"Quando Deus criou o mar, diz a Divina Escritura que as águas andavam sobre a terra, e que depois as juntou num lugar a que chamou "mar", que é uma profundidade e abismo que quase não tem fundo. Assim havemos de entender quantas as graças gratis datas, que andam derramadas por todos os Santo e Anjos e juntou Deus na Virgem Maria. E porque entre estas há duas que são fazer milagres, e dar saúde, S. Damasceno a chama mar e abismo de milagres. Abyssus miraculorum. E André, Cresente a chama obradora de milagres, com poder que senão pode perder. Esta excelência confirmam todos os milagres, que em todo o tempo por sua intercessão Deus fez, mas quando hajam começando, agora o declaramos.
Que antes da Encarnação do Filho de Deus, a Virgem fizesse milagres, nem as histórias o escrevem, nem se acha razão para o afirmar, nem naquele tempo parece acomodado para se fazerem, pois não eram necessários para confirmação da doutrina, nem manifestação de sua santidade, como disse S. Tomás, e o mesmo se pode dizer do tempo que correu desde a Encarnação até à Ascenção de Cristo. E se por ventura fez alguns, não os sabemos, mas depois da Ascenção de Cristo até à sua morte, em quanto vivia em carne mortal, mui verosímil é que fizesse muitos e muito grandes milagres, porque ainda que ela não tinha ofício de pregar, como os Apóstolos, e não os fizesse para confirmação de sua doutrina, todavia eram para grande bem e acrescentamento da igreja, e para ser conhecida por mãe de Deus, e desta opinião é Alberto Magno e S. António, e Rupeto: e Pelbarto diz que S. Hermano e outros santos afirmam que vivendo fez muitos milagres, curando muitos enfermos, e deitando demónios, e ressuscitando três mortos, e que três presos que levavam a padecer chamando por ela, se quebraram as prisões, e os que os queriam prender ficaram cegos: e entre todos estes se deve contar por muito principal o que a Rainha dos Anjos fez sendo trazida por eles à cidade de Saragoça, que nela se fizesse uma Igreja que ainda hoje se chama do Pilar em que ela, apareceu.
O outro tempo que é da gloriosa Assumpção todo está cheio de milagres, porque assim como em todos os quatro tempos do ano Deus manda Sol, rossio, e chuva para fertilizar terras, assim em todos os tempos Deus manda à terra contínuos milagres obrados por intercessão de N. Senhora, para com eles se encher a Igreja de bens temporais e espirituais. Quando começaram os que ela quis obrar por virtude do Rosário, os autores que deles efectuaram o dizem, e no discurso desta história o veremos, que foi o tempo em que o Padre S. Domingos renovou esta santíssima devoção, como já na primeira parte dissemos. Mas de quanto crédito se lhes deva dar, agora o declararemos." (Historia dos Milagres do Rosario da Virgem nossa Senhora; Lisboa, 1617)
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