para a mil vezes ditosa Mocidade destes Reinos! Vingam-se de tantas injúrias recebidas, celebrando em Pombal o incruento Sacrifício pela alma do seu mais encarnecido inimigo!!! Resistem, quanto neles é, a toda a lembrança de serem recebidos triunfalmente em Coimbra, e só a mais forçosa obediência a um dos seus maiores afeiçoados, o Excelentíssimo Senhor D. Fr. Joaquim da Nazaré, Bispo Conde, é que os necessita a desistirem de seus humildades, e louváveis intentos. Aqui mesmo porém é para notar como a Providência dirige todas as coisas, e sucessos humanos, para a devida manifestação dos seus inefáveis acertos. Convinha, que os Jesuítas atravessassem desconhecidos e sem pompa os territórios do Patriarcado, e do Bispado de Leiria, até chegarem à primeira terra do Bispado de Coimbra, isto é, a Pombal, onde jazem os ossos do principal agente da sua extinção, e que aí começasse o desagravo solene do grande crime, que, a despeito dos melhores interesses da Religião, se havia perpetrado neste Reino, e suas Conquistas!

Já foi um Bispo de Coimbra o seu maior amigo, e principal defensor contra as envenenadas setas de inveja, e de maledicência, quando entraram pela primeira vez no Colégio das Artes; e tal predilecção mostrava por eles o Egrégio Padre de Trento D. Fr. João Soares, que, ao ver passar defronte do seu Palácio a grande multidão de Alunos da Companhia, exclamava "Hoc sunt castra Dei" ["este é o castro de Deus"] são estes Padres Jesuítas os Castelos, e Praças fortes do Catolicismo; e por isso também agora é um Bispo de Coimbra, o que mais se distingue em acolhê-los, e favorecê-los, a que dá solenissímas provas daquele amor aos Jesuítas, que o Historiador Pe. Franco chamou hereditário nos Prelados da Igreja Conimbricense; e o caso é, que nunca os Bispos tiveram por Coadjutora uma Ordem Religiosa, que mais direitos, ou brasões oferecesse para ser por eles apreciada, e favorecida. Daqui vem que me pareça bem achada a inscrição, que se lia em um dos arcos triunfais do Lugar de Condeixa: "Euntes ibant et fiebant; .. venientes autem venient cum exultatione". E com efeito os Padres da Companhia de Jesus tinham deixado Coimbra envolta em lágrimas, e suspiros, como de quem sabia, o que eles eram, e o que pediam; e eles próprios ao verem frustrados tantos bens espirituais, de que eram assíduos, e zelosos dispensadores, deixavam saudosos esta outra Sião, onde lhe ficavam as suas maiores delícias, quero dizer, esse Colégio das Artes, donde tinham saído tantos Apóstolos, e tantos Mártires, e onde jaziam as preciosas cinzas de um Sebastião Barradas, de um Luís da Cruz, e de um Cosme de Magalhães, e de tantos Varões assinalados na República das Letras... Voltam agora (e com que júbilo!) a esse como Solar das Virtudes, e das Ciências, porque foi o primeiro Colégio, que tiveram os Jesuítas no Orbe Católico; e se alguma coisa os pode magoar, ou entristecer, é o acharem nuas aquelas paredes, outrora adornadas com os Retratos dos Varões Apostólicos, que os honraram, e enobreceram para sempre... Assim mesmo recobrando a quarta, ou quinta parte do seu Colégio, encontram ainda, posto que já mui amortecidos, alguns Quadros das Acções principais do nono Avô do Senhor D. Miguel I, o Santo Borja, e que foram pintados no séc. XVII pelo jesuíta José Castiglioni....

Se ainda hoje vivesse algum dos Jesuítas expulsos de Coimbra em 1759, e voltasse agora ao seu antigo domicílio, por certo que se deixaria penetrar dos mesmos sentimentos, de que se possuíam os velhos de Israel, quando avistaram o segundo Templo de Jerusalém, tão diferente do primeiro em grandeza e magnificência... mas quem sabe se assim como o segundo Templo, sem embargo da sua pequenez relativamente ao primeiro, se avantajou a esta nas excelências, e na maior de todas as glórias, também este fragmento do Colégio das Artes fará ainda maiores serviços ao Catolicismo em Portugal, do que lhe fizeram os seus primeiros habitantes?

Tudo é possível a um Deus, que suscitou o homem da sua direita, D. Miguel I, para destroçar o Maçonismo, e restabelecer os Jesuítas.

Colégio do Espírito Santo em
Coimbra no dia sinalado de
22 de Fevereiro de 1832


Fr. Fortunato de S. Boaventura

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