09/09/14

O LIBERALISMO DESENVOLVIDO (II)

(continuação da I parte)

Os Representantes da "nação" [entenda-se "Reino"], quero dizer: os verdadeiros constitucionais, os organizadores do divinal Sistema Constitucional: estes homens ilustrados, em cujas luzes, saber, e probidade, toda a nação tem posto a sua confiança; estes homens, digo, estabelecem a Religião Santíssima de nossos avoengos, por base fundamental da grande obra em que se acham empenhados; e bem a palavra não é dita, eis que aparece uma corja de patifes com a mascara de liberais, embrulhados ao mesmo tempo na asseada capa de constitucionais , e começam a invectivar contra tudo aquilo, que diz respeito a esta divina Religião! Que nome se há de dar a isto? Não merecem todos que se lhe aplique o récipe genebrense "seja castigado, seja banido"? Ámen.

[Comentário Ascendens: nesta altura ainda muitos não se tinham dado conta do problema do constitucionalismo, e começam a perceber gradualmente com o intento dos liberais. O conceito "nação", era uma moda no exterior, e que sem querer foi lentamente introduzida pela necessidade de designar os outros estados que se sobrepunham aos Reinos que ocupavam; conceito largamente difundido pelos republicanos e liberais. Portanto estamos perante um texto de transição.]

Que não merecem esses desastrosos pregadores do indiferentismo, esses descarados apóstolos da tolerância, que pretendem abrir o Céu a todo o mundo com as perras e ferrugentas chaves de uma filosofia insana; berrando estouvadamente pela indiferença das Religiões, pela anti-politica, anti-religiosa, anti-constitucional tolerância dos cultos? Que merecem se não o récipe do Genebrense "sejam banidos sejam castigados"? Ámen.

[Comentário Ascendens: este indiferentismo, também condenado pela Igreja na voz dos Papas, também foi conhecido por "tolerantismo"].

Que depravados! Que pretendeis vós? Quereis fazer aquilo, que Deus não quer, nem pode consentir! Belial pode por ventura estar debaixo do mesmo tecto com o Deus saníssimo de nossos Pais? Quereis casar o erro com a verdade? Poderá Deus ser honrado por duas coisas, que reciprocamente se destroem? Quereis admitir mais do que uma Religião, aonde se não admite mais do que um Deus?

[Comentário Ascendens: pode o leitor de hoje interpretar mal a última frase. Nela o autor não faz apologia de que na verdadeira Religião haja mais que um Deus; quer ele salientar o erro junto com o absurdo de quererem verdadeira mais que uma religião ao mesmo tempo que sabem que nelas não se admite mais que a possibilidade de existência de um único Deus verdadeiro.]

Já ninguém duvida que o vosso maligno intento, é descatolisar os portugueses, e levá-los pela tolerância de todos os cultos, a ficarem por fim sem culto nenhum. Mas que impiedade não é, abusar tão desumanamente da fraqueza do homem, armando-lhe iscos para o fazer eternamente, e temporalmente desgraçado! E não é isto suscitar um cisma? Não é isto chamar os povos à anarquia, e à desgraça, ao mesmo tempo que se está trabalhando na sua regeneração politica? Que é pois o que isto merece, se não o récipe do genebrense " sejam castigados, sejam banidos"? Ámen. Ouvi ainda perversos, ouvi uma lição daquele doutor, cuja autoridade vos não é suspeita, e do qual só imitais a impiedade, e os paradoxos: "É justo", diz Rosseau na sua carta a Mr. Beaumont (pág. 81 linha 25) "é justo que qualquer obste, e se oponha à introdução a um culto estrangeiro no seu país". É o mestre condenando aqui à injustiça dos seus discípulos! Mas ele ainda que ímpio, era hum sábio; e vós quem sois? ….. Deixai entrar, e sair o judeu, deixai entrar e sair o turco, o china, o protestante, o gentio: A Religião de Jesus Cristo não se opõem a isso :  Comerciai com eles, falai com eles, casai com eles, dançai com eles …… Que mais quereis? Levai-os convosco a essas covas subterrâneas aonde preside o génio das trevas; mas não queirais com seus templos abrir a porta da desgraça para os portugueses. Ora diga-me meu estonteado velho, quem é que forma ensaios de reacção contra a nova ordem das cousas? Quem é anárquico, e provocador da rebelião! É o Padre Macedo, ou é Vossa Mercê e os seus camaradas? São Vossas Mercês, que atacam as bases da constituição, ou é o Padre Macedo que vos ataca a Vossas Mercês? …..  O prologo já vai saindo grande, mas os meus leitores hão de desculpar-me, e ter paciência ainda mais um pouco, porque me encarozinei com este rafeiro e estou disposto ou a manda-lo ladrar a uma Horta [como muitas das palavras iniciam por maiúscula, neste caso não sabemos se é esta uma referência à Horta nos Açores com relação ao problema da Ilha Terceira, ou se trata apenas de ir "ladrar às couves" numa horta], ou fazê-lo calar.

"A batalha da Praia foi um combate naval no dia 11 de agosto de 1829, na baía da então Vila da Praia, em que forças Miguelistas [portanto, do Rei D. Miguel I - tropas oficiais portuguesas] intentaram um desembarque naquele trecho do litoral da Ilha Terceira, nos Açores. A derrota dos absolutistas [portugueses, assim chamados pelos liberais] neste recontro foi decisiva para a afirmação e posterior vitória das ideias liberais em Portugal". (Wikipedia)
Ora venha cá meu velho: vamos conversar um pouco ainda, sobre a definição que Vossa Mercê dá da palavra liberal. Aonde achou Vossa Mercê  que liberal vem de  libertas? Se é descoberta sua, gabo-lhe a habilidade; mas não posso relevar-lhe o descoco, a ousadia, o atrevimento com que Vossa Mercê quer introduzir um termo novo numa nação, sem que apresente as credenciais, que o autorizam para isto. "Um decreto", diz Mr. Malte-Brun, "um decreto pode naturalizar hum individuo; mas não uma palavra que seja contraria ao génio da língua", este termo "liberal" na acepção em que Vossa Mercê o quer tomar é novo, e pela teima com que Vossa Mercê ao-lo querer encaixar, faz-se suspeito. Creio que Vossa Mercê não ignora o que diz Quintiliano à cerca dos que podem autorizar o uso das palavras numa nação; que são só aqueles "penes quos est jus, norma que lequendi et amp;c.  et amp;c." Ora, Vossa Mercê querendo confiadamente, meter-se no rol destes bicharocos, volta-se para o Padre Macedo, e falando-lhe em tom de Mestre (na pág. 5 linha 26) lhe diz assim : "Liberal meu Reverendo Padre" (lembrou-se logo aqui aplicar-lhe o sus Minervam) "liberal vem de libertas".

Porém meu velho, se liberal vem de libertas, que significa liberdade; então também se poderá dizer que livre vem de liberalitas, que significa liberalidade, porque "contrariórum eadem est ratio".

Mas se eu tenho um termo próprio para explicar o que é ser livre, e o que é ter liberdade; para que hei de ir para isto buscar um termo, que só exprime o que é ser liberal, e o que é ter liberalidade? A primeira cousa exprime-se por liber, e por libertas: a segunda por liberalis e por liberalitas: de maneira, que nem libertas é liberalitas, nem liber é liberalis. Cada um é quem é. Liberal descende por linha recta de liberalitas, e se tem algum parentesco com libertas, há de estar no mesmo grau em que estava o Manteigueiro com o Vilar de Perdizes. Ora, liberalitas, verdadeiro tronco de liberal, significa liberalidade, virtude moral que designa munificência, generosidade, franqueza, de maneira que o homem, que pratica esta virtude, é tido por um homem dadivoso, munífico, generoso, franco: qualidades, que praticadas dentro dos limites duma prudência esclarecida, estabelecem o homem liberal, entre o pródigo, e o mesquinho. Isto sim, isto entendo eu; agora que liberal venha de libertas? À page nugas!

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES