LIÇÃO XIV
Da Obediência
A obediência é uma sujeição da vontade; é um hábito do obedecer aos preceitos que dita a razão; é um hábito de obedecer aos preceitos e mandados daqueles a quem, pela lei, pelo direito, e pela razão fomos obrigados a obedecer; é uma mãe de ventura, é a felicidade da República, é a quietação e sossego do mundo, é a alma dos governos, é o pai dos póvos, é muro incontrastáve dos reinos, é fortaleza inexpugnável das Cidades, é virtude que tudo alcança: sem obediência nada se conserva, com ela tudo persiste; sem a obediência tudo se altera, com ela tudo permanece; sem obediência tudo se perturba, com ela tudo floresce; sem obediência não há Rei que governe, Capitão que vença, Mestre que ensine, com ela governa o Rei, vence o Capitão, ensina o Mestre.
Entre os preceitos da tábua segunda da lei Divina tem o primeiro lugar a obediência e amor dos Pais. A mesma ordem guardou Platão nas leis da sua República, o qual depois da veneração, e culto dos Deuses pôs logo em segundo lugar o respeito dos Pais, e maiores: Dialog. 4 de Legib. Também os Poetas falaram do amor, e obediência que devem ter os filhos aos Pais conhecendo o ser que dele receberam. Wem:
Sum tua caro, pater, tua sum caro, mater, in una Carne mea duo vos estis, et una caro.
Sum tua caro, pater, tua sum caro, mater, in una Carne mea duo vos estis, et una caro.
Das aves, chamadas Meropes, escreve Aristóteles, na história dos animais lib. 9 cap. 13, que sustentam os Pais não só quando velhos senão que também em tempo de enfermidade lhe servem de liteira com suas asas para que não caiam e desfaleçam. Isto mesmo se traz comummente das cegonhas e de outras aves chamadas cúcuphas; e das aves chamadas pides escreve S. Basílio no livro de Honore Parentum. E se as aves e animais guardam este direito natural, que é justo que faça um homem capaz de razão, cheio de tantos mistérios como Deus nele descobriu, e a quem disse no cap 30 do Ecles. que tomasse a velhice dos pais, e que nao se entristecesse com a sua vida, senão é que seja mais insensato que as feras, mais desconhecido que os brutos, mais ingrato que as aves, para que lhe diga Seneca lib. 3 De Beneficiis não amar os Pais é impiedade, e não os reconhecer imfamia, e diz o mesmo que o pai quando bom se deve amar, e ainda que o mão se deve sofrer. Ames parentem, si aequus est, sin altier, feras.
Desobedecer a um pai cujo amor não há, como dizem os Juristas, outro que o possa vencer; a um pai cujo cuidado na criação dos filhos não há outro que o iguale; a um pai que todo se desvela em adquirir bens para deixar-lhes, honra, créditos, e fama com que possam melhor passar a vida, é de ímpios sem lei, sem razão, sem conhecimento; negar a obediência a quem as as aves e animais o reconhecem, é brutalidade, é fereza, é loucura qualificada contra as plantas, contra as feras, contra os elementos, contra os homens; contra Deus, que é bastantíssima razão para não cair em tanta barbaridade. Diz S. Paulo no cap. 3 aos Colocenses, que os filhos obedeçam aos pais em tudo, para o que não move com cargas de razões, senão que sobra e basta que Deus o queira. Sócrates ao tempo de sua morte encomendou a seu filho Lamproêo que amasse e estimasse muito sua mãe, e que obedecesse, dizendo que o amor mais forte que o de uma mãe, que os cuidados mais contínuos, que trabalhos mais prezados; de dia trabalha, de noite se desvela, todo o ano é desentranhada, toda a vida se emprega na sua criação, na sua honra, no seu sustento: Tobias cap. 4 Aristoteles lib. 8 Ethicor. cap. 14 E o nosso poeta diz, que os filhos que negarem a obediência a seus pais serão desobedecidos de seus filhos, porque por aquele caminho por onde pecamos nos vem do Céu o castigo:
Qui cuipis senex, charos venerare parentes,
Qua patri facies, filius ille tibi.
Qui cuipis senex, charos venerare parentes,
Qua patri facies, filius ille tibi.
Muitos exemplos nos oferecem as letras Sagradas e humanas de filhos obedientes, dos quais nos pareceu referir alguns para que aproveitem à imitação deles. E começando pelas letras Sagradas se nos oferece um Isac, que sendo levado por seu pai Abraham ao monte para sacrificá-lo, todo humilde, e obediente se deixou atar as mãos, e vendar os olhos, e por sobre seus ombros um feixe de lenha, levando com ânimo os primeiros tragos da morte. Um José que suportou sabia o mal que lhe queriam seus irmãos, e o muito que desejavam ter ocasião de o matar, todo obediente, e humilde se foi buscá-los ao campo onde o mandou seu pai Jacob. Um Samuel, que sendo de pouca idade, todo obediente e humilde, ficou-se em serviço do Sacerdote Heli por mandado de Ana sua mãe: muitos outros exemplos poderíamos referir, mas não o permite a brevidade.
(Continuação, aqui)
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