18/07/15

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (LXXXVII)

(continuação da LXXXVI parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO

Thomas de Kempis

IV Livro
O Augustíssimo Sacramento do Altar


Cap. I
A Extrema Bondade que Jesus Cristo Nos Manifesta Dando-nos o Seu Santo Corpo

1. Cristo – Vinde a mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e eu vos consolarei. O pão que eu vos dera é a minha carne, a qual devo sacrificar pela vida do mundo. Tomai e comei; este é o meu corpo, o qual será entregue por amor de vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu viverei nele. As palavras que vos digo são espírito e vida. 

Alma – Estas Vossas palavras, Ó Jesus, são a verdade eterna, posto que não fossem proferidas em um mesmo tempo nem escritas em um mesmo lugar. Pois que elas são Vossas e são verdadeiras, eu as devi receber com acções de graça e fielmente. Elas são Vossas, porque Vós as proferistes, e também são minhas, porque as dissestes para minha salvação. Como alegria as recebo da Vossa boca, para que se imprimam profundamente no meu coração. Palavras cheias de tanta piedade, de tanta doçura e de tanto amor, elas me estimulam, mas os meus próprios delitos me enchem de temor e a impureza da minha consciência me proíbe de participar de tão grade mistério. A doçura das Vossas palavras me convida a Vos receber, mas o peso e o número dos meus pecados me apartam de Vós.

2. Mandais que chegue a Vós, com confiança, se quero ter parte Convosco, e que receba o alimento da imortalidade, se desejo alcançar uma vida e uma glória que durem para sempre. "Vinde a mim, vós que estais fatigados e oprimidos, e eu vos consolarei."
Ó palavra, a mais doce, a mais amável, que um pecador pode ouvir! Por ela vos dignais, o meu Deus e meu Senhor, convidar o pobre e o necessitado à participação do Vosso corpo santíssimo! Mas, quem sou eu, Senhor para que me chegue a Vós? Toda a imensidade dos Céus não Vos pode conter; e Vós dizeis: "Vinde a mim."

3. Quem pode conceder esta piedosíssima bondade e este amoroso convite?
Como me atreverei a chegar a Vós, eu que não sinto em mim bem algum que possa dar-me confiança bastante para ir a Vós?
Como não temerei fazer-Vos entrar na casa da minha alma, depois de Vos haver ofendido tantas vezes?
Os anjos e os arcanjos Vos reverenciam; os santos e os justos temem a Vossa presença, e Vós dizeis: "Vinde até mim todos."
Quem creria isto, se Vós, Senhor, o não dissésseis? Quem se atreveria a chegar a Vós, se Vós mesmo o não mandásseis?
Noé, que era tão justo, trabalho cem anos na fábrica da arca, a fim de nele salvar-se com poucas pessoas. Como poderia eu preparar-me em uma hora, para receber com reverência na minha alma o criador do Mundo?

4. Moisés, Vosso grande servo e Vosso amigo especial, fez uma arca de madeira incorruptível e cobriu-a de ouro puríssimo, para nela colocar as tábuas da Lei; e eu, que não sou senão uma criatura corrupta, atrever-me-ei a receber na minha alma o próprio legislador e supremo autor da vida?
Salomão, que foi o mais sábio dos reis de Israel, empregou sete anos para edificar um templo magnífico, à glória do Vosso nome; celebrou a sua dedicação pelo espaço de oito dias; ofereceu mil hóstias pacíficas: colocou solenemente a Arca da Aliança no lugar santo que lhe tinha sido preparado, ao som de trombetas e aos gritos de alegria de todo o seu povo. E eu, infeliz, o mais pobre de todos os homens, como Vos introduzirei na minha casa, se apenas posso aplicar a Vós escassa meia hora? Oxalá que, ao menos uma vez, empregasse dignamente esse tempo.

5. Ó meu Deus, quanto trabalharam estes santos para agradar-Vos! Ai de mim, que tão pouco faço e tão pouco tempo gasto em dispor-me para a Santa Comunhão! Raramente me recolho por completo e raríssimas vezes desterro do meu espírito todas as distracções. Seria justo que, na presença da Vossa Majestade, não atendesse eu a pensamentos pecaminosos, pois não é um anjo que devo receber no meu coração, mas o Rei dos anjos.

6. Há uma grandíssima diferença entre a Arca da Aliança, com tudo o que ele continha, e o Vosso Corpo puríssimo, com todas as graças e dons inefáveis de que é revestido. Grandíssima diferença existe entre os sacrifícios da Lei, que não eram mais do que uma figura das maravilhas futuras que devíeis fazer, e a verdadeira hóstia do Vosso Corpo, que vem completar todos os sacrifícios antigos. Porque, pois, não me abraso no Vosso amor, à vista da Vossa adorável presença? Porque não me preparo com mais cuidado para receber os Vossos santos mistérios, considerando quanto os antigos patriarcas, profetas, reis e príncipes mostravam tanta paixão rendendo o culto que Vos é devido?

7. David, o piedoso rei, dançou diante da arca, lembrando-se dos benefícios concedidos antigamente a seus pais; fez diversos instrumentos de música; compôs salmos; ordenou que se cantasse com pela graça do Espírito Santo. Ensinou os filhos de Israel a louvar a Deus, de todo o seu coração, e a aplaudi-lo todos os dias por um era reverenciada com tanta devoção; se houve tanto cuidado de louvar a Deus diante dela, que respeito e que devoção não devo ter eu e todo o povo fiel, quando nos achamos na presença do augustíssimo sacramento ou recebemos o corpo de Jesus Cristo?

8. Muitos correm diversos lugares para visitar as relíquias dos santos, para admirar as acções de suas vidas, contemplar com assombro a grandeza e magnificência de suas igrejas, e beijam os seus ossos sagrados, envoltos em ouro e seda.
E eu Vos vejo, meu Deus, que sois o Santo dos santos, o Criador dos homens, o senhor dos anjos, presente sobre o altar.
Os homens muitas vezes vão às igrejas, chamados pela curiosidade ou pela novidade, e tiram pouco proveito de emenda, principalmente quando nelas entram por motivos tão levianos, sem ser tocados por verdadeira contrição. Esquecem que, no sacramento do altar, estais presente como Deus e como Homem e, quando Vos visitamos dignamente, nos encheis de graças que nos fazem eternamente felizes. Não é um movimento de leviandade, de curiosidade ou de sensualidade que nos atrai a Vós, mas uma fé firme, uma esperança viva e uma caridade sincera.

9. Ó Deus, criador invisível do Mundo, quem não admirará o modo com que procedeis a nosso respeito? Quem pode suficientemente descrever esta doçura e bondade, que tendes com os Vossos escolhidos, aos quais ofereceis como alimento este augusto sacramento? Isto é o que transcende a nossa compreensão. Isto é o que mais atrai as almas que Vos são consagradas e que mais acende os seus afectos. Neste sacramento inefável é que os Vosso fiéis servos, que trabalham, de contínuo, em purificar-se de todos os seus defeitos, recebem a grande graça da devoção e um novo amor da virtude.

10. Ó graça admirável e oculta neste sacramento, conhecida só dos fiéis de Jesus Cristo, mais ignorada dos infiéis e dos escravos do pecado! Este mistério infunde em nossa alma a graça do Espírito Santo; recupera-lhe as forças perdidas; restitui-lhe a formosura que a fealdade do pecado lhe tinha roubado. Esta graça é, algumas vezes, tão abundante e dá ao homem um tão grande fervor de devoção, que não só a sua alma, mas o seu mesmo corpo sente, apesar da sua fraqueza, haver recebido maiores forças.

11. Nós deveríamos sentir e chorar a nossa negligência e tibieza, vendo o pouco fervor com que recebemos a Jesus Cristo, que é toda a esperança e fez todo o merecimento dos Seus escolhidos. Ele é a nossa santidade e a nossa redenção. Ele é a nossa consolação no deserto desta vida, como é no Céu a eterna felicidade dos santos.
Deve, pois, para nós, ser grande motivo de dor ver que tantas pessoas têm tão pouco afecto a este santo mistério, que é a alegria do Céu e a salvação do Universo.
Ó cegueira e dureza do coração humano, que tão pouco atende a um dom tão inefável e que, pelo uso de o receber, se distrai na inadvertência de que o recebe!

12. Se este sacramento fosse celebrado num só lugar e consagrado por um só sacerdote em todo o Mundo, que respeito não teriam os homens por este único sacerdote! E com que ardor não assistiram à celebração dos santos mistérios! Mas o amor de Deus quis que houvesse muitos sacerdotes e Jesus Cristo se oferecesse em muitos lugares, para que se estendesse a comunhão do seu Santo corpo por todo o Mundo.
Graças Vos sejam dadas, ó bom Jesus, pastor eterno, que Vos dignastes sustentar os pobres e desterrados, com o Vosso precioso corpo e o Vosso precioso sangue, e convidar-nos com palavras preferidas por Vossa sagrada boca à participação destes mistérios, dizendo: "Vinde a mim, todos os que estais fatigados e oprimidos, eu vos consolarei."

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