19/02/17

21 de FEVEREIRO - AGIOLÓGIO LUSITANO (I)

Agiológio Lusitano

 
FFEVEREIRO 21

a) Em Monserrate, vive a memória de um santo Ermitão por nome Bento, Português, companheiro que foi na Serra de Ossa do servo de Deus Mendo Gomes, naquela ainda agora é conhecida a cova, em que habitava, que se chama de seu nome. Este desejoso de mais perfeição deixou a pátria, buscando maior rigor, e solidão, e se foi a No. Senhora de Monserrate à Catalunha, onde por seus poucos anos não foi admitido, porque a vida Anacoreta requer inclinação natural, madura idade, robustas forças, e firmes propósitos de perseverar em tão sublime estado, coisa que poucas vezes se acham juntas em mancebos. Mas como os desejos que a Bento acompanhavam da vida solitária, e contemplativa eram intensos, sabendo que junto de Manresa viviam certos Eremitas separados do tráfego mundano, determinou passar com eles a vida, como fez, perseverando alguns anos em tão santa companhia, até que a devoção da Rainha dos Anjos, e trouxe a Monserrate, onde admitido, lhe deram o hábito de Eremita, e aprovado já nos rigores, e asperezas do deserto, se lhe concedeu a ermida de Sta. Cruz, em que santamente viveu sessenta e seis ano, exercitando-se em altíssimas contemplações, ilustradas de favores celestiais, como que o Senhor o animava, e consolava. Com estas, e outras muitas virtudes, que grandemente acreditavam sua vida, chegando a tão decrépita idade, que andava já recurvado sobre a terra, à qual com grande alegria restituiu o antigo depósito, subindo sua pura alma ao etéreo trono da bem-aventurança.

- do comentário:
A montanha de Monserrate famosa pelo soberano tesouro, que entre seus incultos penhascos encerra a sagrada Imagem a que deu nome, tem seu assento no coração do Principado de Castela, sete léguas ao Meio-dia de Barcelona, ficando-lhe ao Levante 25 os Pireneus, de cujas fraldas nasce o rio Lobregat, que abrindo caminho a suas correntes por entre serras, e montes, com infinitas voltas, que lhe fazem torcer o curso até beijar os pés desta célebre montanha. Nela (demais do convento em que se conserva a milagrosa Imagem da Rainha dos Anjos, assistida, e servida de religiosos Bentos da Congregação de Valhadolid, que do ano 1493 estão dedicados a seu perpétuo obséquio) há 12 ermidas em solitário, e ásperos lugares, onde fazem vida eremítica outros tantos monges, que com sua admirável penitência, mortificação, e oração estão ao Céu fazendo força. Uma intitulada de Sta. Cruz, ficava antigamente mais próxima ao convento, encostada a uma penha, da qual se subia com grande risco às mais por certos degraus (obra da natureza). Nesta viveu 67 anos um Eremita, como consta dos seguintes versos, que nela se conservam, entalhados em pedra, o qual nós logo provermos foi o nosso Bento, de que tratámos no texto:
 
Occidit hac sacra frater Benedictus in aede,
Inclytus, et fama, et religione sacer,
Hic sexaginta, et septem castissimus anos
Vixit, in his saxis te Deus alme precans.
Usque senex senio mansit curuatus, et annis
Corpus humoretulit, venerat unde prius.
Ast anima exultans, clarum repetiuit Olympum,
Nunc sedet in summo glorificata throno.
 
O Pe. António de Yepes na Chr. de S. Bento (p.4, ano 888 c.2) escrevendo sumariamente a vida deste santo Ermita diz que foi natural de Aragão, e que em moço havia servido de escolar a V. Senhora no dito mosteiro. E posto que este autor com seus escritos tem adquirido tanta autoridade, que parecerá temeridade impugná-lo, nós o faremos com bastantes fundamentos, pois publicámos neste lugar o dito Ermita por Português; deixando ao prudente, e desapaixonado leitor o juízo, e eleição da melhor destas duas opiniões.
O nosso Gaspar Barreiros na Chronographia refere que fez sua jornada no ano 1546 e que na ermida de Sta. Cruz achara escrito os ditos versos, de que constava que vivera nela o Ermita Bento 67 anos. Na qual morava havia 39 outro chamado Pedro: de modo que juntos estes 39 aos 67 de Bento, fazem número de 106 anos, quando entre este, e aquele, não houvesse vivido outro nenhum, o que não parece possível, como abaixo diremos. Assim que abatendo estes 106 dos 1546 da jornada de Barreiros restam 1440 que para o tempo que a reforma de S. Bento ali entrou faltam 53 anos, pois conforme ao mesmo Yepes, e à hist. Monserrat, foi no ano 1493, de maneira que sendo a entrância [entrada] de Bento 53 anos antes da reforma, mal podia ser seu escolar, e antes dela nem havia naquele sítio escolares, como ele mesmo afirma no lugar alegado.
Confirma-se esta nossa opinião do Itinerário que o Conde de Ourém D. Afonso fez ao Concílio de Basileia no ano 1435 (que m. s. se conserva no cartório da casa de Bragança) no qual se refere, que estando ele em Monserrate, na ermida próxima ao Castelo, achara nela um Ermitão Português, que vivia ali havia 20 anos, que disse ao Conde, que fôra companheiro de Mendo Gomes de Seabra neste Reino, pelo que segundo isto foi sua entrada no ano 1415 o que concorda com escrituras da Torre do Tombo, e do convento da Serra de Ossa, de que consta, que Bento viveu em companhia de Mendo Gomes no ano 1390 até ao de 1410 onde ainda persevera nela a cova, em que morava (detrás do outeiro, que do mosteiro aparece ao longo de um pequeno ribeiro, que por ali passa) com o nome de cova de Bento.  E do dito ano de 1410 por diante faltam neste Reino as memórias dele; tempo em que se devia ir desejoso de maior perfeição; porventura monido da notícia da virtude (que a fama publicava) dos Eremitas de Monserrate, por cujo respeito ficando cá seu nome célebre, não temos nenhuma notícia de sua morte, o que (de boa razão) houvera de ser se ele falecera neste Reino. Assim que juntos aos 1415 da entrância, os 67 que lá viveu, fazem 1482 em que faleceu, onze anos antes da reforma, e 25 da entrada de Frei Pedro. Pelo que julgamos, que entre Bento, e Pedro, houve algum outro Eremita nestes 25 anos intermédios, que morasse na dita cela, que não é de crer, que ficando ela acreditada com a fama de tão santo varão, estivesse tantos anos de vazio. E no século antecedente à reforma o mesmo Yepes confessa que viviam na dita montanha Ermitas Italianos, os quais deviam esculpir na ermida os versos, que achou Barreiros, e ele relata. E sendo hoje o Castelo a ermida de S. Dimas próxima à de Sta. Cruz, como o mesmo autor confessa, e a hist. de Monserrate (c.5) se convence eficazmente que o sobredito Ermita de Monserrate foi o nosso Bento Português, por concorrerem nele todas as razões de conveniência, e computo, pois conforma no nome, na ermida em que morou, no tempo em que lá viveu, e faltou deste Reino, e finalmente em ser companheiro de Mendo Gomes: pelo que não é este o Bento, natural de Aragão, escolar, como mal informado disse Yepes. E desta também fundada opinião é Manuel Severim de Faria Chantre da Sé de Évora, insigne antiquário deste Reino, e singular ornamento do século presente.

(continuação, II parte)

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