19/04/13

RASCUNHOS ASCENDENS (VI)

RASCUNHO XIX

PORTUGAL E CASTELA - A VERDADE DO TRATADO DE ALCÁÇOVAS-TOLEDO

Ouvi dizer que hoje comemora-se o aniversário do Tratado de Alcáçovas-Toledo. Contudo, este tratado data de 4 de Setembro de 1479 (Alcáçovas, Portugal) e foi rectificado a 6 de Março de 1480 (Toledo, Castela). Assim é...

D. Joana de Castela, a Excelente Senhora
Portugal protegeu a amizade com Castela e à legítima herdeira do seu trono, D. Joana (filha do Rei D. Henrique IV), contra a princesa D. Isabel que governava com o apoio da nobreza rebelde (que já antes antes tinha "coroado" seu irmão, Afonso de Ávila, reinando ainda D. Henrique IV legítimo Rei de Castela). Afonso de Ávila morreu imberbe deixando a nobreza rebelde sem "rei". Ao lado de Afonso permanecera Isabel que os rebeldes quiseram depois "coroar" como rainha de Castela, intento que esta princesa aceitou logo que falecido D. Henrique IV, rompe assim o juramento que tinha feito à legítima sucessora de D. Henrique, D. Joana, (que o escárnio dos rebeldes cognominou de "a beltraneja"). D. Joana tinha sido jurada como sucessora legítima, juramento feito pela nobreza castelhana (incluindo Isabel). A nobreza fiel ao Rei D. Henrique IV de Castela dividiu-se depois em lutas, uns pela legítima sucessora D. Joana, e outros pela princesa Isabel que já tinha o caminho preparado pela facção rebelde (estes rebeldes, ao vencerem, trataram de assentar na história que os fieis ao Rei legítimo fossem conhecidos por "rebeldes", fenómeno muito repetido na história, como vieram a ser o golpe liberal e o republicano em Portugal).

D. Afonso V de Portugal, o Africano.
Os nobres fieis de Castela, aliançaram-se com Portugal (D. Afonso V) contra os apoiantes de D. Isabel.

Sentada no trono, D. Isabel assaltou os territórios portugueses em África, várias vezes, por ouro e outras riquezas. A defesa do território português em África era um pesado fardo para os portugueses. Vários Papas tinham emitido Bulas para proteger esses territórios, e respectiva costa marítima, fazendo assim justiça ao Reino de Portugal. Estes territórios ficavam a sul de Canárias, ilhas usadas pelos portugueses antes da sua "descoberta". Portanto, quando Castela reclamou a descoberta de Canárias os portugueses já usavam tais ilhas há bastante tempo, tendo nelas feito algumas instalações de auxílio à navegação. Na verdade, Canárias era um ponto já conhecido dos navegadores do Atlântico ao longo de muito séculos, faziam parte da tradição marítima atlântica. Os povos que não tinham tradição de navegação no Atlântico ignoravam bastante o Atlântico e, portanto, ignoravam a existência das já conhecidas Canárias. Foi assim que Castela julgou-se descobridora de novidade, e foi assim que em Roma o Papa também não teve conhecimento impeditivo para não aceitar ou suspeitar da "descoberta". Quando correu a notícia da nova "descoberta", D. Afonso IV de Portugal escreve assim ao Papa Clemente VI:
"Afonso Rei de Portugal e do Algarve com devida reverência.... Como resposta à vossa carta com a devida reverência respondemos que os primeiros descobridores [entenda-se "descobridores católicos"] daquelas ilhas foram habitantes do nosso Reino. Verdadeiramente esperávamos que as quais ilhas existiam para nós... Mandámos nossas gentes e navios àquele lugar para examinar a condição dessas terras os quais ao chegarem a essas ilhas capturaram homens e animais à força..."
As Canárias tinham habitantes não cristãos quando os portugueses começaram a usá-las (antes do "descobrimento" castelhano). Contudo, o acto já estava consumado, o Papa tinha acedido à reclamação de "descobrimento" levado a cabo por Luís de La Cerda. Portugal tinha adiado assim a colonização por estar envolto em guerra com Castela e contra os muçulmanos em Marrocos. Em 1436, para remediar o acidente, o Papa dá a Portugal os direitos de conquista e governação de qualquer ilha das Canárias que ainda não estivesse habitada por cristãos, contudo Isabel de Castela não respeitou as ordens papais.

As guerras marítimas em torno das Canárias, entre Portugal e Castela, foram então inevitáveis. Se as Bulas papais não demoviam os castelhanos nem a vontade da sua rainha, nem a legítima ocupação de ilhas nas Canárias pelos Portugueses ao abrigo de tais bulas, como seria possível continuar a missão portuguesa dos descobrimentos tendo constantemente pelo caminho aquela rebeldia castelhana?

D. João II
Para Portugal, a importância das Canárias era fundamentalmente geográfica. Mas dar passo ao projecto da Índia tendo atrás os castelhanos não respeitadores de mares, nem de territórios, nem de Coroas, nem de Papas? Valeria a pena ou seria possível? Como afastar os Castelhanos!?...

D. João II de Portugal tinha uma orientação diferente de seu pai, D. Afonso IV, que tinha levado a peito o fazer justiça na questão da legitimidade de D. Joana como verdadeira herdeira de Castela. D. João II via tal causa como desgastante e perdida, preferindo livrar-se do acumulado de problemas num golpe só: o Tratado de Alcáçovas.

À Princesa Isabel de Castela, rainha dos rebeldes, Portugal propôs no mundo uma linha divisória HORIZONTAL separando  os territórios a conquistar (o Sul para Portugal e o Norte para Castela, com excepção das ilhas que Portugal já tinha descoberto e conquistado - Madeira e Açores). Em troca Castela ficaria com as Ilhas Canárias. Por consequência necessária e óbvia a aceitação do acordo coloca automaticamente a Princesa Isabel com estatuto de Rainha de Castela por parte de um Reino católico: Portugal. Com o tratado faz-se também uma aliança matrimonial significativa: a filha maior de Isabel é dada em casamento ao herdeiro do trono de Portugal.


Portugal não só tinha conhecimento das Canárias antes de La Cerda:  La Cerda entrou nas Canárias no momento em que Portugal estava a organizar a colonização destas ilhas, e o Rei D. Afonso IV tinha mandado fazer os preparativos. Pois claro, os historiadores falam de "fuga de informação", a qual serviu de muito grande lição para aos portugueses, como veremos. O secretismo de navegação tornou-se de tal forma vital à sobrevivência portuguesa que se deu início a um período de criação de mapas falsos, pena de morte para os infractores dos segredos de navegação, viagens fingidas com rótas de despiste, a queima das próprias embarcações, etc... etc... Tudo para evitar que a cobiça castelhana pudesse repetir desonestas e mais graves proezas que aquelas que já tinha cometido em poucas décadas.

Esta é a história pela qual se introduziu no mundo a divisão das conquistas entre Portugal e Castela. Tudo se deve à tentativa de Portugal proteger-se da maldita cobiça de um reino vizinho usurpado por meia nobreza e que iniciou a sua tradição de navegação atlântica desta triste forma. O Tratado de Tordesilhas surge logo depois, porque Castela nem o Tratado de Alcáçovas cumpriu. Mas, desta vez, estávamos bem precavidos!

D. Joana (herdeira de Castela) permaneceu em Portugal, foi tratada como Rainha de Castela pelos Portugueses com todas as honras devidas, em palácio que a ela destinámos, mas, para dar mais proveito à dor fez os votos religiosos e fez do palácio o seu claustro. Sempre assinou como Rainha de Castela até à sua morte, sempre foi respeitada e admirada em Portugal como o cognome de "a excelente Senhora".

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