22/06/16

CONTRA-MINA Nº 40: A Estátua da Fé (a)

CONTRA-MINA
Periódico Moral, e Político,

por

Fr. Fortunato de S. Boaventura,
Monge de Alcobaça.

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Nº 40
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O medonho Fantasma se esvaece,
O dia torna, e a sombra se dissipa;
Os Insectos feíssimos de chofre
Entram no poço do afumado Inferno:
Eternamente a tampa se aferrolha.
No meio do clarão vejo no Trono,
Cercado de esplendor, MIGUEL PRIMEIRO.
(Macedo, Viagem Estática ao Templo da Sabedoria, pág. 141)
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A Estátua da Fé

Não tem os Demónios do Inferno mais aversão, e horror ao sinal da Cruz, do que os Pedreiros Livres deste Reino aos dois "I. J." vogal, e consonante. E que mistério se envolverá debaixo destas duas letras do Alfabeto, que possa atemorizar peitos destemidos, e afrontadores de toda a sorte de contradições, e de tormentas? Um "J" consonante é inicial de certo nome, que passava neste Reino por injuriosíssimo; e este nome era o de Judeu, que ainda sem ter havido o grande esforço, que houve, para se lhe tirar neste Reino, pelo menos, alguma parte do que nele era mais odioso, já se teria verificado em nossos dias, em que o afrontado nome de Judeus, perdendo 50% da sua natural enormidade, arreasse bandeira diante do nome de Pedreiro Livre; e com efeito, chamando-se a um homem Pedreiro Livre toca-se o último ápice da injúria; e se no entender do Príncipe da Eloquência Romana faltavam a esta as devidas expressões, que designassem a torpeza de um atentado, que era "Crucificar um Cidadão Romano" também cá em meu tão pobre, como fraco entender, quanto disseram os nossos antepassados, até das Cadeiras da verdade, sobre o epíteto "Judeu" pareceria facilmente um elogio quando nos lembrássemos de o recomendar aos Pedreiros Livres. Não tem pois a Língua Portuguesa cores assaz negras, com que pinte uma classe de animais, incógnita neste Reino até 1750, e que de então para cá nos tem feito maiores estragos, do que fez a invasão de Átila nos diferentes Estados da Itália, nos princípios do quinto século da Igreja. Disse que pareceria facilmente um elogio, porque dizer hoje aos Pedreiros Livres deste Reino, que elas acreditem a Divina Legação de Moisés, e que só pela mais cega de todas as pertinácias deixem de acreditar a outra Divina Legação mais sublime, e autorizada, qual é o próprio Filho de Deus, que outra coisa era se não dizer-lhes, que acreditavam uma parte da Revelação, desdenhando, e rejeitando outra? E não seria isto fazer-lhes um desmesurado elogio? Um Pedreiro Livre, merecedor desta, no seu conceito, honrosíssima qualificação, despreza tudo quanto lhe cheire a sobrenatural, e Divino, até o nome Revelação lhe faz nojo; não admite senão uma coisa vaga, a que ele chama natureza, tudo o mais lhe parece um refinado servilismo intelectual, que se deve eliminar para sempre da face da terra.... Ora desempate-nos já, Senhor Contra-Mineiro, que temos mais que fazer, e diga-nos por uma vez, que nome é esse começado por "J" que faz medo aos Pedreiros Livres deste Reino? Ainda que por esta impaciência, como que me deitaram água na fervura, quando eu estava para lhe referir uma história galante de um Judeu Português, que no séc. XVIII deu novo ser às próprias Lojas Maçónicas de França.... que para tudo há homens em Portugal!!... não há outro remédio senão contentar o Povo.... Esse nome, que faz arrepiar os cabelos, e gelar todo o sangue aos Pedreiros, é o nome "Jesuíta" para o que bastaria entrar na sua composição o Santíssimo, e por extremo adorável nome de Jesus; porém acrescem outras razões ponderosíssimas, e gravíssimas, por que este nome se faz insuportável, e até impronunciável a um Pedreiro Livre. Pois que mal faz aos Pedreiros Livres uma Sociedade de homens, qual é a dos Jesuítas, que toda se emprega em assuntos de caridade, ora educando os Meninos, ora chamando os Selvagens ao próprio ser humano. Nestes "oras" é que se encerra a verdadeira água tofana, que mata os Pedreiros Livres, e por isso eles não podem levar à paciência, que se instaure em qualquer Estado Católico uma Ordem Religiosa, que tanto custou a derrubar, sendo necessário, que três numerosíssimas Legiões de Demónios combinassem os seus esforços, para que fosse abatida uma coluna da Fé, e a principal dos Tronos da Europa.... Visto isso não há neste mundo senão Jesuítas, que possam educar a mocidade, e tudo o mais é ocioso, e inútil na Igreja de Deus! Tal não digo, nem direi nunca; mas direi, e clamarei, sendo necessário, que a esta Ordem, tão célebre pelos seus grandes serviços, como pelos seus grandes desastres, foi concedida uma graça, e vocação especial para certos fins, que até para castigo das gerações humanas foi subtraída a outras normas de ensino público, que sucedeu progressivamente umas a outras, sem nunca pararem, nem aquietarem, deram a conhecer todos os dias as sua insuficiência, e nulidade.... O caso é este, e não é difícil pôr em toda a luz a mira principal dos Pedreiros Livres... Porque aborrecem eles figadalmente os Jesuítas, que nem escudados pelo Nome, e Protecção a mais Augusta podem escapar à virulência de suas peçonhentas línguas? Porque uma vez que se lhes entregue a educação da Mocidade Portuguesa, adeus esperança de inocular, ou enxertar o Maçonismo nos Colégios, onde até agora se fizeram abundantíssimas colheitas; adeus esperanças de se plantarem, e arraigarem nos corações ternos, para nunca mais saírem deles, as Ideias Liberais. Que será do género humano se perecerem as ideias Liberais? Até aqui, por mais activas que fossem as diligências do Governo, para que se limpassem as Escolas, já de Mestres Pedreiros, já de Doutrinas Maçónicas, tivemos quase sempre a fortuna de vermos empoleirados alguns dos nossos, que, por baixo de mão, nos ofereciam a sua para nos resgatarem da opressão, e do abatimento.... Quantas vezes conseguimos intermear de Católicos, e Pedreiros as funções do Magistério... Quantas vezes alcançámos introduzir no Magistério da primeira infância homens provados, e de nossa escolha, que havia muitos anos eram recrutadores para a Seita, e que a tinham enriquecido de centenares de ilustres mancebos? Não tivemos nós um Aristides encarregado de instruir, ainda mais no Sistema Constitucional, do que nos princípios da Latinidade, um crescido número de jovens, que até em seus temas semanais bebiam a longos sorvos as Ideias Liberais? E não tivemos nós a fortuna, ainda maior, de contarmos um Frade Preceptor, e Educador Público, que não exortava aos seus Discípulos outra lição, que não fosse Rousseau, de Voltaire, e do Barão de Holbach, e de outros da mesma farinha? Ora vão lá esperar, que um Frade Jesuíta se preste a obrar por nós tamanho sacrifício...... Poder-se-hão contar vinte e depois Jesuítas, que na primeira Revolução Francesa deram a vida por Jesus Cristo, porém não se conta um só Jesuíta Pedreiro!!! Ideia por certo a mais desalentadora para quem se interessa no bem estar dos homens, na queda ruidosa dos Tronos, e na total extinção do Cristianismo.... Aqui temos pois o cardo rei, e como a peanha, em que assenta o figadal, e mais que vaticiano ódio aos Jesuítas, que é soprado constantemente dos Infernos, que bramem de que lhes possa escapar uma geração nova, que só teria de beber em charcos imundos, caso triunfasse a Constituição de 1826.



Mas que é feito da Estátua da Fé, ou que ligação pode ter o caso dos Jesuítas com a Estátua da Fé, que é o indicado, e prometido sujeito deste Número?... Valha-me Deus! Aí tornam a quebrar o fio das minhas ideias, e no melhor da festa, quando eu me enfeitava para perguntar aos Sabichões deste Reino, (que são exclusivamente, e como de juro, e herdade os Jansenistas) se por acaso seria possível, que escapasse aos Mestres Jesuítas uma História de Filosofia, uma Ética do Protestante Heinécio, que tantas vezes se tem impresso neste Reino, e a segunda até em linguagem [português], onde aparecem erros monstruósos, e formais heresias? Porém não tenho remédio senão fazer a vontade aos Leitores Portugueses, e Cristãos, cuja impaciência é agora muito, e muito de louvar, porque talvez já estivessem receosos, de que até em meus Escritos padecesse a Estátua da Fé algum sumiço, que rivalizasse com o próprio, que lhe deram os Pedreiros em 1823... Ódio aos Jesuítas é ódio formal à propagação da Fé, e dos bons princípios Religiosos; e onde quer que lance profundas raízes este ódio, seguir-se há necessariamente o ódio a todos os Símbolos, a todos os Emblemas, e a todas as Figuras, que de algum modo a façam lembrar. Suponhamos, que em todo este Reino se procedia a uma cotação geral sobre estes dois pontos:

1º Deverá levantar-se, e repor-se no seu antigo pedestal a Estátua da Fé?
2º Deverão reestabelecer-se os Jesuítas em Portugal?

Sairão estas duas votações uniformes, ou quase uniformes. Dois milhões, ou a grande maioria dos Portugueses a favor; e o resto, e bem resto contra; e por isso, no meu entender, o objecto da renovação dos Jesuítas, para assim o dizer, compenetra-se com o da Estátua da Fé, para o que me ocorrem certas analogias, que me cumpre tocar, e aproveitar.

Há mais de dois anos, que os Jesuítas foram chamados a Portugal, por Quem tinha sobeja autoridade para dispensar todas as formas, e certas legalidades, com que os Sabichões, ou Jansenistas nos fazem tanta bulha, e nos matam o bichinho do ouvido. Simulam, ou fingem o mais vivo interesse por eles, os que mais entranhadamente aborrecem o seu Instituto; e pode ser, que mostrem cá por fora os mais ardentes, e empenhados, porque se execute a vontade do Soberano, esses próprios, que ocultamente lhes promovem o descrédito, e lhes empecem um asilo, onde mostrem ser, que são ainda uma Comunidade Religiosa. O certo é, que depois de vaguearem por muitos domicílios, conseguem, e não foi sem mistério, um Coleginho, onde existem restirados, e ainda como feridos da antiga maldição, e sem ousarem dizer, ou proferir, o que são actualmente nestes Reinos... Mas que disse eu, movido de uma temerária impaciência de ver os Jesuítas geralmente acatados, e respeitados.... Porventura não são eles já o melhor, que podiam ser, porque são tudo, o que deles queria dispor o mui Alto e mui Religioso Soberano, que já honrou com a sua presença, e com as mais edificantes provas do seu afecto, e cordial interesse pela Santa Religião dos nossos Maiores, a sua nova residência, que foi o berço dos Jesuítas em Portugal? Estão abraçados com o Trono Português, e caindo este, (o que Deus nem por longe mostra querer, antes bem de perto, e como que pelos olhos nos mete o contrário) cairá necessariamente a Fé nestes Reinos. Caindo a Fé, como que se executa neste Reino antecipadamente o Juízo Universal, e os Jesuítas hão de ter um sem número de companheiros, quer seja na morte, quer seja na fugida....

Mui parecidos com este destino dos Jesuítas hão sido os destinos da Estátua da Fé. Grande, e por certo nunca visto, e que parece impróprio de almas grandes é o modo, que os Pedreiros Livres têm à Estátua da Fé.... Se fosse alguma Estátua de Vénus, a mais lúbrica, que adornasse o frontispício de algum Palácio, nem se quer lhes passaria pela imaginação os fazerem-na apiar. Os homens tinha bôjo para causas ainda maiores, como de feito eles tiveram para o transporte, mutilação, e profanação das Imagens dos Santos... porém Estátua da Fé, nem sonhada! A totalidade dos ilustres Preopinantes tinha mais, ou menos com a Estátua da Fé, que lhe desse muito que recear, e que entender. Uns tinham aprendido nos Livros Elementares da universidade de Coimbra, que a Inquisição se devia extinguir, como aposta, que diziam ser, ao espírito de mansidão, que prevalece no Evangelho; e quando já no presente século se adoptou para texto das Prelecções de História Ecclesiástica um novo Compêndio, aí se propinou logo aos Estudantes do primeiro ano Teológico a venenosa frase "O Tribunal horrendo da Inquisição"; outros, e não poucos tinham aparecido nos bancos do Tribunal, dando razão da sua Fé, e explicando-se sobre várias proposições, mais que suspeitas, que lhes tinham escorregado imprevistamente do coração para fora, e não queriam passar outra vez por outra surra do mesmo jaez.... Outros finalmente deram as mãos a estes inimigos da Fé, talvez por julgarem ociosa, e inútil de todo a peleja; porém destes é que eu sempre me queixarei ainda mais amargamente, que dos primeiros, e segundos. Pois há de haver em Portugal um chamado Congresso, (que duvido fosse pior sendo composto de Demónios) há de propor-se a abolição de um Tribunal erecto por Autoridade Apostólica, e aprovado legalmente pelos Senhores Reis de Portugal... dizem à boca cheia os Membros deste Congresso, que são Católicos, que o seu Rei verdadeiro, e Legítimo, é o Senhor D. João VI; há entre os Membros do Congresso muitos Bispos, e muitos Sacerdotes, e depois dos mais caluniosos, e falsos relatórios, que nunca se ouviram neste mundo, bastou a autoridade de um leigo, e bem leigo em tais matérias, e que foi sustido do célebre Inquisidor Castelo-Branco, para que não faltasse nesta Cena, mais que trágica, o decantado - (Tu quoque Brute) e seguiu-se em continente, por unanimidade de votos, a extinção do Tribunal do Santo Ofício!!! Moura ou Argelina foi a decisão de um Califa, que se podia chamar Abukeker, depois do Maomé Fernandes, e que reprovou afinal a Inquisição, por ser uma coisa inútil! Outros que tal conceito haviam merecido ao furibundo sequaz de Mafoma [Maomé] os numerosos Livros da Biblioteca da Alexandria; e bom é que notemos de passagem estes pontos da semelhança entre os Sarracenos do séc. VI, e os do séc. XIX. Inútil chamavam, (e nesse ponto eram coerentes) chamavam, digo, um Tribunal, que o era com efeito para os adiantamentos da Maçonaria, pois em tudo quanto respeita à Venerável Ordem é precioso, que nos sirva como de farol esta observação, tirada como das próprias entranhas do primordial, e nunca desmentido Regimento da Seita. O mundo só é feito para o gozarem plena, franca, e ilimitadamente os Pedreiros Livres. Os que o não forem, isto é, os Profanos, são todos uns Idiotas, uns escravos. Nós, dizem eles à boca cheia, nós é que somos talhados para o governo; tudo quanto se fizer, ou dispuser sem o nosso influxo é ocioso, é inútil, e até prejudicial ao género humano; somos nós, e somente nós a medida do bem, e do mal, e o verdadeiro contraste das acções, que só da sua maior, ou menor tendência para os fins da Seita, é que podem tirar a sua verdadeira moralidade. Toda a hora, todo o posto Militar, toda a autoridade Civil, toda e qualquer dignidade, que se confira a um dos não iniciados na nova Eleusis, está fora do seu lugar, e parece estar gritando por seu dono, isto é, por algum Pedreiro, que as ocupe, e que as desempenhe. Quando exaltamos o bem desta, ou daquela Instituição só temos em vista os progressos da Maçonaria. Liberdade de Imprensa quer dizer, Liberdade somente para nós; que se algum profano tiver a ousadia de querer atribuir a si este nosso inauferível privilégio, e armando-se com ele tentar descobrir os pés de barro, ou as misérias do nosso Grão Mestre, ou Nabuco, será acusado, preso, e posto a tormento, por abusar da Liberdade de Imprensa; que se fosse dos nossos, ainda que blasfemasse de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou canonizasse o próprio adultério, chamando-lhe virtude, ou menoscabasse as mais insignes virtudes Cristãs, havia de conseguir um passe, uma inteira absolvição; e para que nenhum dos meus leitores, ou por esquecido, ou por minimamente favorável ao seu Próximo, entre em alguma suspeita, de que estou a fazer arguições temerárias, e infundadas, aí tem nos Diários do Governo plenamente justificado, e absolvido o Autor do Retrato de Vénus, e lá mesmo encontrará, que os ilustres Jurados de Lisboa eram sobremaneira escrupulosos, e inexoráveis, contra quem havia dado a entender, que o Patriarca da regeneração já se esquecia do tempo, em que fora Sopista dos Frades, a quem nesse tempo (1822) fazia a mais crua guerra.

(continuação, parte b)

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