02/09/14

PORTUGAL [1832], NECESSARIAMENTE ANTILIBERAL (I)

RECOMPILAÇÃO DE ALGUNS ARTIGOS DA GAZETA DE LISBOA SOBRE O ESTADO MORAL DE PORTUGAL RELATIVAMENTE À EXPEDIÇÃO DOS REBELDES E SEUS CHEFES NAS ILHAS DOS AÇORES

(Lisboa, 1832)

D. Miguel I, o Tradicionalista
"Na Gazeta de 9 de Janeiro desde ano publicámos um artigo sobre o temerário arrojo da projectada Expedição dos rebeldes, ao qual remetemos os nossos leitores. Aquele artigo não se fundava em conjecturas, fundava-se em factos. Contra a evidencia destes não há poder humano, que possa resistir. Toda a sofistica dos revolucionários fica por eles desbaratada, e a sua impostura das sugestões dos inimigos da ordem pública, cai por à vista dos mesmos factos.

Naquele importante Artigo não fizemos todavia a comparação do estado, em que se achava o Reino de Portugal, quando rebentou a rebelião do Porto, com aquele, em que se acha o mesmo Reino neste presente ano [1832]. Esta comparação é bastantemente importante para deixarmos de a fazer neste momento.

No principio do ano de 1828 a facção, que hoje se acha nos Açores, tendo usurpado as antigas liberdades da "nação" [entenda-se "Reino", aspas minhas], e postergado todos os direitos da legitimidade, e da honra "nacional" [aspas minhas], havia chegado ao maior auge do poder, que tinha dito desde a primeira revolução de 1820. Aquela facção, depois de hum diluvio de deligações dos Oficias do Exercito, dos quais desconfiava que seguirão a Causa da "nação" [entenda-se "Reino", aspas minhas], e da Legitimidade d’ElRei Nosso Senhor, e de os ter substituído por outros inteiramente dependentes daquela usurpação estrangeira, e de vergonhosa submissão de Portugal a uma sua antiga Colónia; aquela facção, depois de ter desarmado parte da Guarda Real da Policia em Lisboa, e de a ter extinguido no Porto, dispondo de Militares criados nas oscilações civis, de que Portugal foi o teatro, pôde conseguir em Maio daquele ano levar à revolta de doze mil soldados iludidos; aquela facção organizou em Porto hum Governo rebelde, ocupou pelas armas alguma Províncias do Reino, sublevou-se militarmente no Algarve, e dispôs de imensos recursos para obstar à declaração dos Três Estados do Reino sobre a aplicação das Leis Fundamentais da Monarquia, pelas quais se devolvera de Direito a Coroa destes Reinos a ElRei Nosso Senhor o Senhor D. Miguel, desde a deplorável morte do Senhor D. João VI. Mas quais foram os resultados daquele grade poder, que a facção militar usurpadora desenvolveu em Maio de 1828 contra o voto unânime da Nação? Foi a a sua aniquilação, e ruína. Os seus maiores recursos de nada valeram aos faccioso: não eram senhores nem do terrenos que pisavam; por toda a parte, perseguidos pela pequena porção do Exercito fiel, e pela massa da Nação em armas, foram em todos os pontos repelidos, esmagados, e obrigados a desaparecer espavoridos com seus Chefes, e a irem mendigar asilo em países estrangeiros.

Nem os seus recursos, nem a impressão amoral, que podia causar a saída de Portugal, dos Representantes de todos os Governos da Europa, nem o receio de uma guerra extrema, nem as dificuldades, em que os sistema devastador da revolução tinha colocado o Governo de Sua Majestade, tiveram a menor influencia no espírito nacional.

ElRei Nosso Senhor assentou-Se no solido Trono de Seus Augustos Antepassados, aonde a legitimidade O chamava para restaurar a liberdade da Pátria. A Nação sacudido o vergonhoso jugo de uma facção, que, dizendo-se Portuguesa, tinha pretendido sujeita-la ao jugo estrangeiro de uma sua Colónia, separada da Mãe Pátria; e constituída em Potência independente, a "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas] sacudiu o jugo da maior oligarquia, que se tem visto.

Volvamos agora a nossa atenção, e a do Publico para a diferente situação, em que se acha o Reino neste ano de 1832, comparada com a de 1828.

O Exercito fiel combateu victoriosamente aquela facção revolucionaria em 1828. Quinze mil homens de Tropa de Linha tem entrado de novo nas fileiras desde aquele ano, os quais, ao mesmo tempo que tem a melhor disciplina, estão criados na escola da legitimidade, e da honra. A brilhantíssima, e fiel Guarda Real da Policia, que em 28 estava desarmada, está hoje levada a três mil homens de todas as armas. Em 28 não havia só Voluntário Realista, e neste momento há cinquenta e dois Batalhões destes valentes, e briosos Soldados, que compõem uma força de mais de trinta mil homens.

O Exercito, que em 1828 estava cheio de Oficias votados ao partido revolucionário, está hoje expurgado daqueles horríveis elementos de anarquia, e de desordem, tendo sido substituídos por Oficias brioso, decididamente Realistas, identificados com os interesses do Trono, e da independência da Nação.

Finalmente, oitenta e dois mil homens estão preparados, e decididos para sustentar a sua Religião, os seu Monarca, e a independência, e a honra da Nação. Os Povos estão preparados para se sublevarem em massa contra as pretensões da impiedade, e da anarquia.

Em 1828 os nossos inimigos estavam no maior auge do seu poder, e achavam-se no nosso território; hoje acham-se fóra dele. A diferença da sua situação de hoje para aquela, em que estão se achavam, é tão pronunciada que não nos demoraremos em a demonstrar mais. Se pois, naquele momento, eles foram completamente derrotados, qual deverá ser a sorte infalível que os espera neste ano de 1832, não possuindo nem os mesmo elementos, nem os meus recursos, que então tinham? As dificuldades para o seu desembarque são extremas. Hum desembarque em hum País inimigo é de todas as operações da guerra uma das mais perigosas, e difíceis.

Ainda mesmo (o que seria a sua inteira ruína) que hum dos Navios dos rebeldes tentasse, e conseguisse entrar no Tejo, quais seriam os resultados? O mais que poderia fazer era botar algum muro velho abaixo, e depois ir para o fundo metido a pique pelas balas das nossas Fortalezas. É necessário que toda essa gente se desengane que os estragos, que todas as Esquadras do Mundo pudessem fazer em Lisboa ao pé das praias, não equivaliam à terça parte das perdas, e estragos que fez o terramoto de 1755; e por esses estragos não perdemos a independência nacional, antes Lisboa renasceu de suas cinzas mais brilhante, e majestosa do que dantes fôra. Os mais Navios não andam por terra, e as balas deles podem assustar algum timorato; mas aterra uma Nação, que pugna pela sua Religião, pelo seu Soberano Legitimo, pela sua honra, e independência, isso não podem de certo fazer os Navios do inimigo.

Para sustentarmos a independência nacional arrasámos as nossas Províncias todas, o Reino inteiro; e apesar de todo ocupado pelos franceses, o resultado foi o do mais completo triunfo, o da independência da Nação. Longe de perdemos a nossa Liberdade a recuperámos, e arrojámos o formidável inimigo para fora do nosso território.

No tempo do Senhor D. João I Lisboa este cercada; no Tejo deram-se batalhas navais. Hum enorme partido dissidente, e rebelde estava por parte do inimigo, o Reino invalido, mas qual foi o resultado? Foi o do mais completo triunfo, foi o de consolidar-se o Trono daquele grande Rei, e libertar-se a Nação do jugo de uma Princesa, posto que nascida Portuguesa, declarada pelas Cortes de Coimbra de 1385 inábil para reinar, por ter caso com Príncipe Estrangeiro, e pelos motivos, e fundamentos sustentados no Assento dos Três Estados daquele tempo. A ocupação de Lisboa, as Esquadras do Tejo, as Provincianas invadidas pelo Exercito inimigo servirão só para excitar mais nos Portugueses o seu constante amor pelos seus Soberanos Legítimos, e pela sua independência. Batalhar, e vencer, foi o grito universal = Batalhou-se, e venceu-se.

Naquela época não havia nem os recursos, nem as forças, nem a consolidação de poder, que ElRei Nosso Senhor, e a Nação sobre que impera, possuem hoje. A causa de então era de menos importância, e de menor pormenor, e a honra "nacional" [leia-se "pátria" - aspas minhas] do que a de hoje. Então eram só as pretensões de uma Princesa nascida Portuguesa, filha de um Rei Legitimo de Portugal, que pretendia suceder na Coroa. Não pretendia mudar a Religião do País, não pretendia mudar as suas Instituições, os seus costumes; hoje é uma facção de degenerados Portugueses, que não satisfeitos com as jamais vistas calamidades, que desde 1820 tem causado ao seu País, vem trazer-lhe guerra civil, insultar a Religião, extinguir o Clero, extinguir a Nobreza hereditária, usurpar os empregos dos homens fieis, derrubar as Instituições venerandas de mais de seis séculos de gloria, fazer pesar sobre a Nação o pagamento de enormíssimas somas de milhões, que tem empregado desde 1828 para dilacerarem a sua Pátria; é uma Facção que, odiando a gloria e honra da Nação, mudou as Bandeiras, o Pavilhão Português, com o qual fizemos tremer a África, a Ásia, e América; é uma Facção tão anti-nacional, que substitui aquele Estandarte sempre vencedor, sempre glorioso por outro que, não sendo Português, é o da Rebelião; e não contente com todos estes execrandos atentados, conhecendo a sua fraqueza, conhecendo o ódio, em que a Nação a tem, vai mendigar uns poucos de Estrangeiros mercenários, para os ajudar na sacrílega empresa de invadirem a Pátria, que teve o infortúnio de lhes dar o berço, para a sepultarem em hum abismo de males, se conseguissem por momentos escravizar o mais pequeno ponto do Reino.

Mas este será o seu ultimo esforço, e por certo a sua mais completa ruína. A Nação Portuguesa defende hum Rei, que Longe de ter feito à sua Pátria; longe de a ter privado da mais rica das suas Possessões; longe de ter pretendido os Embaixadores d’ElRei Seu Pai; longe de ter mandado expulsar do território, onde flutuavam as Quinas Portuguesas, pela mais gloriosa das Conquistas, os bravos Soldados Portugueses descendentes daqueles, que as tinham adquirido para a Coroa de Portugal; longe de lhe ter aprezado os seus Navios, confiscado propriedades, diremos, a Nação Portuguesa defende hum Rei, que longe de ter feito a guerra ao Seu País, libertou Seu Augusto pai, e a Monarquia da escravidão da sacrilega, e democrática Facção Revolucionaria; defende hum Soberano, que depois de ter dado tantas provas à "nação" [entenda-se "Reino" - aspas minhas] de quando Se preza de ser Descendente de tanto Reis, que defenderão a sua Religião e liberdades, declara à face do Mundo no Seu Incomparável Manifesto de 28 de Março passado que, se por uma parte jamais aceitaria, uma Coroa, que não lhe pertencesse por Direito, pela outra também jamais renunciaria ao nobre orgulho de pertencer à Nação Portuguesa. A Nação Portuguesa finalmente defende a causa da sua Religião, da sua honra ofendida, e a da sua independência. A causa é a mais sagrada que tem existido desde o principio da Monarquia: o triunfo é indubitável.

(continuação, II parte)

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