A Vinda Para Portugal, da Primeira Imagem da Mãe de Deus que Foi Para Inglaterra
A grandeza de Portugal está vinculada ao maior florescimento do cristianismo na Península, como já tivemos ocasião de dizer, e por isso, parece que a Mãe de Deus, tem especial predileção pelo nosso povo, por esta Terra de Santa Maria. Há factos, que nos levam àquela conclusão, desde os tempos mais remotos da nossa história, até ao presente, como o que a seguir relatamos.
Quis o acaso que viesse cair sobre a nossa mesa de trabalho, há anos, um velho manuscrito, intitulado: "Notícia da Arrábida", datado de 7 de Novembro de 1762. Uma letra firme, lia-se facilmente, fazendo-nos pensar que tivesse sido escrita, aquela resenha histórica, por algum religioso do antigo convento da Arrábida, cuja mole de pedra se debruça altiva, sobre as cristalinas águas do Sado.
O documento, com as arestas a esboroarem-se, pela humidade, ou antes, pelo tempo que lhe pesava, relatava a história de Nossa Senhora da Arrábida, afirmando ter sido a primeira imagem da Mãe de Deus, que houve em Inglaterra.
Nossa Senhora da Arrábida |
Foi o Pontífice Gregório I, esse espírito lídimo da cristandade, o grande impulsionador dos cânticos gregorianos, o promotor da evangelização da Inglaterra, que pelas suas virtudes ficou com o seu nome gravado, a letras de ouro, na História da Igreja e do Cristianismo, que mandara esculpir a referida imagem e a enviou para Inglaterra.
No ano de 590 os campanários romanos, com o repique dos sinos, festejavam a ascensão de Gregório I à cadeira pontifícia, mais tarde justamente cognominado "o Grande" e inscrito no catálogo dos Santos.
O novo Pontífice, dotado de invulgar elo apostólico, empreendeu a evangelização da Anglia, que tinha sido inválida pelos bárbaros, provenientes da Germânia, depois de ter visto à venda, em Roma, alguns escravos provenientes daquela ilha distante. Quando perguntou de onde provinham aqueles escravos e lhe responderam tratarem-se de anglo-saxões, disse: "Non angi, sed angeli." ["Não são anglos, são anjos."]
Quando subiu ao pontificado, tratou de chamar a Cristo aqueles povos. A Europa do sul estava em grande parte evangelizada, enquanto que os germânicos, se mantinham algemados pelo erro das falsas religiões.
Era contra este triste panorama religioso que o Santo Padre combatia, de cruz alçada nas mãos, e a sua palavra eloquente nos lábios.
Mandou para a Anglia, Santo Agostinho, o qual mais tarde foi Arcebispo de Cantuária, recomendando-lhe:
- "Não é preciso abater os templos dos ídolos, mas somente os ídolos que lá estão. Depois de aspergidos esses templos, com água benta, devem colocar-se aí altares e relíquias, porque se esses templos estão solidamente construidos, é necessário desviá-los do culto dos demónios e pô-los ao serviço do verdadeiro Deus, a fim de que essa nação, vendo que se não destroem os templos, se converta mais facilmente e venha a adorar o verdadeiro Deus nos lugares que lhe são conhecidos." (Arqueologia Litúrgica, pág. 12, por Mons. Augusto Ferreira).
- "Não é preciso abater os templos dos ídolos, mas somente os ídolos que lá estão. Depois de aspergidos esses templos, com água benta, devem colocar-se aí altares e relíquias, porque se esses templos estão solidamente construidos, é necessário desviá-los do culto dos demónios e pô-los ao serviço do verdadeiro Deus, a fim de que essa nação, vendo que se não destroem os templos, se converta mais facilmente e venha a adorar o verdadeiro Deus nos lugares que lhe são conhecidos." (Arqueologia Litúrgica, pág. 12, por Mons. Augusto Ferreira).
No ano de 590, S. Gregório Magno, enviara para a Inglaterra, vários religiosos da Ordem de S. Bento, como missionários, a fim de, mais rapidamente, converterem o povo daquela nação ao cristianismo.
Segundo nos informa o mencionado manuscrito, os monges missionários, no cumprimento das ordens do Pontífice, mandaram esculpir, em pedra, uma imagem da Mãe de Deus, com o seu Filho nos braços, destinada àquele país a qual foi colocada num oratório, em belo local, e logo despertou nas almas a verdadeira fé, provocando diversas conversões.
Muitos dos habitantes do referido local pretendiam se o proprietário da imagem e do terreno onde ela se encontrava, cuja disputa motivou várias desavenças, até que o oratório e a piedosa imagem caíram em poder de um abastado comerciante, chamado Haildebrando.
Talvez porque os negócios lhe não corressem bem, naquele país, resolveu dirigir-se a Portugal, trazendo na sua companhia a célebre imagem da Mãe de Deus, a fim de o proteger na nova vida que encetara.
Decorria o ano de 1258, quando Haildebrando embarcou na companhia de alguns homens, em direcção a este país.
A poucos dias de viagem, as terras lusitanas alvejavam ao longe, como uma bandeira redentora, desfraldada ao vento.
Próximo da barra do Tejo, um violento temporal arrastou a pequena embarcação, com risco de vida dos seus tripulantes, para o largo do Oceano, de ondas encapeladas, até que foram lançados ao sabor das altas vagas, para além do Cabo Espichel, durante uma noite tempestuosa. Decorrido longo tempo, entre a vida e a morte, as margens do Sado, surgiram, como se fossem dois braços abertos, a receberem aqueles tripulantes, exausto de forças, mas afastados do perigo. Defronte deles, erguia-se com impressionante majestade, a verdejante e pedregosa Serra da Arrábida, que lhes pareceu oferecer-se para altar da célebre imagem.
Foi então que uma luz redentora, iluminou o espírito de Haildebrando e dos seus companheiros, ao conduzi-los às agrestes encostas daquela serra, para cumprirem um sonho tão impressionante convertido em realidade.
No ano de 1258, Haildebrando, que se amortalhara entre quatro paredes de uma pequena cela, junto a uma singela capelinha, construída por ele, onde venerava a histórica imagem de Nossa Senhora, pedia obediência ao Bispo e Cabido da Sé de Lisboa, para ali poder passar o resto da sua vida - afastados da humanidade, que parecia invadida por instintos ferozes, e tanto desânimo lhe causava - para viver entre as flores do campo que haviam de cobrir o seu corpo, quando entregasse a alma a Deus.
Assim sucedeu, e a imagem da Mãe de Deus, começou a ser venerada pelo povo que ali afluía em romaria até que, a razoira implacável do tempo fez diluir no esquecimento este curioso facto, que passaria desapercebido, caso o referido manuscrito não tivesse chegado ao nosso poder.
Depois de sabermos o que acabámos de relatar, logo tratámos de averiguar onde é que a referida imagem teria sido colocada, para a identificarmos, o que nos levou a muitas andanças pela escarpada Serra da Arrábida, sem que tivéssemos encontrado, desde logo, indícios daquela escultura medieval.
Decorrido algum tempo, já não andávamos ao acaso, visto o nosso plano basear-se já numa precisa informação do saudoso investigador e arqueólogo Joaquim Rasteiro, publicada no 3º volume da revista "O Arqueólogo Português", na qual se lê o seguinte, sobre a exploração de esculturas na região da serra da Arrábida:
"A que por aqui conheço digna de menção,acha-se na sacristia da Igreja paroquial de Sesimbra, e, não há muitos anos ainda estava exposta à veneração, no altar-mor da igreja, de que era orago, lugar e primazia de que foi deposta por outra imagem de madeira. Era no género bizantino, e achava-se pintada a cores".
"A que por aqui conheço digna de menção,acha-se na sacristia da Igreja paroquial de Sesimbra, e, não há muitos anos ainda estava exposta à veneração, no altar-mor da igreja, de que era orago, lugar e primazia de que foi deposta por outra imagem de madeira. Era no género bizantino, e achava-se pintada a cores".
É de notar como as ideias dos tempos influíram na maneira de apresentar a figura da Mãe de Deus, primeiramente sentada, depois de pé.
Já em Santiago de Compostela, contemplamos belas imagens sentadas, em pedra policromada, como em outros monumentos daqueles recuados tempos.
As primeiras reproduções da Mãe de Deus, provêm de épocas remotas, tanto mais que a festa de Conceição de Maria, data do século VIII, e era celebrada sob a invocação da Conceição de Santa Ana, a 8 de Dezembro. Esta festa, vulgarmente denominada das "Santas Mães" solenizava a Conceição pretéria de Maria, nas entranhas de sua Mãe.
Em regra, os artistas impressionados pela sublimidade de que Pio IX havia de definir, como dogma, representaram a Imaculada com luz radiante.
Seguindo a cronologia das representações da Virgem Imaculada, vamos encontrá-la já nas iluminuras do livro de horas de D. Manuel, sob a forma de virgem apocalíptica, porque esta invocação é a primeira apresentada na Península. No entanto, este tipo apocalíptico, assim denominado, por representar a Virgem Maria, segundo a descrição feita no Apocalipse, não tendo contudo grande expressão de culto no nosso país, no séculos XVI e XVII, reaparecendo mais tarde, em que a imagem da Virgem se vê com o Menino Jesus ao colo. Ao mesmo tempo, a Imagem de Nossa Senhora da Conceição representa-se como imaculada, calcando aos pés a serpente. O privilégio divino, com a primeira grande vitória sobre o inferno [Demónio ?].
Nossa Senhora do Ó, a Virgem pejada, também conhecida como da Esperança, é outro tipo de representação da Virgem, em que está implícito o mistério da faculdade miraculosa de Maria. Esta representação de Nossa Senhora é característicamente peninsular e medieval.
Existem muitas imagens esculpidas, sob aquele aspecto, deveras realista, por artistas de grande mérito,as quais pertenceram a diversas Sés e algumas igrejas de remota antiguidade.Este culto apagou-se com o Renascimento, pelo que se encontram, muitas daquelas imagens de Nossa Senhora do Ó, depositadas em Museus de Arte. As Santas Mães - Santana e Nossa Senhora com o Menino ao colo - foi também um tema cultivadíssimo em Portugal, em que se evoca o mistério da Conceição Imaculada.
Desde o século XV até fins do XVIII, os grupos das Santas Mães foram trabalhados pelos escultores e pintores.
Em pintura, a figura da Mãe de Deus, no século XVIII, era geralmente representada sobre fundos celestiais, em que a imagem se vê entre nuvens, sob uma luminosidade radiante. Naqueles tempos, apareceu a figura definitiva e representativa da Virgem Maria, sob o tipo genesíaco e do apocalíptico, admitindo símbolos de um e do outro: A lua, os Anjos, a serpente e as estrelas, além do Globo, e que a figura geralmente assenta.
Regressando ao assunto da imagem, que fora para Inglaterra, resta-nos dizer que, depois da referida informação e ao chegarmos ao altivo Castelo de Sesimbra, logo nos saltou à vista, sobre fundo branco de cal, num pequeno nicho aberto na parede e sobranceiro à porta da entrada da capelinha solitária, daquela remota fortaleza, uma imagem preciosa, da Mãe de Deus, que outrora devia apresentar-se sentada, com o Menino nos braços, mas que actualmente se encontra de pé. Certamente a cortaram a meio, colocando-a sobre um corpo esculpido em madeira.
A obra de arte em pedra, foi inspirada de facto, no estilo bizantino, como se refere o mencionado arqueólogo, e pertence ao séc. XI ou XII, podendo admitir que o colorido seja primitivo, apesar das intempéries e dos raios solares que todos os dias vão fazendo perder aquela já tão pálida nota de cor, o qual era tão vulgar, naqueles tempos, em esculturas de pedra.
Não há memória de ter existido naquela região, outra imagem de Nossa Senhora, sentada, com o Menino ao colo, tal como se apresentam as dos templos medievais.
Ficámos absolutamente convencidos de estarmos na presença da imagem, a que se refere o manuscrito velhinho, que nos narrou a curiosa história daquela obra decerto tantas almas na Inglaterra. Só os desígnios de Deus podem explicar porque é que aquela imagem de Nossa Senhora, veio, através dos mares, para a Terra de Santa Maria, deixando aquele povo, (...)." (José Dias Sanches)
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