(continuação do anterior I)
O que pertence ao sustento, vestido, e moderação do trabalho; claro está, que se lhes não deve negar: porque a quem o serve deve o Senhor de justiça dar suficiente alimento; mezinhas na doença; e modo, com que decentemente se cubra, e vista, como pede o estado do Serviço, e não aparecendo quase nu pelas ruas: e deve também moderar o serviço de sorte, que não seja superior às forças dos que trabalham, se quer que possam aturar. No Brasil costumam dizer, que para o Escravo são necessários três PPP. a saber, Pau, Pão, e Pano. E posto que comecem mal, principiando pelo castigo, que é o Pau; com tudo provera a Deus que tão abundantemente fosse o comer, e o vestir, como muitas vezes é o castigo, dado por qualquer causa pouco provada, ou levantada; e com instrumentos de muito rigor, ainda quando os crimes são certos: de que se não usa nem com os Brutos animais, fazendo algum Senhor mais caso de um Cavalo, que de meia dúzia da Escravos: pois o Cavalo é servido, e tem quem lhe busque capim; tem pano para o suor; e sela, e freio dourado.
Dos Escravos novos se há de ter maior cuidado; porque ainda não têm medo de viver, como os que tratam de plantar suas Roças: e os que as têm por sua indústria, não convém, que sejam só reconhecidos por Escravos na repatrição do trabalho; e esquecidos na doença, e na farda. Os Domingos, e dias santos de Deus, eles os recebem: e quando seu Senhor lhos tira, e os obriga a trabalhar, como nos dias de serviços, se amofinam, e lhe rogam mil pragas. Costumam alguns Senhores dar aos Escravos um dia em cada semana, para plantarem para si, mandando algumas vezes com eles o Feitor, para que se não descuidem: e isto serve, para que não padeçam fome, nem cerquem cada dia a casa do seu Senhor, pedindo-lhe a ração de farinha. Porém não lhes dar farinha, nem dia para plantarem; e querer, que sirvam de Sol a Sol no Partido, de dia, e de noite com pouco descanso no Engenho: como se admitirá no Tribunal de Deus sem castigo? Se o negar a esmola a quem com grave necessidade a pede, é negá-la a Cristo Senhor nosso, como ele o diz no Evangelho; que será negar o sustento, e o vestido do seu Escravo? E que razão dará de si, quem dá serafina, e seda, e outras galas às que são ocasião da sua perdição; e depois nega quatro ou cinco varas de Algodão, e outras poucas de pano da Serra, a quem se derrete em suor para o servir, e apenas tem tempo para buscar uma raiz, um caranguejo para comer? E se em cima disso o castigo for frequente, e excessivo; ou se iram embora, fugindo para o Mato; ou se matarão por si, como costumam, tomando a respiração, ou enforcando-se; ou procuraram tirar a vida aos que lhe dão tão má, recorrendo (se for necessário) a artes diabólicas; ou clamarão de tal sorte a Deus, que os ouvirá, e fará aos Senhores o que já fez aos Egípcios, quando avexavam com extraordinário trabalho aos Hebreus, mandando as pragas terríveis contra suas fazendas, e filhos, que se leem na sagrada Escritura: ou permitirá, que assim como os Hebreus foram levados cativos para Babilónica em pena do duro cativeiro, que davam aos seus Escravos; assim algum cruel inimigo leve esses Senhores para suas Terras, para que nelas experimentem quão penosa é a vida, que eles deram, e dão continuamente aos seus Escravos.
Não castigar os excessos, que eles cometem, seria culpa não leve: porém estes se hão de averiguar antes, para não castigar inocentes: e se hão de ouvir os delatados; e convencidos, castigar-se-ão com açoites moderados, ou com em metê-los em corrente de ferro por algum tempo, ou tronco. Castigar com ímpeto, como ânimo vingativo, por mão própria, e com instrumentos terríveis, e chegar talvez aos pobres para se sofrer entre Bárbaros; muito menos entre Cristãos Católicos. O certo é, que se o Senhor se houver com os Escravos como Pai, dando-lhes o necessário para o sustento, e vestido, e algum descanso no trabalho; se poderá também depois haver como Senhor: e não estranharão, sendo convencidos das culpas, que cometeram, se receberem com misericórdia o justo, e merecido castigo. E se depois de errarem como fracos, vierem por si mesmos pedir perdão ao Senhor; ou buscar Padrinhos, que os acompanhem: em tal caso é costume no Brasil perdoar-lhes. E bem é, que sabiam, que isto lhes há de valer: porque de outra sorte, fugirão por uma vez para algum Mocambo no Mato; e se forem apanhados, poderá ser, que se matem a si mesmos, antes que o Senhor chegue a açoitá-los; ou que alguém se Parente tome à suma conta a vingança, ou como feitiço, ou com veneno.
Negar-lhes totalmente os seus folguedos, que são o único alívio do seu cativeiro, é quere-los desconsolados, e melancólicos, de pouca vida, e saúde. Portanto não lhes estranhem os Senhores o criarem seus Reis, cantar, e bailar por algumas horas honestamente à tarde depois de terem feito pela manhã suas festas de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito, e do Orago da Capela do Engenho, sem gasto dos Escravos, acudindo o Senhor com sua liberalidade aos Juízes, e dando-lhes algum prémio do seu continuado trabalho. Porque se os Juízes, e Juízas da Festa houverem de gastar do seu; será causa de muitos inconvenientes, e ofensas de Deus, por serem poucos os que o podem licitamente ajuntar.
O que se há de evitar nos Engenhos, é o emborracharem-se com Garapa azeda, ou Água-ardente; bastando conceder-lhes a Garapa doce, que lhes não faz dano; e com ela fazem seus resgates com os que a troco lhes dão farinha, feijoada, aipins, e batata.
Ver, que os Senhores têm cuidado de dar alguma coisa dos sobejos da mesa aos seus filhos pequenos, é coisa de que os Escravos os sirvam de boa vontade, e que se alegrem de lhes multiplicar Servos, e Servas. Pelo contrário algumas Escravas procuram de propósito aborto, só para que não cheguem os filhos de suas entranhas a padecer o que elas padecem.
(a continuar)
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