21/05/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº2 (II)

(continuação da I parte)


FELICIDADE – A mudança de significado deste Vocábulo tem causado no mundo maiores males, que a peste. Tomando-o muitos no significado antigo, têm querido achar a felicidade por meio da desordem, julgando que este ente, tão buscado e rebuscado pela incontentabilidade humana, estaria porventura escondido na novidade; e milhares de ladrões e trapaceiros os confirmaram nesta falsa ideia. A experiência, todavia, há feito ver, que o que significa o Vocábulo felicidade é ultima ruína e miséria. Quando um Povo há sido despojado de tudo; quando os Santuários, e Estabelecimentos Públicos hão sofrido o mais completo saque; quando as enormes e contínuas contribuições hão posto a pedir o afazendado, e lançado a pique o comerciante; quando o lavrador e o artista hão sido obrigados a trocar o útil manejo da enxada, e da lançadeira pelo mortífero e homicida da baioneta e da espada; quando a Religião há sido insultada, e seus Ministros hão sido roubados, perseguidos, caluniados, e postos no maior desamparo e miséria; quando, finalmente, se hão dado os mais horrorosos escândalos, há chegado a seu cúmulo a relaxação dos costumes, hão sido oprimidos os bons e honrados cidadãos, e os tunantes e malsins se hão apoderado do governo, então é quando a felicidade republicana está na sua plenitude. A desgraça é, que o horrendo engano desde Vocábulo vai fazendo, que infinitos Povos corram a esta maldita felicidade republicana. Zelosíssimos são os Republicanos deste Vocábulo; e o não querer chamar felicidade à última ruína e miséria, tem custado a milhares de homens de bem desterros, prisões, cárceres, e guilhotinas. Apareça um só Povo, uma só Cidade, Vila, ou Cabana, e diga se há experimentado outra felicidade republicana, que não seja a que estamos definindo!! Desgraçados daqueles, que por uma vez sequer hão sido republicanamente felicitados! Quase que é este o único modo de ser feliz. 

Sem embargo, com estes três Vocábulos liberdade, igualdade, e felicidade se tem feito, e se vai fazendo uma prodigiosa caçada de pássaros. Na encantada selva da liberdade está estendida a rede da igualdade, e por isca (ou negaça) tem posta a felicidade. Os Patriotas são os pássaros do reclamo, e as corujas patriotas fazem também seu papel. A caça tem sido, e continua a ser, copiosa, sobre tudo de bobos, e toleirões, e não poucas aves de rapina têm caído igualmente na rede. Até agora ninguém tem encontrado mais felicidade, que a de ter sido depenado, andar assaltado de tiros, ou ter-se-lhe apertado o pescoço.

(* Que ideias cheias de indignação se nos não despertam, quando nos recordamos das promessas de felicidade, que os Regeneradores de todas as épocas nos tem apregoado?? E por outra parte, que luctuosos quadros se nos apresentam quando palpamos os males enormíssimos, e já hoje irremediáveis, que esta peste da felicidade pública tem espalhado neste malfadado Reino, sem dúvida digno de melhor sorte!! Quem fez que os Portugueses quebrassem pela primeira vez o laço da unidade moral, e o juramento de fidelidade ao seu Legitimo Soberano? Foi o fantasma da felicidade. Quem separou as Colónias da Metrópole, causando a ruína de ambas? A felicidade. Quem estagnou o Comércio? A felicidade. Quem accendeu o facho da guerra civil? A felicidade. Quem fez................... Ah! Suspendemos a pena ao contemplar a aluvião de males, que, qual torrente arrebatada, não reconhecendo limites, senão os que ela mesma forma, tem inundado, e continua a inundar este país! Felicidade!... Nome excecrável e blasfemo, quando proferido pelos liberais!... Fantasma ilusório! Tu és um veneno pestífero, que tens invadido todas as classes do Estado!! Tu prometeste aos Povos, que irão ter suas antigas Côrtes, para serem venturosos; e em troca destas lhes fizestes jurar um Código novo, antes de ser feito, cujas bases, eram as bases da impiedade, da irreligião, do indiferentismo, e a deslocação geral de todo o Sistema Monárquico, e Religioso, que por tantos séculos fez de Portugal um país de heróis!... Tu disseste aos Povos, que tinham direito para eleger seus Procuradores, que na qualidade de Deputados advogassem a Causa dos seus Constituintes; mas o votos foram comprados, os Povos nunca tiveram Procuradores, e toda a utilidade reverteu para eles!... Tu proclamaste a Religião de nossos Pais para vivermos tranquilos na nossa crença; mas bem depressa vimos o 1.º Pastor da Igreja Lusitana banido, e expatriado só por fazer algumas declarações, e restrições justas no seu juramento pela integridade da Doutrina Católica, e bem depressa se seguiu a profanação dos Templos, o aviltamento do Sacerdócio, e não tardaria a abolição do Culto Católico!! Tu disseste a um Rei pacifico, e inimigo de sangue, que o melhor meio de viver descansado, e tranquilo no meio de seus súbditos era concordar com eles, anuindo às suas propostas, confirmar os decretos do Supremo Congresso, dar amnistias quando eles quisessem, e acrescentaste mais "O Rei é inviolável" e à sombra da frondosa Árvore da Liberdade, gozaria sem cuidados nem sustos da paz de espírito, da tranquilidade d’alma, e como primeiro Magistrado da Nação teria ocasião de fazer muita gente feliz, que bem-dissesse o seu nome, chamando-lhe o Pai da Pátria; mas em lugar destas venturas, tu lhe deste a provar do amargoso cálice dos desgostos, semente da discórdia no meio da Família, armaste o braço Paterno contra o Filho Inocente, e a Esposa Carinhosa, atormentaste a seu espírito com revoluções imaginarias, e sonhadas conspirações, e quando pensaste, que era muito tempo de pôr à luz do dia aquele negocio, que há muito marchava nas trevas, descarregaste o ultimo golpe sobre uma vítima, que tantos perdões e amnistias tinha concedido! ... E então disseste "consumou-se a ventura de Portugal". As tuas promessas são semelhantes às da Serpente, que tentou os nossos Pais no Paraíso: "no dia em que comerdes da Árvore da Ciência do bem, e do mal, sereis como outros tantos Deuses, eritis sicut Dii"; mas qual foi o seu fruto?! A privação dos bens que possuíam, a desgraça, e a morte: assim tu seduzes os Povos "no dia em que comerdes o fruto da Revolução sereis outros tantos Deuses, independentes, absolutos, sábios, ilustrados, nobres, ricos, opulentos, a ninguém subordinados, mandando a todos, eritis sicut Dii!!" Mas apenas os Povos engolem o primeiro pomo de semelhante árvore, lá se vai o paraíso de delicias, que gozavam, desaparecem os bens, chovem os males, e a nudez bem depressa substitui o lugar da opulência!... Felicidade!! Na boca dos Revolucionários é o mesmo que paraíso na boca do Diabo. E ainda te atreves, fantasma ilusório, depois de proscrito, odiado, e anatematisado pela maioria da Nação Portuguesa, a assomar-te ao seu horizonte?! Embora te apresentes ornado com vestes imperiais, roçagantes, e qual outra Astrea, trazendo-nos a ventura, a paz, e fazendo reviver o reino de Saturno; não, tu não iludirás os Portugueses, demasiado conhecem eles as estranhas de tigre, e as garras de leão, que ocultas:  embora te apresentes com aspecto medonho e sanhudo, e qual outro Golas saias ao campo para insultar este segundo Israel de Deus, cá haverá um David, que só com tiro de funda te derrubará por terra...) D. Tr.

(continuação, III parte)

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