20/11/14

DO CONDE D. HENRIQUE - por D. Fr. Fortunato de S. Boaventura (III)

Bandeira de D. Henrique
(continuação da II parte)

IX

Do PROGRESSO histórico da presente questão facilmente se deduz, que os próprios André Duchesne e os irmãos Sammartanos, assim como os autores da Arte de Verificar as Datas, conheceram muito a fraqueza, e o lado acessível e desguarnecido, que mais cedo, ou mais tarde facilitaria o exame, e conseguintemente a derrota dos seus juízos e pareceres. Notemos pois alguma parte dos esforços e diligências, que eles fizeram para sustentar e corroborar uma opinião, que saíra tão defeituosa das mãos do seu primeiro defensor. Querendo eles dar ao Príncipe D. Henrique, tiveram de recorrer aos autores quase coevos; porém de que maneira o executaram? André Duchesne cita o monge de Evreull Orderico Vital, e dele transcreve as seguintes palavras. "Henricus vero quiprimogenitus erat (Roberti) Hungonem et Odonem genuit, sed ante Patrem suum obiit (1)." Tems pois dois filhos do Príncipe Henrique, a saber, Odo e Hugo, o que não exclui outros: porém eu recorrendo à fonte, ou à história de Orderico Vital, publicada pelo próprio André Duchesne, acho estas outras palavras: "Henricus primogenitus ejus, ipso (Roberto) jubenteuxorem duxit, ex qua filio tres Hugonem e Odonem atque Robertum Lingonensem Episcopum genuit. (2)"

Determina o próprio historiador o número dos filhos do Príncipe Henrique, e é óbvia a discrepância entre os dois textos alegados; e já se apalpa que a ingerência de um quarto filho tem gravíssimo impedimento. Ao mesmo passo fazia-se necessário, que estes genealogistas franceses se desembaraçassem da autoridade de D. Rodrigo Ximenes, Arcebispo de Toledo, que chama o nosso Conde D. Henrique primo co-irmão de Raimundo Conde de Galiza; e como dispõem eles a verificação deste parentesco? André Duchesne, na sua história dos reis, duques e condes de Borgonha, confessa ignorar o nome da mulher de Henrique, filho do Roberto, primeiro Duque de Borgonha; e os mais, ou Sammartanos, laboravam na mesma incerteza. Apareceu então, e bem a propósito de acudir a estes homens aflitos e perplexos uma breve memória tirada de um calendário da igreja de Besançon, na qual se lia que Sibila, mãe do Duque de Borgonha dera um manso, ou passal à igreja daquela cidade; e apesar de que ainda então se ignorava o nome da mulher de Odo I (3) e apenas fundados em que mãe de duque vem a dizer senhora, que não chegou a ser duquesa, supuseram que esta Sibila foi a mulher do Príncipe Henrique, a mão de dois duques de Borgonha e do nosso D. Henrique, o que todavia ficou tão mal seguro, que os adicionadores da história genealógica da Casa Real de França apontaram, que Orderico Vital chamara Sibila à mulher de Odo I. (4) Vejamos porém qual é o fundamento, em que se apoia a certeza, de que a mulher de Odo I não se chamava Sibila, porém Mafalda, ou Matilde. Já tinha chamado Sibila à mulher de Odo I; porém uma carta que de Beaume foi escrita a Mr. Rob, morador em Chalons, e que trazia a data de 3 de Fevereiro de 1628, o fez mudar de opinião, e lhe deu toda a certeza de que a Sibila mãe do Duque de Borgonha era sem questão a mãe dos duques Hugo, Odo e do nosso D. Henrique. (5) Tratando-se de coisas de Portugal basta que apareça uma carta do séc. XVII para levar ao último ponto de evidência um sucesso do século XI! Bem sei que é mais fácil de provar pelo contexto de Orderico Vital, que a esposa de Odo I era filha de Guilherme, 2º do nome e Conde de Borgonha, do que fixar-se-lhe com toda a certeza o seu nome. Sou tão sincero, que não ocultarei, que as tradições de Claraval, e até documentos, que é desnecessário citar, dão o nome de Matilde à mulher de Odo I; mas que contradição há, para que a mesma pessoa tivesse dois e mais nomes? O próprio André Duchesne refere muitos exemplos disto, e a própria história genealógica de França quando trata da mulher de Raimundo I de Borgonha, e mãe da chamada Sibila confessou, que se chamara umas vezes Adelaide, outras Judite de Normandia. (6) Apesar de todas estas concessões digo e afirmo que houve duques na Borgonha, antes que o Rei de França Roberto, o devoto, se apoderasse deste ducado, e o entregasse a seu filho Roberto; e quem nos assegura, que a tal Sibila benfeitora da Catedral de Besançon não fosse mulher ou mãe de algum dos mais antigos duques de Borgonha?

X

Vencida a maior dificuldade surdiu logo outra, que mais se ocultou, do que se desvaneceu até hoje, e vem a ser esta. Se a mulher do Príncipe Henrique era filha de Raimundo I, também era irmã de Guilherme, o cabeça atrevida; e se uma filha deste, ou Matilde de Borgonha, foi mulher do Duque Odo, segue-se necessariamente, que este duque teve por esposa uma sua prima co-irmã, o que naqueles tempos, e ainda em grau muito mais remoto seria impraticável. Segundo o testemunho de Orderico Vital (diz o próprio Duchesne) a mulher do duque Odo era filha de Guilherme (o cabeça atrevida) "no que parece todavia haver contradição, pois neste caso teria por mulher uma prima co-irmã. Talvez Orderico Vital confundisse com esta a aliança do Príncipe Henrique seu pai, ou então esse Guilherme era outro diferente daquele, que, usando do mesmo nome, governava a Borgonha (1)." Vemos pois nesta confissão do reu alguma coisa de que adiante se poderá usar em grande proveito da nossa causa, e ou se há de renunciar o testemunho de um autor quase coevo e de grande autoridade, ou por esse lado não faz fortuna o excogitado arbítrio, para conciliar o texto do Arcebispo de Toledo com a opinião de Godofredo.

XI

Faltava-lhe ainda outro, e não pequeno embaraço, qual era o não aparecer o nome do nosso Conde D. Henrique nos antigos documentos das suas Borgonhas, que não só andam espalhados na Gallia Christiana e nas colecções dos Maurianos Achery, Martenn e Durand, mas também reunidos na obra francesa intitulada Colecção de Muitos Documentos Curiosos que Podem Servir de Subsídios Para  a História de Borgonha; e como efeito parece incrível que em tantos centros de escrituras e doações, nem vestígios se descobrissem de um príncipe da Casa Ducal de Borgonha, que antes de sair para a hespanha forçosamente deveria assistir a muitos actos públicos, e confirmá-los, segundo era usual nestes tempos, caso fosse verdadeira essa origem. Mas porque arte desatariam os adicionadores da história genealógica de França este nó, que sobremaneira os incomodava e afligia? Supõe o nosso D. Henrique em Dijon pelos anos de 1102, pois (dizem eles) é certo que (o Conde de Portugal) residia em Dijon em 1102, porque assinou a carta, que seu irmão mais velho o Duque Odo expediu em favor da Abadia de S. Benigno da própria cidade, antes de partir para a Terra Santa, e citam à margem a colecção de Perard, páginas 204. Felizmente apareceu na biblioteca pública desta cidade de Lisboa a colecção de Perard (2), que foi avidamente consultada a página 204, onde termina a sobredita doação do Duque de Odo, e onde lemos:

"Ego Odo Dux Burgundiae hanc cartam signo et confirmo, et filiis, et fidelibus meis signandam trado, S. Hugonis filii mei,signum Herici filii mei". Fiquei assombrado da manifesta cavilhação com que se mudou o filli para fratris, e desde então fiquei mais propenso que nunca a duvidar, que o nosso Conde D. Henrique descendesse da Casa de Borgonha Ducado; porque sendo assim, apareceria mais de uma vez a sua assinatura nas doações de seu pai, de seu avô, e de seu irmão, o que está bem longe de acontecer, pois folheando-se toda a colecção de Perard, e sendo fácil descobrir nela toda a certeza da existência dos três filhos do Príncipe henrique nomeados por Orderico Vital, nem sequer indícios mui leves se encontraram de ter havido um quarto filho chamado Henrique.

XII

Também lhes fazia embaraço, que falecendo o Príncipe Hugo, primeiro filho do Duque Roberto, alguma coisa mais tarde, e já na declinação do séc. XI, e sendo natural, que o Príncipe Henrique só depois da morte de seu irmão mais velho contraísse matrimónio, o que fazia aparecer outro Henrique
 de mui verdes anos para militar debaixo das bandeiras do rei castelhano, e conseguir pelo seu esforço e larga série de acções de valor a soberania de Portugal, moveram-se destas razões para nos darem o Príncipe Hugo por morto em 1057, e o nosso D. Henrique nascido em 1060, que é prazo curto, porém admissível; onde porém é necessário concluir, que o primeiro soberano de Portugal morreu na força da idade, ou de 52 anos, o que tem contra si o uniforme testemunho das nossas crónicas. A este inconveniente sucedia outro maior e mais digno de atenção. Prova-se por documento autêntico (3) do ano de 1059, que neste ano o Príncipe Hugo assistiu em Reims à pomposa cerimónia da sagração do Rei Filipe I, o que forçosamente nos leva a fixarmos a época do matrimónio do Príncipe Henrique em 1060, e conseguintemente se faz incrível, que o nosso D. Henrique, ou quarto filho, nascesse no próprio ano primeiro deste matrimónio, excepto se os meus adversários mostrarem, que o primeiro parto de Sibila de Borgonha foi extraordinário, e fora do andamento das gerações humanas. E como se desembaraçam eles deste novo impedimento? Dizem que por equivocação foi substituído o nome de Hugo ao de Henrique; e fundando-se numa crónica anónima antecipam dois anos a morte do Príncipe Hugo, referindo-a a 1057!

(continuação, IV parte)

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