D. Maria I |
Com a
autorização por escrito que me deram os Srs. Conde da Ponte, a quem fôra
cometida a inspecção da varanda, e Conde de Resende, capitão da Guarda Real,
para circular livremente por toda a parte, pude presenciar de perto todos os
aspectos da imponente cerimónia que ia realizar-se.
Ao aparecer a Rainha Nossa Senhora na
entrada da galeria, a alegria e o entusiasmo que se manifestaram entre os
convidados transmitiram-se à multidão do povo que se aglomerava no Terreiro do
Paço, se estendia pelas ruas próximas, pejava as janelas e os telhados e se
debruçava até de bordo das embarcações que juncavam o rio de mil cores; e os vivas à nossa amada Soberana pareciam
não ter fim.
Mas, por entre a plebe convulsionada,
houve quem soltasse este grito:
- "Pombal! Pombal! Morra Pombal! Morra!"
Não foi preciso mais para que tal
imprecação se estendesse a toda a populaça, que, dentro em pouco – excitada
pelo ódio ao antigo Ministro, e recordando-se dos milhares de vítimas que
durante o seu governo apodreceram nas masmorras ou saíram delas estropiados e
meio mortos, quando a Rainha, logo após a morte de El-Rei seu pai, que santa
glória haja, mandou soltar todos os presos de Estado que ainda se encontravam
nas enxovias – começou a gritar, pelas praças e ruas próximas:
- "Morra Pombal! Morra! Morra!"
Corri a ver até onde iria a excitação
popular.
Parece que se previam estas arruaças e que
tinham sido dadas ordens para se reprimir qualquer manifestação, porque logo um
oficial do exército, à frente do seu pelotão de cavalaria, correu de um lado ao
outro a ameaçar que castigaria severamente aqueles que continuassem a perturbar
a alegria daquela festa com gritos de rancor e de morte.
Sossegou imediatamente o povo; e como o
cortejo desfilasse junto à parte exterior da Varanda para poder ser admirado
por todos os que se encontravam na Real Praça do Comércio, tudo ficou absorto naquele espectáculo deslumbrante e só teve depois manifestações de simpatia e
de louvor.
Chegando as Suas Majestades diante do
trono, descobriu-se El-Rei Nosso Senhor, e, com o chapéu na mão direita, saudou
a Sereníssima Princesa do Brasil e as reais Infantas, que estavam numa tribuna
com o Em.mo Cardeal da Cunha, que, como se sabe, a-pesar-da sua dedicação ao novo
estado das coisas, a Rainha, há poucos dias, dispensou de se apresentar no
Paço. Depois, o Conde da Calheta descobriu as duas cadeiras em que Suas
Majestades de sentariam.
Aproximou-se o Marquês de Tancos e
ofereceu à Rainha Nossa Senhora o Cetro de oiro esmaltado, que lhe ministrara
em grande prato de prata doirada o tesoureiro da Casa Real, João Inácio
Holbeche. Todos tomaram seus lugares, embora conservando-se de pé, como manda a
etiqueta. Então o Doutor José Ricalde Pereira de Castro, do Conselho de Sua
Majestade e desembargador do Paço, subiu ao estrado para proferir a fala da
aclamação:
- "Ouvide! Ouvide! Ouvide! Estai atentos!"
- disse o Rei de Armas Portugal; depois do que o doutor José Ricalde começou a
recitar a sua notável oração, que amanhã reproduziremos na íntegra.
Finda que foi a fala, passou-se à
cerimónia do juramento.
Ajoelhou-se a Rainha sobre uma rica
almofada de lustrina carmesim e na sua frente ajoelharam o Em.mo Patriarca
Eleito e os Bispos de Elvas e Penafiel; e, pondo Sua Majestade a mão direita sobre o Missal e o Crucifixo que o Patriarca sustentava, proferiu a fórmula do
juramento, que é a seguinte:
- Juro
e prometo, com a graça de Deus, vos reger e governar bem e direitamente, e vos
administrar direitamente a Justiça, quanto a humana fraqueza permite, e de vos
guardar vossos bons costumes, privilégios, graças, mercês, liberdades e
franquezas, que pelos Reis meus predecessores vos foram dados, outorgados e
confirmados.
A seguir prestaram juramento de peito e
homenagem o Sereníssimo Príncipe D. José, o Infante D. João, que ontem
completou 10 anos, e o Duque de Cadaval (aos quais fôra dispensada a
menoridade), o Conde da Ponte, como Mordomo-mor de El-Rei, os Marqueses, Condes
e mais títulos, Secretários de Estado, Prelados, Ministros dos Tribunais,
Alcaides-mores, Monsenhores, Cónegos, Oficiais-mores, etc., que, por esta
ordem, foram beijando a mão de Sua Majestade.
(a continuar)
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