10/12/14

CONTRA-MINA Nº 42: Reconhecimento a D. Miguel I Dado Pelo Papa Gregório XVI (II)

(continuação da I parte)

Nada há mais frequente, e vulgar nas Escolas maiores, e menores, do que repreender a nimia influência, que os Papas tiveram por muitos séculos no Estado político, e temporal das Nações Europeias, e haverá mui poucos mancebos instruídos, que não saibam de cór as virulentas declamações do Abade Millot, e do Abade Ducreux, (ambos postos em linguagem [vernáculo], e ambos corrumptores da mocidade, e neste particular muito mais o primeiro do que o segundo) declamações, digo, contra os chamados excessos dos Sumos Pontífices. Ora se estes, como os homens mais atilados, e mais sábios do seu tempo, foram muitas vezes constituídos árbitros das discórdias entre os Reis, e os Povos, ou de uns com outros Povos, e faziam uma espécie de Tribunal, a que eram chamados os negócios [assuntos] mais árduos daquele tempo; se há testemunhos irrefragáveis do que os próprios Reis desentronizados lhes reconheciam essa Autoridade Política, e Civil, para que é condená-los de que usassem de Poderes, que ninguém lhes disputava, e que todo o Mundo Cristão lhes conferia? Suponha-se embora, que foi abuso intolerável, que houve algum excesso ou demasia; porém é de justiça absolver os homens, e condenar meramente o século, quem tais coisas sucederam, ou se praticara; vou falando em suposição, e nunca decido o que não e pertence decidir; mas para atordoar os Sabichões Portugueses é necessário, que eu lhes diga, que a própria matéria dos seus risos, dos seus escárnios, e dos seus motejos, não o é para isso na opinião de um dos maiores Sábios modernos; e daqui vem, que nesses pontos de Autoridade, e Jurisdição Pontifícia é lícito, que eu chame hóspedes aos tais Sabichões. Que dirão eles, caso eu me pusesse a defender, como justa, e hem para desejar, a antiga primazia dos Sumos Pontífices sobre o temporal dos Reis?..... Aí me deitavam fogo por mil partes, brindado-me, na forma do seu antigo costume, com uma boa porção de nomes afrontosíssimos. Pois desde já lhes recomendo, que lancem fogo, e chamem toda a casta de nomes injuriosos ao grande Leibnitz, que não era Ultramontano, e que era Protestante. Reconhece este Sábio, que era ultilíssimo o restabelecimento da antiga Autoridade do Papa. Assim o diz na segunda Carta a Mr. Grimaressa (Tomo 5º das suas Obras pág. 65) pelo teor seguinte:

"Tenho lido alguma coisa do projecto de Mr. de S. Pierre, para manter uma paz perpétua na Europa. Lembro-me da divisa de um Cemitério, que consistia nestas palavras, "Pax perpetua" porque os mortos não têm bulhas, porém os vivos são de outros humores, e mais poderosos, e por isso não fazem grande caso dos Tribunais; seria necessário pois que todos esses Senhores dessem uma fiança Cavalheira, ou depositassem no Banco do Tribunal, o Rei de França, por exemplo, cem milhões de escudos, e o Rei de Grã-Bretanha à proporção, para que as Sentenças do Tribunal pudessem executar-se à sua custa, no caso de serem refractários....
Lembro-me de um Discurso neste sentido, e queira que Luzerna na Suíça fosse o assento do Tribunal. Quanto a mim sigo o voto de o estabelecer: mesmo em Roma, e de fazer o Papa seu Presidente, assim como outrora ele fazia o papel de Juiz entre os Príncipes Cristãos."

Agora pergunto eu; acaso endoideceria o Emulo de Newton? Por certo que não endoideceu. Esta qualificação pertence in solidum a outra casta de homens; e por ser a mais branda, e menos lesiva, que outras e verdadeiras, é um grande favor para certos miseráveis tarelos, que ainda em mantilhas da infância literária desdenham do Papa, contestam-lhe as suas essenciais prerrogativas, e fazem gala de aborrecer, e deprimir, quanto neles é, o próprio, do qual em outras circunstâncias se dizem respeitosos, e obedientes filhos....

D. Miguel I
Mas para que me demoro eu tanto nestas vindícias da Autoridade dos Papas, chegando a enfurecer-me, e talvez a descomedir-me.... Já me reporto, e voltando a princípios, ou ideias moderadas, que têm às vezes seu cabimento, direi com toda a franqueza, que os Pedreiros Livres deste Reino têm sido, nomeadamente desde Abril de 182[8?], até 29 de Setembro de 1831, (nada menos, que três anos sólidos com seus pozinhos por cima) uns incensáveis apregoadores da Suprema Autoridade Pontifícia. Como se demorava o Reconhecimento do Senhor D. MIGUEL I, e parecia estar ainda mui distante, não havia para eles um proceder, nem mais arrassoado, nem que mais lhe enchesse as medidas; neste caso, e só nesse caso tinha Poderes politicos ilimitados, e como Vigário de Jesus Cristo, e Soberano de Roma pesava tanto na balança para excluir o denominado intruso na Coroa destes Reinos, como para firmar cada vez mais o Trono da Senhora D. Maria da Glória. Era um gosto ver os Diabos feitos prégadores! E com efeito, quem poderia conter uma gargalhada de riso, ao ler numa parede do inferior, ou da primeira Sala de uma Estalagem nas vizinhanças do Porto.. esta legenda:

"O Senhor D. MIGUEL não é Rei, porque o Sumo Pontífice não quer que ele o seja, e já mandou excomungar todos os Bispos do Reino, que lhe pagassem Contribuições."

Apaguei esta inscrição, por ser daquelas, que nem Grutero, nem Muratori queriam aproveitar; e só notei, que os arestos da Seita se endereçavam nesse tempo (1830) a seduzir o Povo. Já neste intuito fizeram vincular uma chamada Bula do Santo Padre Leão XII em 1829, que é a obra prima do delírio, e da impostura; e que logo em seu frontispício mostrava ser ficção armada, por quem não sabia os estilos da Cúria Romana; porém como tudo lhes serve para os seus fins, assim mesmo a enviaram a muitos Párocos das Aldeias, talvez na esperança de os intimidarem, caso os não pudessem convencer.

Depois pois de um golpe, e desfizeram-se completamente as armadilhas Pedreirais pela decisão do Santo Padre Gregório XVI, e desapareceu por uma vez toda a incerteza, que muito afligia, e inquietava os leais Portugueses, que jactando-se mais de serem Cristãos, que de outro qualquer de seus predicados, ou ingénitos, ou adquiridos, nenhum Reconhecimento consideraram mais valioso do que este, e por isso nenhum outro como este desejavam com tanto ardor, e impaciência. E desanimariam acaso os Pedreiros Livres com este inopinado revéz? Mudariam de linguagem, ou emudeceram para sempre, como deviam fazer, caso tivessem honra, e vergonha? Não costumam ser homens, que se intimidem de quanto seja mentir, e caluniar. Seja embora a mentira demarcada, e palpável, seja a calúnia não só inverosímil, mas até repugnante, e das que envolvem contradição manifesta, de tudo se aproveitam, e a tudo isto recorrem, não tanto para destruir, como para escurecer a própria verdade claríssima, e indestrutível.

(continuação, III parte)

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