06/09/14

ACLAMAÇÃO DE D. MARIA I (II)

(continuação da I parte)

D. Maria I
Com a autorização por escrito que me deram os Srs. Conde da Ponte, a quem fôra cometida a inspecção da varanda, e Conde de Resende, capitão da Guarda Real, para circular livremente por toda a parte, pude presenciar de perto todos os aspectos da imponente cerimónia que ia realizar-se.

Ao aparecer a Rainha Nossa Senhora na entrada da galeria, a alegria e o entusiasmo que se manifestaram entre os convidados transmitiram-se à multidão do povo que se aglomerava no Terreiro do Paço, se estendia pelas ruas próximas, pejava as janelas e os telhados e se debruçava até de bordo das embarcações que juncavam o rio de mil cores; e os vivas à nossa amada Soberana pareciam não ter fim.

Mas, por entre a plebe convulsionada, houve quem soltasse este grito:

- "Pombal! Pombal! Morra Pombal! Morra!"

Não foi preciso mais para que tal imprecação se estendesse a toda a populaça, que, dentro em pouco – excitada pelo ódio ao antigo Ministro, e recordando-se dos milhares de vítimas que durante o seu governo apodreceram nas masmorras ou saíram delas estropiados e meio mortos, quando a Rainha, logo após a morte de El-Rei seu pai, que santa glória haja, mandou soltar todos os presos de Estado que ainda se encontravam nas enxovias – começou a gritar, pelas praças e ruas próximas:

- "Morra Pombal! Morra! Morra!"

Corri a ver até onde iria a excitação popular.

Parece que se previam estas arruaças e que tinham sido dadas ordens para se reprimir qualquer manifestação, porque logo um oficial do exército, à frente do seu pelotão de cavalaria, correu de um lado ao outro a ameaçar que castigaria severamente aqueles que continuassem a perturbar a alegria daquela festa com gritos de rancor e de morte.

Sossegou imediatamente o povo; e como o cortejo desfilasse junto à parte exterior da Varanda para poder ser admirado por todos os que se encontravam na Real Praça do Comércio, tudo ficou absorto naquele espectáculo deslumbrante e só teve depois manifestações de simpatia e de louvor.

Chegando as Suas Majestades diante do trono, descobriu-se El-Rei Nosso Senhor, e, com o chapéu na mão direita, saudou a Sereníssima Princesa do Brasil e as reais Infantas, que estavam numa tribuna com o Em.mo Cardeal da Cunha, que, como se sabe, a-pesar-da sua dedicação ao novo estado das coisas, a Rainha, há poucos dias, dispensou de se apresentar no Paço. Depois, o Conde da Calheta descobriu as duas cadeiras em que Suas Majestades de sentariam.

Aproximou-se o Marquês de Tancos e ofereceu à Rainha Nossa Senhora o Cetro de oiro esmaltado, que lhe ministrara em grande prato de prata doirada o tesoureiro da Casa Real, João Inácio Holbeche. Todos tomaram seus lugares, embora conservando-se de pé, como manda a etiqueta. Então o Doutor José Ricalde Pereira de Castro, do Conselho de Sua Majestade e desembargador do Paço, subiu ao estrado para proferir a fala da aclamação:

- "Ouvide! Ouvide! Ouvide! Estai atentos!" - disse o Rei de Armas Portugal; depois do que o doutor José Ricalde começou a recitar a sua notável oração, que amanhã reproduziremos na íntegra.

Finda que foi a fala, passou-se à cerimónia do juramento.

Ajoelhou-se a Rainha sobre uma rica almofada de lustrina carmesim e na sua frente ajoelharam o Em.mo Patriarca Eleito e os Bispos de Elvas e Penafiel; e, pondo Sua Majestade a mão direita sobre o Missal e o Crucifixo que o Patriarca sustentava, proferiu a fórmula do juramento, que é a seguinte:

- Juro e prometo, com a graça de Deus, vos reger e governar bem e direitamente, e vos administrar direitamente a Justiça, quanto a humana fraqueza permite, e de vos guardar vossos bons costumes, privilégios, graças, mercês, liberdades e franquezas, que pelos Reis meus predecessores vos foram dados, outorgados e confirmados.

A seguir prestaram juramento de peito e homenagem o Sereníssimo Príncipe D. José, o Infante D. João, que ontem completou 10 anos, e o Duque de Cadaval (aos quais fôra dispensada a menoridade), o Conde da Ponte, como Mordomo-mor de El-Rei, os Marqueses, Condes e mais títulos, Secretários de Estado, Prelados, Ministros dos Tribunais, Alcaides-mores, Monsenhores, Cónegos, Oficiais-mores, etc., que, por esta ordem, foram beijando a mão de Sua Majestade.

(a continuar)

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