08/02/17

CONTRA-MINA Nº 45: Verdadeiros Interesses da Espanha ... (I)

CONTRA-MINA
Periódico Moral, e Político,

por

Fr. Fortunato de S. Boaventura,
Monge de Alcobaça.

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Nº 45
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O medonho Fantasma se esvaece,
O dia torna, e a sombra se dissipa;
Os Insectos feíssimos de chofre
Entram no poço do afumado Inferno:
Eternamente a tampa se aferrolha.
No meio do clarão vejo no Trono,
Cercado de esplendor, MIGUEL PRIMEIRO.
(Macedo, Viagem Estática ao Templo da Sabedoria, pág. 141)
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Verdadeiros Interesses da Espanha na Luta Presente

D. Pedro Quevedo y Quintano
"Grande coisa é, e tem sido este Leão Espanhol, que sempre tem dado muito que entender aos Liberais antigos, e modernos. Começando por aqueles, que primordialmente foram gerados no inferno, e que, saindo à luz do dia, contam por seu Pai o libidinoso, e desenfreado Lutero, e por seu Avô o insolente, e desbocado Wicleso; já desde o séc. XIV, em que principiaram de levantar a cabeça, não houve, nem arte, nem dolo, nem estratagema, que não pusessem em acção para que a Espanha, ou fosse inficionada pelas novas heresias, ou, pelo menos, abatida, e quebrantada em seu grande poderio, e excessiva influência nos destinos do globo terráqueo. Depois de ter falhado um sem número de tentativas, para se conseguir tão odioso fim, conseguiram todavia, o que por certo não houvesse quem o prevenisse, e remediasse a tempo, quero dizer, a sedução de um Príncipe Sucessor da Coroa, que se entendia com eles, que se dispunha a capitaneá-los, e que seria um raio abrasador, e um fogo, que devorasse as Espanhas, se porventura as Espanhas não tivessem naqueles dias um Soberano, que sacrificou as ternuras de Pai ao interesse geral da Monarquia, e à segurança, e felicidade temporal, e espiritual dos seus Povos. Não ignoro, que este Soberano foi apelidado de muitos o "Demónio do meio dia" e que a sua memória é pouco agradável aos Portugueses; porém é necessário confessar de plano, que essa injuriosa denominação lhe veio mais do zelo constante, e imperturbável, que ele mostrou a favor do Cristianismo, que de outra qualquer das causas apontadas na História. Se a Monarquia espanhola, que nesses tempos abrangia o melhor dos dois mundos, velho, e novo, adaptasse as inovações religiosas, que se lhe propunham debaixo das correias mais agradáveis para os que só traiam de se enriquecer, seja à custa de quem for, então, e só neste caso, mereceria os encómios da Seita Liberal, e não teria nada, que ofendesse o chamado equilíbrio da Europa, visto ser indústria destes sectários, que os acompanha em todas as circunstâncias, e tempos, o chamarem prepotência, absolutismo, e despotismo, a todo o exercício de poder, em quanto se conserva em mãos alheias, ou profanas; mas logo que se deposite em mãos liberais, já é outra coisa, é moderação, é felicidade pública, é um bem geral para a Sociedade, e é o cúmulo das aventuras para o género humano. Se eles pudessem verificar o sonho político da Monarquia Universal, e c aso dado, que um Príncipe, seguidor do Maçonismo, a pudesse conseguir, com quanta valentia, e calor não advogariam eles a causa, e os interesses do seu adepto? Com que empenho buscariam eles a paridade de um Sol, que sendo único alumia a terra, para legitimarem a Soberania de um Rei Pedreiro, que semelhantemente a ilustrasse, e dirigisse? Bem sei, que não tardaria muito, que se escavasse esse fantasma Coroado, porque estava certa a palmada na anca.... Ponha-se fora, que já fez o seu papel de Comédia; se o fizemos Senhor de tudo, foi para melhor nos aquinhoarmos de tudo. A sua Coroa, repartida em milhares de pedaços, vai ser o ditoso gérmen de outras tantas Repúblicas federativas, em que se acomodarão vantajosamente os nossos.... Ora se tu, nosso Augusto Irmão, quisesses fazer ainda o papel, que faz o Sol, ficando imóvel no centro dos Astros, balda esta, que lhe sacaram outros Sábios mais antigos, que o famoso Copérnico, então fica embora nesse lugar honorífico, porém nulo, enquanto nós partimos, e retalhamos a bezerra a nosso jeito, e sabor..... Sei tudo isto, e muito mais, que podia vir muito a propósito; mas devo limitar-me ao que eles temem sobremaneira, e que lhes causa mortais agonias, e é que a Monarquia Universal possa vir ter às mãos de um Rei, que creia em Deus Padre todo Poderoso, Criador dos Céus, e da terra...... Já procedeu desta sorte o grande susto, que lhes meteu a dilatada Monarquia de Espanha, e suas Índias, e não o perdão, durante o Reino de Filipe II, que no conceito dos historiadores filósofos, perpetrou dois grandes crimes, quais foram, 1º acender as fogueiras da Inquisição, para queimar nela um cento de hereges, que se propunham fazer queimar nos fogos infernais sete milhões de Católicos Romanos; 2º Ter condenado à morte seu primeiro filhos, e Príncipe D. Carlos, que tratava clandestinamente com os rebeldes holandeses, mostrando-se tão ingrato, como aleivoso para com seu Pai, e seu Soberano. Ora como todas estas coisas se tratavam, e faziam de ordem daquele Soberano, porém todas em sentido Católicos, nada mais era preciso, para que merecessem toda a execração Maçónico-Liberal; e ainda da que o historiador (e que historiador!) Mr. de Thou absolva o Rei Filipe do segundo crime, pesa contudo na balança dos juízos Maçónicos muito mais o Romance do Abade de S. Real, que o testemunho de um autor grave, contemporâneo, e discreto.

Ainda que o meu intento principal me autoriza para tocar de passagem nas tentativas, que se fizeram no séc. XVII, para ser por todos os modos enfraquecido, e agrilhoado o Leão Espanhol, quero e devo aproximar-me da estranha crise actual; e por isso apenas me lembrarei, de que a Sucessão à Coroa Espanhola fez armar toda a Europa no começo do séc. XVIII, para me lembrar especialmente dos esforços, que para a subjugar fez um certo Napoleão, chamado o Grande, a quem a posterioridade justiceira deverá confirmar esse renome, se a perfídia, se a mais cavilosa dobrez, e os mais cobardes, e ilegais assassínios podem ser títulos de grandeza....

O Conquistador do Egipto, o vencedor de Marengo, de Austerlitz, de Jena, e de Eilau; o fundador de novos Reinos, o criador de novas Dinastias não se julgava firme, e seguro em um Trono, que era o único dominador desde os Pireneus até ao Vístula, enquanto não domesticasse o Leão Castelhano, e conseguisse, mais por arte, do que por força, empolgar os diversos Reinos das Espanhas. Já os Mouros do séc. VIII haviam procedido de igual maneira; pois a traição, e a perfídia tiveram mais parte na queda dos Reis Godos, que os poderosos exércitos de Musa, e Tarif. Foi já nesse tempo um Conde o principal traidor.... não foi nenhum plebeu, nenhum vilão.... Alguns Príncipes, a saber, os filhos de Witiza, foram cúmplices da traição; e para nunca faltar nestas conspirações um Eclesiástico de alta hierarquia, foi um Arcebispo, um Opas e agente do cativeiro, e total ruina da sua Pátria.

Outro tanto há sucedido em nossos dias, e como debaixo dos nossos olhos. Um Príncipe feito à pressa, e bem À pressa, fascinado com a ilusória promessa do Ceptro Algarvio, e sustido por infames, a quem os Reis Católicos haviam feito não as injúrias, que dizem padecera o Conde Julião na pessoa da Florinda sua Filha; porém as mais exuberantes graças, e tanto igualmente por auxiliares alguns Eclesiásticos, até dos próprios, que serviam os mais autorizados Empregos do Tribunal da Santa Inquisição, consumou a mais vergonhosa traição, que se tem visto no Mundo, e faz entrega das próprias chaves da Monarquia Espanhola a um inimigo mil vezes pior, do que tinham sido os mais furiosos seguidores do Alcorão, no momento de subjugarem as Espanhas. E teria o Leão assim colhido, e apanhado as forças necessárias para quebrar as suas prisões, e recobrar, sem auxílio estranho, a sua perdida liberdade? Não é do meu ânimo doestar, ou insultar, posto que seja levemente, a briosa Nação Espanhola; conheço, e admiro os prodígios de lealdade, que fizeram pasmar até os próprios Franceses... Os nomes de Saragoça, e de Girona tomaram-se como verdadeiros, e rigorosos sinónimos da coragem, e firmeza a toda a prova; e as ruínas de Sagunto, e de Numância, como que perderam uma boa parte da veneração, que inspiravam até ao séc. XIX, diante das resistências, que nomeadamente a primeira daquelas cidades opôs à escolha dos generais, e exércitos franceses, que por largo tempo quiseram, e não puderam conquistá-la, ou rende-la... Tudo isto é certíssimo, assim como o é, que sem os grandes esforços da Nação Espanhola estaria hoje toda a Europa em ferros, escrava, e sem a mais leve esperança de resgate. O que fazia a Espanha, em ordem a conseguir a sua independência, ensinou às outras Nações, o que elas podiam fazer, e abriu o passo ao salvamento da Europa, que todos os dias era cercado de novos impedimentos, e obstáculos, a ponto de já se antolhar como impossível... Escreve nestas matérias, despido inteiramente de amor, e ódio; não me deixo prevenir por aquele para celebrar indevidamente os heroicos Feitos da Nação mais belicosa, que, sem excepção dos próprios Romanos, tem aparecido no Mundo, nem conservo os mais pequenos restos dessa antipatia, que dizem haver entre Castelhanos, e Portugueses; porém afirmo ousadamente, que sem a cooperação destes últimos havia de esmigalhar, não o duvido, porém muito mais tarde, o Ceptro de José Napoleão .... Que injúria fará hoje a Nação Espanhola quem escrever, que ao passo, que ela combatia, peito a peito, inimigos tão atraiçoados como poderosos, então mesmo guardava no seio a mais venenosa serpente, que lhe roía as entranhas, quero dizer, as Côrtes reunidas em Cádis, que proclamavam afoutamente a Soberania do Povo, cercavam escandalosamente os poderes de um Soberano prisioneiro, e humilhado, e declaravam exterminado, infame, e até indigno do nome Espanhol um dos mais belos ornamentos da Espanha em nossos dias, quero dizer, o exemplaríssimo, e virtuosíssimo Bispo de Orense [Cardeal] D. Pedro de Quevedo e Quintano [este sim, deveria ter sido seguido]... Por outra parte os Blakes, e os Arreizagas, nem por isso mostravam suceder aos Córdovas, e aos Leivas... Tão felizmente guerreava o Povo, e ora matando Franceses aos centos, ora interceptando comboys, e estragando-lhes os víveres, lhes causava os maiores, e menos reparáveis danos, como eram infelizes, e quase sempre desbradaratados os Exércitos regulares. Tudela, e Ocaña são argumentos claros, e demonstrativos desta verdade, assim como outros nomes, a saber: Fuentes de Onor, Albuera, Arapiles, e Victoria são invencíveis argumentos de outra verdade, que toda a Europa reconheceu, e um orgulho nacional, que degenerasse para frenesim, e delírio, poderão negar, ou combater. Foi portanto, (e quem se atreverá a disputar-lhe esta glória?) foi o Exército Português uma das causas principais da salvação da Península das Espanhas, para o que basta advertir, que são mais viçosos os louros colhidos nos Arapiles, que os de Talavera; e se a expulsão dos Mouros levou nada menos que oito séculos, até ao seu último complemento no glorioso Reinado de Fernando, e Isabel, também a dos Franceses não levaria tão pouco tempo, como o que vai desde 1808 até 1814, se porventura faltassem nesta guerra, para sempre memorável, os braços Portugueses... Ora já no começo da Revolução Francesa acudimos à Espanha com um Exército auxiliar, pequeno em força numérica, porém grande em espírito marcial, e coragem, e nesta última guerra como que todo o Portugal se transportou aos Pireneus, até arrojar para muito além destas montanhas os pérfido invasores, para os quais a traição aplainara esses caminhos, que seriam intransitáveis para a força; e se as outras Nações da Europa, que se meteram submissamente debaixo das forças Caudinas, lisonjeando servilmente o Átila, ou Genserico dos tempos modernos, parecem esquecidos, de que sem Portugal ainda hoje seriam escravos, e de que por ele foram livres, não se deve recear tão desmedida, e horrível ingratidão da parte dos sempre honrados, e leais Castelhanos.

(continuação, II parte)

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