12/01/14

"DEFEZA DE PORTUGAL" (1831) - Que Pretendem os Pedreiros com a Chegada de D. Pedro à Europa (VII parte b)

(continuação da parte a)

Ai de ti! Ai de ti! Ai de ti, Portugal, se segues o nome do Senhor D. Pedro! Ai de vós! Ai de vós, portugueses, se acreditais nas promessas, e palavras dadas em nome do Senhor D. Pedro! Se faltais ao voluntário, legal, e santo juramento de fidelidade, de obediência, de lealdade, e de adesão ao envaidado de Deus, ao ungido do Senhor, ao Senhor D. Miguel, vosso Rei, vosso pai, vosso irmão, vosso amigo, vosso bem-feitor, o anjo da paz, e da salvação, o protector da virtude, e da Religião! Portugueses! Vós não tendes quem vos salve, senão Deus, e Miguel! Eia pois, juntai-vos a Deus, e a Miguel, e defendei-vos valorosamente, se fordes atacados dos inimigos de Deus, e de Miguel! O nome de Pedro se proclama somente para exterminar a Religião, a Soberania, e a nação portuguesa: não existam pois todos os que apelidarem a Pedro Rei, porque deste nome abusam para estabelecer o reinado da tirania, do despotismo, da vingança, da anarquia, da morte, da impiedade, da irreligião, do ateísmo, finalmente do Reinado do Anti-Cristo. Portugueses! Viva Deus, e viva Miguel Rei!

Aqui chegava eu com estas linhas precipitadamente formadas, sem concerto, nem erudição, porque nem esta é precisa, quando fala o coração cheio de sentimentos afectuosos à Religião, e ao Rei; e reflectindo sobre os gritos de lamentação, que acabava de dar sobre os portugueses, se seguissem a voz do Senhor D. Pedro, me pergunto a mim mesmo: Estarei eu doido, como aquele, que gritava sobre Jerusalém? Soltar-se-há contra mim alguma pedra, que me tire a vida, como a ele? Não importa, me respondi a mim mesmo; eu sei que se este escrito se publicar pelo prelo, sou assassinado; estou porém preparado para a morte: se algum malhado me assassinar, o último fôlego da minha inútil existência acabará nestas vozes: "Viva Deus, e Viva Miguel Rei"; e sei que Deus me há de premiar com a imortalidade mais gloriosa [presunção?!]. Eu não brinco; sou católico, e quero morrer como católico em defesa da Religião, e de Miguel Rei: não temo pois o assassinato: neste momento volto os olhos para um dos lados da banca, ou mesa, em que estas coisas escrevo, e vejo ali o grande cacete, o flagelo dos malhados; volto os olhos para outro lado, e aí vejo bom número de espingardas para mim, e para os que vivem comigo, e logo digo: "Eu não morrerei se me defender vigorosamente, a força o decidirá; e depois morro contente". Havia neste instante largado das mãos a tosca pena, e ia a pegar do vencedor cacete, e malhar em todos os que apelidassem a D. Pedro Rei, quando volto sobre os meus passos, e digo: "Alto! Que é isto! Ninguém aparece armado por agora! O Senhor D. Miguel vive felizmente, e reina pela Graça de Deus" Ele é Rei! Ele o General! Ele manda! Obedeçamos pois; não perturbemos a paz pública; conservemos-nos firmes, e seguros: ao realista convém estar imóvel, em quanto ElRei não manda que se mova, estando ElRei fora de perigo. Sossegam-me pois estes imperioso deveres da obediência; e tranquilo como devo estar, em quanto as autoridades me não mandarem, ou enquanto os malhados se não apresentarem com armas, torno a fazer-me outra pergunta: "Haverei eu faltado ao respeito devido a um irmão do meu Rei, e filho de quem foi Rei?". Longe de mim tão horrendo crime, não só por medo, porque o não deve ter alguém quando defende o seu Rei, mas por consciência, porque todo o que prea a profissão do cristianismo deve respeitar os príncipes, ainda que sejam discolos, e tiranos, em qualquer país, em que eles reinem; assim o ouvi várias vezes ao Pároco da freguesia, em que vivo; e eu sou muito submisso à voz do Pároco, se eles não falam em constituição, nem em Pedro Rei. Eu persuado-me haver tratado com muito respeito o Senhor D. Pedro, e assim o havia prometido, e não sei faltar ao que prometo, imitando nesta parte aos portugueses, que guardam palavra de defender o seu Rei, e Senhor D. Miguel I: eis que, quando eu mesmo o pensava, chega às minhas mãos o Desengano, periódico político e moral, do Padre José Agostinho de Macedo, Nº 25, que é o único impresso, que vejo, e pago, pois eu não tenho, nem posso manter outra correspondência de Lisboa, que a de um amigo, que por caridade me diz em todos os correios "Vive o Senhor D. Miguel", que é quanto me basta para eu viver, o qual Desengano pedi eu ao Pároco desta freguesia que lesse aos fregueses à estação da Missa conventual, e ele me disse que o leria, se o autor, podendo amainar as velas da sua vastíssima erudição, fizesse mais populares, ou aldeões os seus belíssimos escritos; e, como digo, lendo o dito Nº 25 do grande Desengano, acho que eu tratei com muito respeito o Senhor D. Pedro, e que na efervescência da minha fidelidade pelo Senhor D. Miguel Rei; da minha adesão aos portugueses, que o juraram, e reconheceram Rei; e do meu ódio (ainda é pouco) justo, legal, religioso, obrigatório, cristão, santíssimo, e necessário ódio aos inimigos pedreiros livres, e aos rebeldes malhados, só a estes tratei de pena, como eles merecem, e não de cacete, porque me não aparecem, nem convém à boa ordem.

Padre José Agostinho de Macedo
Porém agora, ó portugueses! Agora que é certo que o Senhor D. Pedro, obrando de acordo, e concerto com os pedreiros, procura fazer a guerra a Portugal, já sabeis quem, e qual é o vosso inimigo: é o ambicioso Absalão, que se revoltou contra seu pai, e Rei David, e acendeu seus domínios o facho cruel da guerra civil: é o cobiçoso Roboão, que impondo aos seus povos gravames, que eles não podiam, nem deviam suportar, deixou de reinar sobre eles; é o dementado Esau, que por uns poucos legumes traspassou os direitos da primogenitura ao virtuoso Jacob: e o que arrastado, ou seduzido por uma matilha de estúpidos, e malvados, abriu sobre Portugal, e sobre o Brasil o abismo de uma bancarrota universal, que tragou todas as fortunas, e assolou, e arruinou todas as famílias: é o que em nome da liberdade deixou organizar todas as tiranias, todas as traições, e toda a imoralidade: é o que com o nome da Constituição tem permitido a mais execrada anarquia, e fez mais pesados os duros destinos dos dois hemisférios: é o que usurpou a sue pai o património, que lhe ficara de seus pais, e avós: é o que fez a desgraça de Portugal, e do Brasil: é o que introduziu o ódio, e a discórdia entre povos irmãos, e amigos: é o que fez guerra a seu pai, e aos portugueses: é o que governando no Brasil, servindo-se dos brasileiros revolucionários, tratou aí os portugueses como se fossem escravos, ou seus inimigos: é o que, depois da morte de seu pai, tomou o título de Rei dos portugueses, para acabar com os portugueses: é o que assinou a Carta Constitucional, ou esse passaporte, e salvo, conduto: universal da impiedade, e da traição, para introduzir entre os portugueses uma anarquia, que parece não ter fim: é o que arrancado do Brasil por insuportável aos mesmos constitucionais, que não podiam levar a preço seu génio sempre volúvel, e sempre duro, não contente de haver feito a desgraça dos pobres brasileiros, ambiciona levar ao último extremo as calamidades dos portugueses. Este é, português, o vosso inimigo, que reunido a uma horda de traidores, pretende, e forceja por semear entre vós a vingança, a carnagem, o massacre, a matança, o roubo, os sacrilégios, os crimes, a infâmia, e a fome. Os revolucionários, que ainda se acoutam nas cadeias do Reino, pretendem fazê-lo vosso Rei, ou, antes, vosso tirano! Os malvados, que se acham na Ilha Terceira, querem que ele venha escravizar-vos, não o título de Rei, mas na qualidade de tutor, da sua filha, e de Generalíssimo, nomeado por ela, dos exércitos rebeldes, e foragidos! Eu hei de ainda discutir estes direitos da tutoria; mas agora é necessário parar sobre o ataque, que a Portugal quer fazer o Senhor D. Pedro na qualidade de Generalíssimo de sua filha, para que os portugueses acabem de convencer-se que o Senhor D. Pedro, reunido aos pedreiros, e aos revolucionários, é o seu figadal, e irreconciliável inimigo, pois que desta geral convicção depende a Defeza de Portugal.

Conheçam sim os portugueses que o Senhor D. Pedro não tem direitos alguns a reinar, não só por estrangeiro, e naturalizado em outro país; não só por haver sucedido em outra Coroa, que ele não podia jamais acumular com a Coroa portuguesa; não só por haver roubado o Brasil à nação portuguesa; não só por haver feito guerra aos portugueses; não só por haver dado, ou assinado uma Carta Constitucional, que está em oposição directa com as Leis Fundamentais da Monarquia; não só por haver abdicado a Coroa, alterando a impreterível ordem da sucessão; ele não tem direitos alguns a reinar por todas estas razões, (uma só era mais que suficiente) e agora novíssimamente porque vem atacar a nação portuguesa; porque vem fazer a guerra aos portugueses. Portugal, há sete séculos que sois Nação, e ninguém reinou sobre vós, que vos tivesse feito guerra; há mais de sete anos que o Senhor D. Pedro faz guerra aos portugueses, ora directa, ora indirectamente, já por traições, já por armas; reinará pois este inimigo interno dos portugueses? Não. O Senhor D. Pedro não pôde, não teve arte, nem força para subjugar umas poucas dúzias de brasileiros revolucionários, que há quatro dias que são gente; e conquistará ele três milhões de portugueses, que sempre foram gente, a gente firme, leal, briosa, guerreira, e constante, que antes perde a vida, que a honra; que antes morre, que faltar à palavra, muito mais sendo esta palavra firmada por um juramento justo, necessário, legal, e sagrado? Não. O Senhor D. Pedro não conquistará os portugueses, nem por arte, nem por força: não por arte, porque os portugueses são inexpugnáveis, quando defendem o seu Rei, e agora duplica-se a sua força, porque se defendem a si mesmos. Conte o Senhor D. Pedro, se puser o pé em território, em que Reine o Senhor D. Miguel, com achar um português, que lhe diga: "Príncipe, (com este respeito vos trato, porque ficastes filho do meu Rei) retirai-vos: Vós não podeis reinar, porque assim o quisestes, pelo que fizestes, pelo que escrevestes, pelo que assinastes, e pelo que dissestes; se não pudestes permanecer no Brasil, porque lá vos aborrecem, cá não podeis estar, porque vos não querem. Ou tem-vos escolhido Deus como a instrumento da sua ira, assim como escolhei a Nero? Se assim é, perecereis com ele. O Senhor D. Miguel é o Rei de Portugal pela Lei, e pela Graça de Deus; Vós estais deserdado do Brasil, e de Portugal pela lei, e pela ida de Deus. Retirai-vos pois de vosso bom grado, se não, sereis tratado como um inimigo, como um rebelde, e como um usurpador". Portugueses, estão decifradas as pretensões dos pedreiros de Portugal, assim na chegada do Senhor D. Pedro à Europa, como na entrada da Esquadra francesa no Tejo: há porém ainda algumas coisas mais, que manifestarei ao que lerem para diante.

Rebordosa 12 de Setembro de 1831

Alvito Buela Pereira de Miranda

2 comentários:

CARMEN FILOMENA disse...

Muito obrigada pelo excelente texto!!!

anónimo disse...

Carmen Filomena,

Obrigado por comentar, obrigado pelo agrado.

Entre os vários proveitos deste assunto, aquele que mais me diz, é que ele, por coincidência ou não, nos oferece uma visão do presente e do futuro... Isto não aconteceu apenas uma vez...

Volte sempre.

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