(continuar da VII parte)
VERDADE
Junto da boa fama ponho a Verdade, porque se seguem dela os mesmos efeitos. Da que deve ser natural nas páticas dos Príncipes não falo, porque seria quase sacrilégio duvidar que vale tanto uma sua palavra quanto o juramento de um particular, como dizia um grande Rei (Refert Ant. Par.ormit. de rebus gestis Alphonsi Regis. Tantum valere ad fidem debere unicum Principis viri verum, quantum privatotum jusjurandum). Nem presumo que um Príncipe Cristão se deicara vencer do Gentio Epaminondas que nunca disse uma coisa por outra, ainda zombando (Alexand. ab Alexandro lib. 9. c.10); creio que todos sabem que nem devem dizer tudo o que sentem, nem mais do que sentem, pois no primeiro há imprudência, no segundo malícia. Trato da infalibilidade das promessas fazendo mercês, ou celebrando contratos; neste sentido entendo o Provérbio da Política Divina (Proverb. 20 n.28. Misericordia et veritas custodiunt Regem).
A Verdade Guarda o Rei
1. Ela é a que rege os Céus, alumia a terra, governa a República [a ordem social], sustenta a justiça; é escusado que não se passa, exército que não perece, tesouro que não se acaba, caminho que a ninguém cansa, medicina que a todos cura; sem ela a Fortaleza é fraca, a Prudência maliciosa, a Temperança miserável, traidor o Conselho (Pedro de Medina em los Dialogos de la Verdad Dial I).
MEIO FÁCIL PARA
Não Faltar Nas Promessas Com Pouco Cabedal
2. Na Política Divina (Paul. I ad Corinth 13 n 6). Se equivoca a Justiça com a Verdade. Daqui se tira que quando o cabedal não chega a todas as dívidas da Monarquia, se guarda a Verdade com observar a Justiça. A impossíveis ninguém é obrigado (L. impossibilium 145 de reg.jur.); mas quem não pode pagar tudo junto, deve ir pagando aos acredores mais antigos (Regula qui prior. 54 de reg. jur. in 6); todos assim se contentam, vendo que o que se dilata se não tira; Pelos serviços que tinha feito deixando tudo por Cristo, se contentou S. Pedro com uma promessa para o fim do mundo, porque era infalível. Ter dinheiro e mercês prontas para obrigações modernas deixando as primeiras sem satisfaçam, é contra a Verdade, se esta se observar, pouco menos se fiará da promessa que da paga. Antes nas ocasiões apertadas se obrará mais pagando o antigo; porque o cabedal que não basta para tudo que se necessita, se acrescentará infinitamente com o crédito de satisfazer o passado. Só se pode faltar à promessa lícita, quando pelo bem público se podem tomar os bens dos Vassalos; fora desta necessidade, em havendo prometido não há que cuidar (Plutarch. in Sertor. Data fides onin deliberationem excludit); reparou o Imperador Sigismundo em cumprir certa promessa excessiva a um soldo; o qual lhe disse: "podereis, Senhor, sem desonrar não prometer, mas já sem desonrar não podeis faltar." E o imperador respondeu que sendo assim, antes escolheria perder a fazenda que a fama (Aeneas Silv. lib. 3 comment. de rebus Alph. Respondit miles poteras negare cum peterem, non aute fine turpitudine quod promissum est resdindere poteris. Tunc Sigismundus; si ex duobus alterum me ferre oportet, levius rerum, inquit, quam fama jacturam subibo).
3. Por este meio acreditaram os Sereníssimos Reis de Portugal sua Verdade; o excelente Rei D. Diniz dizia que nada o ofendia tanto, como a falta dela; o zeloso Rei D. Duarte era tão pontual, que por ele se introduziu o Provérbio "palavra de Rei" (Chron. de D. Duarte c.19). Mas vendo nossos Príncipes que as remunerações efectivas, não eram tantas como os serviços necessários, introduziram alvarás de promessas, e tão exatamente os cumpriam, que só com a palavra (sem papel) do Grande Rei D. João II se davam os homens por bem despachados (Maris dial. 4 c.), dizendo-se das mercês que fazia, (como das do Imperador Teodósio) (Petr. Bros. in not. ad Cassiod. Var. Lib. 3 ep. 42. n. I. Tam certa fuisse illius beneficia, ut tum accepta viderentur cum sponderet) que tão certas estavam prometidas, como recebidas; e porque uma vez mal informado passou uma provisão contrária a outra, mandou dar à parte duzentos mil reis em que fora prejudicada (Resende Chron. de D. João II c. 106. Maris dial. 4, c.). Vendo também que as rendas da Coroa não chegavam talvez às despesas precisas, faziam dinheiro de fé dos contratos.
CONSEQUÊNCIAS
por razão
4. Uma é que o Príncipe que promete e não satisfaz, escurece todas as virtudes com a coisa mais indigna de seu Estado (Patrit. de reg. lib. 8 c. 20. Fides tanto splendore presuget, ut sine ea omnes Regum, ac Principium virtutes obscuriores fiant); obra pior ofendendo com engano, que se violentara com força (Tucyd. lib. 4 Iis quis indignitate sunt, turpius fraude bonesta cirumvenire, aut ladere, quam vi aperta); assim como, sujeitando sua isenção à lei da obrigação que ele mesmo se impôs, faz acção maior que a glória do Império (Guicciard. hist. Lib. I Nil Principe, aut Rep. indignius, quam fidem datam non servare).
5. Por esta virtude (escrevem os Historiadores) ( Duarte Nunes Chron D. Dinis Maris dial 3. c 1 no prin.)era celebrado em todo o mundo nosso Rei D. Dinis, e já mostramos no Parágrafo precedente quam importante seja ao Príncipe a voz da fama.
6. Outra consequência mais sensível é privar-se de todo o comércio (L. Digna vox 4. C. de legib. Maius imperio est submittere legibus Principatum); porque se ninguém se atreve a fiar de um particular trapaceiro, que pode ser constrangido, quem ousará empenhar-se com um Príncipe mal reputado, que é livre? Pelo contrário o Príncipe que não falta, se necessitar de soldados, lhe sobejarão sobre promessas, entendendo-se que são constantes, (que uma esperança bem fundada arrisca muitas vidas); poucas comendas tem a ordem de Malta; mas porque nelas as promessas não faltam, os Cavaleiros sobejam; se necessitar de dinheiro o achará sobre sua fé, conhecendo-se que é inviolável (que é doce coisa, sem risco de perder obrigar um Príncipe); se o mercador de cabedal limitado tem um tesouro em seu crédito; quanto maior o terá o Príncipe rico sem limite? se aquele acha quem fie dele só pela paga, quanto melhor achará quem pode pagar e agradecer?
7. Aquela infalibilidade das promessas e alvarás de nossos Reis, levantava exércitos, e guarnecia Armadas de soldados pagos com folhas de papel; tanto que ela faltou, não se acharam mais homens para servir, do que eram as comendas vagas, e mercês efectivas para logo dar. Aquela fé dos contratos, os fazia tomar pelo justo preço das rendas; tanto que ela se rompeu, abaterem eles pela incerteza da observância. A pontualidade dos pagamentos achava empréstimos sobre o cabelo da barba de um Ministro (Couto Dec. 6 lib. 4 c.3 c.4); e naos de mercadorias sobre uma palavra (Barros Decc. i lib. 5 c. 9); depois que a cobrança foi requerimento, nada se acha sobre provisões, e consignações Reais. Zelo ignorante de maus ministros, cuidar que se acrescenta a fazenda Real com o descrédito: miserável cegueira de Alvitristas, mandar buscar minas a novo mundo, e destruir as que se têm em casa! Proceda o Príncipe verdadeiro (que é o melhor alvitre) e será tão impossível faltar-lhe crédito para quanto quiser, que parece que o mesmo Deus duvidava como poderia suceder isto, ainda entre os piores, quando politicamente preguntava aos Fariseus: Porque não credes, se vos falo verdade? (Joan. 8 n.46. Si veritatem dico vobis, quare non creditis Mihi?)
(continuação, IX parte)
Sem comentários:
Enviar um comentário