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| D. Catarina de Áustria, Rainha de Portugal. |
"Foi fundado pela Rainha, a Senhora D. Catarina, mulher DelRei o Senhor D. João III, em Lisboa, junto ao convento de S. Domingos, pela carta de instituição e fundação de 21 de Julho de 1572.
Não poderíamos interpretar melhor a intenção da fundadora, do que tomando nota das palavras da indicada carta:
"Ordeno, e mando, que dos quinhentos mil réis de juro, que para este efeito tenho deputados, se deem de esmola para ajuda da sustentação de trinta clérigos ouvinte, e de dois mestres religiosos, por quem sejam ensinados em casos de consciência, e nas determinações que no juízo da confissão se deve dar neles, e em todo o mais que para serem confessores, e curas de almas é necessário."
As condições da instituição do colégio estavam exaradas em 22 capítulos. Fôra logo extractal-as em todos os pontos, ao passo que nem tudo nos oferecia interesse, com referência ao plano do nosso trabalho. Mencionaremos apenas o que nos parece mais substancial, na parte relativa ao ensino.
Haveria dois lentes de teologia moral, religiosos de S. Domingos; um dos quais leria o catecismo ordenado por Pio V para instrução dos párocos, e outro explicaria a Suma de S. Caetano, ou o Manual de Navarro.
Para satisfação dos vencimentos dos dois lentes, e do Prior do convento de S. Domingos, como administrador do colégio, assinou a Rainha um juro perpétuo de cem mil réis.
Os colegiais seriam sacerdotes, ou de ordens sacras, que não tivessem mais de quarenta anos de idade: excepto se não houvesse outros capazes ao tempo da vacatura.
A admissão dos colegiais ficava sujeita a rigorosas clausulas morais, e prévio exame de capacidade literária.
Seria de trinta o número dos colegiais; sendo dez naturais de Lisboa, e vinte de fora. no que respeita a estes últimos, seriam preferidos dos mais pobres, e de entre eles os nascidos nas terras pertencentes à Rainha, Alenquer, Óbidos, Cintra e outras que possuía no Algarve. Na falta de clérigos de ordens sacras, que preenchessem o número de trinta, poderiam ser admitidos mancebos, que ao menos tivessem a idade de 19 anos, devendo todavia haver na escolha destes o mais severo escrúpulo.
A cada colegial de Lisboa, ou do seu termo, mandava a Rainha dar anualmente 12.000 réis, e aos de fora do termo de Lisboa 15.000 réis, pagos aos quartéis; sendo-lhes descontadas as multas em que incorressem; e sem jamais se lhes dar quantia alguma adiantada.
Com boa providência determinou a Rainha instituidora, que o Capelão-mor de ElRei, ou, na sua falta, o Deão da Real Capela, fizesse uma visita ao colégio, no mês de Abril ou maio de cada ano, para inquirir se eram cumpridos pontualmente os estatutos. Discretamente andou a augusta Senhora, estabelecendo o proveitoso princípio da inspecção e fiscalização, elemento indispensável de ordem e de bom regime.
A real instituidora pediu a seu neto, ElRei D. Sebastião, que tomasse sob sua protecção o colégio de Nossa Senhora da Escada. o moço Rei, mais bem aconselhado então do que o foi em negócio de mais grave ponderação, anuiu ao pedido de sua ilustre Avó, e em 21 de Dezembro do indicado ano de 1572 expediu uma carta, pela qual "tomava debaixo de sua protecção a fundação das ditas catedrais e a instituição dos trinta clérigos ouvintes, conforme aos estatutos dela, para a favorecer em tudo o que fosse necessário para sua conservação, acrescentamento e perpetuação, etc.," Outrossim encomendava aos reis seus sucessores, que igualmente prestassem a sua protecção ao colégio, a fim de que nunca em tempo algum, por falta de favor régio, houvesse coisa que impedisse o efeito da dita fundação e instituição.
Com admirável concisão e elegante estilo dá notícia deste colégio o suavíssimo Fr. Luís de Sousa; e por certo fôra grande falta nossa, e imperdoável, não pormos diante dos olhos dos leitores o que o ilustre cronista da Ordem de S. Domingos em Portugal refere, com o seu costumado encanto de aprazível linguagem.
Cumpre, porém, notar que fr. Luís de Sousa se equivocou, quando disse: "São os colegiais trinta e dois". O número era de trinta, como se vê dos documentos autênticos que citámos.
Posta esta única ressalva, ouçamos o harmonioso músico da nossa literatura:
"Além deste estudo, que é de portas a dentro, e mais próprio dos religiosos, dado que também admita alguns seculares: há outro fora, de duas lições públicas de casos de consciência, particular para seculares. Estas se leem na Ermida de Nossa Senhora da Escada: e tem dois lentes que nomeia o Capítulo Provincial. Foi obra e instituição da Rainha D. Catarina, digna consorte do cristianíssimo Rei D. João III, e grande incitadora de suas virtudes: e sinalou de esmola por ela ao Convento 100.000 réis de juro. Mas vendo que o benefício com ser tão geral, não abrangia aqueles que por falta de sustentação, sobejando-lhe as mais partes, não podiam assistir na cidade, ordenou um colégio de clérigos pobres, com número certo e porções determinadas. Conselho de alto entendimento. Porque além do mérito da esmola, e mantença que se dá a padres: a comida certa obriga-os a estudar: e o estudo a se habituarem para servirem de curas das Igrejas e em outros benefícios: com que se vem a dilatar a esmola por todos os membros da República. São os colegiais trinta e dois: dos quais mandou que os doze fossem sempre do Arcebispo de Lisboa, e os vinte do restante do Reino. oas do Arcebispado, como a gente que está em sua casa, ou perto dela, se dão de porção 12.000 réis por ano, aos de mais longe 15.000 réis, pagos em dinheiro, e aos quartéis, e de mão do Prior do Convento. Para serem admitidos passam por rigoroso exame de latinidade, depois de aprovados em vida e costumes, e limpeza de sangue: e sempre há concurso de pretendentes, e é preferido o mais hábil e mais digno. Tem obrigação de certos anos de assistência; e continuação quotidiana de manhã e de tarde: para o que há dois apontadores, cujo ofício é tomar em lembrança as faltas de cada um, e quando chega o quartel tanto recebem menos, quanto montam as rações que perderam pro rata do que val a porção. O Prior é o administrador de tudo, e o que manda fazer os pagamentos, que fica sendo a maior comunidade de todas para os pobres, porque é almoxarife certo e bem assombrado. A quantia que se monta deixou a Rainha em juro perpétuo assentado na Alfandega da Cidade".
D. António Caetano de Sousa especifica os actos de assinalada caridade que a Rainha a Senhora D. Catarina praticou, e tais são os seguintes:
Dotou vinte órfãs, de ais ou de mãe, para freiras in perpetuum, filhas de fidalgos ou cavaleiros, que morressem em África; ou de ministros que servissem ElRei em lugares de letras; ou de criados da Casa Real.
Mandou resgatar cativos; casar órfãs; pagar dívidas de presos, para que fossem soltos; repartir esmolas pelos pobres, fora muitas que deixou determinadamente a conventos desfavorecidos de rendas.
No Real Mosteiro de Belém instituiu vinte mercearias para cavaleiros pobres e honrados, que tivessem servido em África, ou nas conquistas, consignando-lhes rendimentos para se manterem naquele lugar.
Não se esqueceu o mencionado D. António Caetano de Sousa de mencionar a fundação do Colégio de Nossa Senhora da Conceição da Escada. Exprimiu-se a tal respeito nos seguintes termos: "... e no mosteiro de S. Domingos de Lisboa instituiu uma cadeira moral, como se hoje vê na Ermida de Nossa Senhora da Escada, com lição de manhã e tarde para trinta clérigos, aos quais deixou partidos para cada uma de certa quantia para assistirem às lições, e se fazerem hábeis para servirem no confessionário, e serem párocos."
O douto escritor enganou-se, quando asseverou ser a instituição "de uma cadeira"; foram instituídas duas, como vimos pelos documentos autenticados supracitados.
A ermida de Nossa Senhora da Escada era contígua ao corpo da igreja do convento de S. Domingos, e como que uma parte ou capela desta, da banda do Evangelho. O seu próprio e antigo título foi o de "Ermida de Nossa Senhora da Purificação"; mas o povo deu-lhe depois o nome de Ermida de Nossa Senhora da Escada, "por ser casa de sobrado, e se subir a ela por muitos degraus de uma escada de pedra, que cai no adro e circuito que antigamente tomava a alpendurada que ficava diante dela e da porta principal da igreja." Assim se exprime o já citado Fr. Luís de Sousa, que igualmente nos dá as seguintes notícias: "o edifício assentava sobre firmes abóbadas de três ou quatro capelas, que tinham seus arcos e serviços no andar da igreja, e sobre as capelas abria uma janela rasgada, e tão alta, que ficava sendo tribuna mui cómoda para toda a igreja. De tempos muito antigos foi frequentada com grande devoção e romagem, não do povo, senão também dos Reis e Príncipes."
O elegante cronista, a quem vamos seguindo, faz menção de alguns personagens augustos, que, ou melhoraram a ermida, ou ali foram em ocasiões solenes. D. João I, que a mandou renovar, ali foi pouco antes de morrer: "estando enfermo em Alcochete da doença de que faleceu, e sentindo-se acabar, mandou-se trazer a Lisboa, e antes de entrar em sua casa veio a esta, a despedir-se e tomar a benção da Senhora dela, e encomendar-lhe sua alma e seus reinos. Daqui se foi para os paços do Castelo, onde se finou brevemente."
ElRei D. Duarte acrescentou a ermida, e a pôs no estado em que se conservou até ao terramoto de 1755, fazendo-lhe esmola para que ardesse uma lâmpada perpétua diante da Senhora.
O Infante Santo D. Fernando confessou-se e comungou nesta ermida, pouco antes de embarcar para a infeliz jornada de Tânger.
Também ElRei D. Afonso V veio despeir-se da Senhora da Escada, quando em 1471 foi tomar Arzila e Tânger aos mouros; deixando esmola para que ardesse outra lâmpada perpétua com a de seu pai.
ElRei D. Manuel, por ocasião do atrocíssimo morticínio do ano de 1506, mandou que nenhum frade ficasse no convento de S. Domingos, excepturando um, varão santo, para guarda da ermida.
ElRei D. João II mandou especialmente reparar os estagos causados na ermida pelo tremor de terra do ano 1531.
João Baptista de Castro dá notícias de Lisboa posteriores ao terremoto de 1755; e falando da ermida de Nossa Senhora da Escada, diz assim: "Era igreja antiga, e que conservava sua memória desde o Bispo D. Gilberto. Estava contígua ao adro do convento de S. Domingos, e com tribuna régia para a sua igreja. Também o terramoto e incêncio a arruinou e consumiu."
O Padre Fr. Nicolau de Oliveira equivoca-se, em quanto á instituição das duas cadeiras na ermida de nossa Senhora da Escada, pois a atrivbui à Rainha D. leonor, mulher DelRei D. manuel, quando aliás foi insstituidora, como vimos, a Rainha D. Catarina, viuva DelRei D. João III.
Esta equivocação, porém não prejudica o juízo crítico apresentado pelo mesmo escritor à cerca dos clérigos que seguiam os estudos da mencionada ermida, aliás tão favorecidos pela real fundadora. Eis aqui o juízo crítico, a que aludo: "... de onde procede haver muitos clérigos extravagantes que continuam estas lições, uns por respeito do prémio, e interesse, que tem, porque daqui saem muitos providos com igrejas, outros com esperança de entrar no lugar que vagar."
Não sirva de fundamento esta arguição para irrogarmos censuras veementes a uma classe. A natureza humana é fraca, ainda nos prometeram ser fortes; e fôra por certo uma severidade mal cabida não fazer entrar em linha de conta a tão fácil disposição para o abuso. Cuide, porém, cada indivíduo de melhorar a sua condição moral, e maiormente promovam esse melhoramento aqueles, de quem se esperam os bons exemplos, como devendo ser o sal da terra, a luz do mundo." (História dos Estabelecimentos Scientíficos Litterários e Artísticos de Portugal Nos Successivos Reinados da Monarchia - Tomo I. José Silvestre Ribeiro. Lisboa, 1871. pag. 88)
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