FELICIDADE – A mudança de
significado deste Vocábulo tem causado no mundo maiores males, que a peste.
Tomando-o muitos no significado antigo, têm querido achar a felicidade por meio da desordem,
julgando que este ente, tão buscado e rebuscado pela incontentabilidade humana,
estaria porventura escondido na novidade;
e milhares de ladrões e trapaceiros os confirmaram nesta falsa ideia. A
experiência, todavia, há feito ver, que o que significa o Vocábulo felicidade é ultima ruína e miséria. Quando um
Povo há sido despojado de tudo; quando os Santuários, e Estabelecimentos Públicos hão sofrido o mais completo saque; quando as enormes e contínuas
contribuições hão posto a pedir o afazendado, e lançado a pique o comerciante; quando o lavrador e o
artista hão sido obrigados a trocar o útil manejo da enxada, e da lançadeira
pelo mortífero e homicida da baioneta e da espada; quando a Religião há sido
insultada, e seus Ministros hão sido roubados, perseguidos, caluniados, e
postos no maior desamparo e miséria; quando, finalmente, se hão dado os
mais horrorosos escândalos, há chegado a seu cúmulo a relaxação dos costumes,
hão sido oprimidos os bons e honrados cidadãos, e os tunantes e malsins se hão
apoderado do governo, então é quando a felicidade
republicana está na sua plenitude. A desgraça é, que o horrendo engano
desde Vocábulo vai fazendo, que infinitos Povos corram a esta maldita
felicidade republicana. Zelosíssimos são os Republicanos deste Vocábulo; e o
não querer chamar felicidade à última
ruína e miséria, tem custado a milhares de homens de bem desterros, prisões,
cárceres, e guilhotinas. Apareça um só Povo, uma só Cidade, Vila, ou Cabana,
e diga se há experimentado outra felicidade republicana, que não seja a que
estamos definindo!! Desgraçados daqueles, que por uma vez sequer hão sido
republicanamente felicitados! Quase que é este o único modo de ser feliz.
Sem
embargo, com estes três Vocábulos liberdade,
igualdade, e felicidade se tem feito, e se vai fazendo uma prodigiosa
caçada de pássaros. Na encantada
selva da liberdade está estendida a rede da igualdade,
e por isca (ou negaça) tem posta a felicidade.
Os Patriotas são os pássaros do
reclamo, e as corujas patriotas fazem
também seu papel. A caça tem sido, e continua a ser, copiosa, sobre tudo de
bobos, e toleirões, e não poucas aves de rapina têm caído igualmente na
rede. Até agora ninguém tem encontrado mais felicidade, que a de ter sido
depenado, andar assaltado de tiros, ou ter-se-lhe apertado o pescoço.
(*
Que ideias cheias de indignação se nos não despertam, quando nos recordamos das
promessas de felicidade, que os
Regeneradores de todas as épocas nos tem apregoado?? E por outra parte, que
luctuosos quadros se nos apresentam quando palpamos os males enormíssimos, e
já hoje irremediáveis, que esta peste da felicidade pública tem espalhado neste
malfadado Reino, sem dúvida digno de melhor sorte!! Quem fez que os Portugueses
quebrassem pela primeira vez o laço da unidade moral, e o juramento de
fidelidade ao seu Legitimo Soberano? Foi o fantasma da felicidade. Quem separou as Colónias da Metrópole, causando a ruína
de ambas? A felicidade. Quem estagnou
o Comércio? A felicidade. Quem
accendeu o facho da guerra civil? A felicidade.
Quem fez................... Ah! Suspendemos a pena ao contemplar a aluvião de
males, que, qual torrente arrebatada, não reconhecendo limites, senão os que
ela mesma forma, tem inundado, e continua a inundar este país! Felicidade!... Nome excecrável e
blasfemo, quando proferido pelos liberais!... Fantasma ilusório! Tu és um
veneno pestífero, que tens invadido todas as classes do Estado!! Tu prometeste
aos Povos, que irão ter suas antigas Côrtes, para serem venturosos; e em troca
destas lhes fizestes jurar um Código novo, antes de ser feito, cujas bases,
eram as bases da impiedade, da irreligião, do indiferentismo, e a deslocação geral de todo o Sistema Monárquico,
e Religioso, que por tantos séculos fez de Portugal um país de heróis!... Tu
disseste aos Povos, que tinham direito para eleger seus Procuradores, que na
qualidade de Deputados advogassem a Causa dos seus Constituintes; mas o votos
foram comprados, os Povos nunca tiveram Procuradores, e toda a utilidade
reverteu para eles!... Tu proclamaste a Religião de nossos Pais para vivermos tranquilos na nossa crença; mas bem depressa vimos o 1.º Pastor da Igreja
Lusitana banido, e expatriado só por fazer algumas declarações, e restrições
justas no seu juramento pela integridade da Doutrina Católica, e bem
depressa se seguiu a profanação dos Templos, o aviltamento do Sacerdócio, e não
tardaria a abolição do Culto Católico!! Tu disseste a um Rei pacifico, e
inimigo de sangue, que o melhor meio de viver descansado, e tranquilo no meio
de seus súbditos era concordar com
eles, anuindo às suas propostas, confirmar os decretos do Supremo Congresso, dar amnistias quando eles quisessem, e acrescentaste mais "O Rei é inviolável" e à sombra da frondosa Árvore da
Liberdade, gozaria sem cuidados nem sustos da paz de espírito, da tranquilidade d’alma, e como primeiro Magistrado da Nação teria ocasião de
fazer muita gente feliz, que bem-dissesse o seu nome, chamando-lhe o Pai da Pátria; mas em lugar destas venturas, tu lhe deste a provar do amargoso cálice
dos desgostos, semente da discórdia no meio da Família, armaste o braço Paterno
contra o Filho Inocente, e a Esposa Carinhosa, atormentaste a seu espírito com
revoluções imaginarias, e sonhadas conspirações, e quando pensaste, que era
muito tempo de pôr à luz do dia aquele negocio, que há muito marchava nas
trevas, descarregaste o ultimo golpe sobre uma vítima, que tantos perdões e
amnistias tinha concedido! ... E então disseste "consumou-se a ventura de Portugal". As tuas promessas
são semelhantes às da Serpente, que tentou os nossos Pais no Paraíso: "no dia em
que comerdes da Árvore da Ciência do bem, e do mal, sereis como outros tantos
Deuses, eritis sicut Dii"; mas qual
foi o seu fruto?! A privação dos bens que possuíam, a desgraça, e a morte:
assim tu seduzes os Povos "no dia em que comerdes o fruto da Revolução sereis
outros tantos Deuses, independentes, absolutos, sábios, ilustrados, nobres,
ricos, opulentos, a ninguém subordinados, mandando a todos, eritis sicut Dii!!" Mas apenas os Povos engolem o primeiro pomo
de semelhante árvore, lá se vai o paraíso de delicias, que gozavam, desaparecem
os bens, chovem os males, e a nudez bem depressa substitui o lugar da
opulência!... Felicidade!! Na boca
dos Revolucionários é o mesmo que paraíso na boca do Diabo. E ainda te
atreves, fantasma ilusório, depois
de proscrito, odiado, e anatematisado pela maioria da Nação Portuguesa, a
assomar-te ao seu horizonte?! Embora te apresentes ornado com vestes
imperiais, roçagantes, e qual outra Astrea, trazendo-nos a ventura, a paz, e
fazendo reviver o reino de Saturno; não, tu não iludirás os Portugueses,
demasiado conhecem eles as estranhas de tigre, e as garras de leão, que
ocultas: embora te apresentes com
aspecto medonho e sanhudo, e qual outro Golas saias ao campo para insultar
este segundo Israel de Deus, cá haverá um David, que só com tiro de funda te
derrubará por terra...) D. Tr.
(continuação, III parte)
(continuação, III parte)
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