23/10/12

DA OBEDIÊNCIA (I)


LIÇÃO XIV

Da Obediência

A obediência é uma sujeição da vontade; é um hábito do obedecer aos preceitos que dita a razão; é um hábito de obedecer aos preceitos e mandados daqueles a quem, pela lei, pelo direito, e pela razão fomos obrigados a obedecer; é uma mãe de ventura, é a felicidade da República, é a quietação e sossego do mundo, é a alma dos governos, é o pai dos póvos, é muro incontrastáve dos reinos, é fortaleza inexpugnável das Cidades, é virtude que tudo alcança: sem obediência nada se conserva, com ela tudo persiste; sem a obediência tudo se altera, com ela tudo permanece; sem obediência tudo se perturba, com ela tudo floresce; sem obediência não há Rei que governe, Capitão que vença, Mestre que ensine, com ela governa o Rei, vence o Capitão, ensina o Mestre.

Entre os preceitos da tábua segunda da lei Divina tem o primeiro lugar a obediência e amor dos Pais. A mesma ordem guardou Platão nas leis da sua República, o qual depois da veneração, e culto dos Deuses pôs logo em segundo lugar o respeito dos Pais, e maiores: Dialog. 4 de Legib. Também os Poetas falaram do amor, e obediência que devem ter os filhos aos Pais conhecendo o ser que dele receberam. Wem:

Sum tua caro, pater, tua sum caro, mater, in una Carne mea duo vos estis, et una caro.

Das aves, chamadas Meropes, escreve Aristóteles, na história dos animais lib. 9 cap. 13, que sustentam os Pais não só quando velhos senão que também em tempo de enfermidade lhe servem de liteira com suas asas para que não caiam e desfaleçam. Isto mesmo se traz comummente das cegonhas e de outras aves chamadas cúcuphas; e das aves chamadas pides escreve S. Basílio no livro de Honore Parentum. E se as aves e animais guardam este direito natural, que é justo que faça um homem capaz de razão, cheio de tantos mistérios como Deus nele descobriu, e a quem disse no cap 30 do Ecles. que tomasse a velhice dos pais, e que nao se entristecesse com a sua vida, senão é que seja mais insensato que as feras, mais desconhecido que os brutos, mais ingrato que as aves, para que lhe diga Seneca lib. 3 De Beneficiis não amar os Pais é impiedade, e não os reconhecer imfamia, e diz o mesmo que o pai quando bom se deve amar, e ainda que o mão se deve sofrer. Ames parentem, si aequus est, sin altier, feras.

Desobedecer a um pai cujo amor não há, como dizem os Juristas, outro que o possa vencer; a um pai cujo cuidado na criação dos filhos não há outro que o iguale; a um pai que todo se desvela em adquirir bens para deixar-lhes, honra, créditos, e fama com que possam melhor passar a vida, é de ímpios sem lei, sem razão, sem conhecimento; negar a obediência a quem as as aves e animais o reconhecem, é brutalidade, é fereza, é loucura qualificada contra as plantas, contra as feras, contra os elementos, contra os homens; contra Deus, que é bastantíssima razão para não cair em tanta barbaridade. Diz  S. Paulo no cap. 3 aos Colocenses, que os filhos obedeçam aos pais em tudo, para o que não move com cargas de razões, senão que sobra e basta que Deus o queira. Sócrates ao tempo de sua morte encomendou a seu filho Lamproêo que amasse e estimasse muito sua mãe, e que obedecesse, dizendo que o amor mais forte que o de uma mãe, que os cuidados mais contínuos, que trabalhos mais prezados; de dia trabalha, de noite se desvela, todo o ano é desentranhada, toda a vida se emprega na sua criação, na sua honra, no seu sustento: Tobias cap. 4 Aristoteles lib. 8 Ethicor. cap. 14 E o nosso poeta diz, que os filhos que negarem a obediência a seus pais serão desobedecidos de seus filhos, porque por aquele caminho por onde pecamos nos vem do Céu o castigo:

Qui cuipis senex, charos venerare parentes,
Qua patri facies, filius ille tibi.

Muitos exemplos nos oferecem as letras Sagradas e humanas de filhos obedientes, dos quais nos pareceu referir alguns para que aproveitem à imitação deles. E começando pelas letras Sagradas se nos oferece um Isac, que sendo levado por seu pai Abraham ao monte para sacrificá-lo, todo humilde, e obediente se deixou atar as mãos, e vendar os olhos, e por sobre seus ombros um feixe de lenha, levando com ânimo os primeiros tragos da morte. Um José que suportou sabia o mal que lhe queriam seus irmãos, e o muito que desejavam ter ocasião de o matar, todo obediente, e humilde se foi buscá-los ao campo onde o mandou seu pai Jacob. Um Samuel, que sendo de pouca idade, todo obediente e humilde, ficou-se em serviço do Sacerdote Heli por mandado de Ana sua mãe: muitos outros exemplos poderíamos referir, mas não o permite a brevidade.

(Continuação, aqui)

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