15/02/17

15 de FEVEREIRO - AGIOLÓGIO LUSITANO (II)

(continuação da I parte)
 
Igreja do Convento de Sta. Clara, Santarém.
 
e) Em S. Clara de Santarém, passou ao Senhor a Madre Inês de Jesus, de idade de cinquenta anos, religiosa mui abstinte, e penitente, que jejuava sem intermissão todo ano três dias na semana quartas, sestas, e sábados a pão, e água; castigando-se com aspérrimas disciplinas de sangue os outros três dias, com tal rigor, que deixava rociado o chão; servindo-se por leito de uma dura tábua em quase recostava, sem nenhum género de roupa, nem abrigo, com o livro de vita Christi, por cabeceira. Todas estas asperezas saboreava com oração, o maior regalo de sua alma, pois nela o divino esposo a ilustrava com soberanos favores, e revelações. Tinha tão profundo sentimento, e estima da Paixão de Cristo, que continuamente pedia-lhe desse assentir uma das menores dores, que por nosso amor sofreu. O que o Senhor lhe concedeu, pois um ano antes da sua morte lhe nasceu um penoso cancro no peito esquerdo, de que passou gravíssimas dores com estremado sofrimento, as quais cessando por espaço de três dias, em que recebeu os Sacramento, partiu purificada desta vida às mancões soberanas.
 
- do comentário:
A notícia que demos de Sór Inês de Jesus, que faleceu em Sta. Clara de Santarém no ano 1560, alcançamos das relações do dito convento, que se mandaram fazer para a Crónica de Gonzaga, e se conservam no cartório de S. Francisco de Lisboa.
 
 
f) No mosteiro de Jesus de Setúbal da Seráfica Capucha, Sór Joana da Conceição, principal coluna (depois das fundadoras) deste celestial edifício, mui versada, e alumiada nas matérias espirituais, e lição dos santos Padres, e o que é mais na Escritura sagrada; mui caritativa para enfermas, às quais (ilustrada divinamente) aplicava medicinas, com que saravam. Com estes talentos, virtude, e exemplo entabulou, e propagou maravilhosamente os princípios daquela santa casa. No fim da vida para o Senhor a purificar, e lhe dar maior matéria de merecimento, permitiu, que padecesse gravíssimos escrúpulos, e tentações, induzindo-a por vezes o demónio com aparentes razões, que para alcançar de Deus perdão de seus pecados, ou se matasse a facadas, ou se deitasse das varandas abaixo. A estas importunas tentações armada de paciência resistia a bandita religiosa. E com grande resignação convertendo-se àquele amoroso pai (com cujo favor os Santos alcançam do infernal inimigo gloriosas victórias) dizia: Daime Senhor maiores aflições, mandai-me quantos trabalhos quiserdes, padeça este coração, que vos não soube amar, sofra este corpo, que em nada vos serviu, castigai, e mortificai esta vontade, que em vós se não empregou. Com estas, e semelhantes palavras frequentemente repetidas mostrava os subidos quilates da perfeição, a que sua alma tinha chegado, e o recurso que devemos fazer a Deus em todas nossas aflições, e trabalhos. Estando para morrer pediu a Santa Unção de joelhos com muitas lágrimas, e a todas as religiosas perdão, dizendo: Que não merecia viver entre elas, pelas graves ofensas que cometera contra a divina Majestade. E vendo se cada vez mais apertada de escrúpulos se foi ao choro, acompanhada das religiosas que lhe assistiam, e sentindo que se lhe chegava a hora, nele a recebeu com estranha devoção, implorando repetidamente o santíssimo nome de Jesus, e suas sagradas Chagas, aos noventa de idade a levou o Senhor do ergástulo terreno para a pátria celestial.
 
- do comentário:
De Sór Joana da Conceição, filha de João de Lima,. e de D. Briolanja Henriques, que passou desta vida no ano 1609 a relação de Jesus de Setúbal, escrita pela Madre Sór Leonor de S. João, que anda já impressa no livro das memórias da Província dos Algarves.
 
 
g) No convento de Figueiro, Diocese de Coimbra, também de religiosas Franciscanas, o dia último de Sór Catarina do Espírito Santo, tão penitente, que não tinha parte em seu corpo, que não andasse sempre em viva chaga de contínuas, e rigorosas disciplinas, trazendo-o oprimido com perpétuo, e aspérrimo cilício; tão dada à oração, que vacava a ela noites inteiras, sem dar alívio a seus debilitados membros; vencida da necessidade se recostava na sua terra, ou no pavimento da cela, porque até o descanso lhe fosse penoso. Estes rigores, e penitências lhes remitiram na velhice as Preladas por vê-la toda mirrada, e consumida; e que não continuasse o choro, no qual a serva de Deus (como verdadeira obediente) não entrava, mas (como devota religiosa) da porta recitava as horas canónicas; ali tinha o Senhor cuidado de a visitar com soberanos raptos, que lhe duravam muitas horas, e obrigavam a levá-la em braços à cela, onde o comum inimigo trabalhava por desinquietá-la com horrendas visões. Entende-se que foi ilustrada com espírito profético pelas muitas coisas, que antes, e depois e viram cumpridas. Em conclusão chegada a prolongada idade, e maior virtude, acabou felizmente sua jornada com grandes sentimentos das companheiras. Passados alguns anos abrindo-se uma sepultura conjunta à sua, apareceu o corpo inteiro, do qual saiu fragrância celestial.
 
- do comentário:
Foi a ditosa morte de Sór Catarina do Espírito Santo (uma das quatro religiosas insignes em virtude, que deram principio ao mosteiro de N. Senhora da Consolação na vila de Figueiró dos Vinhos, de onde era natural) pelos anos 1611. Da fundação deste convento a 9 de Junho, dia da Madre Ana de Jesus, sua principal fundadora; por hora basta saber que foi sempre mui observante, e o 19 da Província de Portugal. O que da serva de Deus fica referido, anda na fundação m. f. dele, que concorda com relações, que nos comunicou o Pe. Mestre Fr. Manuel da Esperança.
 
 
h) No Japão, o ditoso fim do Irmão Mancio, natural de Bungo, da Companhia de Jesus, mui religioso, pio, e devoto, que trabalhou incansavelmente muitos anos na conversão da gentilidade, e propagação da Cristandade naquelas parte com grande zelo da salvação das almas, e edificação dos fiéis com que trouxe copioso número de Gentios à Nossa Santa Fé. Teve urgentes motivos na cruel persecução do tirano Daifu, que o obrigaram a ficar escondido no Japão para animar, e consolar os Cristãos. Onde consumido de trabalhos, combatido de sobressaltos, e afligido de misérias, rematou gloriosamente a vida.
 
- do comentário:
Do irmão Mancio da Companhia de Jesus, que nosso Senhor levou para si no ano 1615 escreveu o Pe. Eusébio Norimbergt na vida do Pe. Marcelo (cap. último, pág. 90), Alegambe in Biblioth. Societ. (pag.567) e o Pe. Cardim in Fasciculo (elog. 15) in catal. (pag.16).
 
 
i) Em Granada, o trânsito de Antão Martinez, Português, que de menino foi mui inclinado à virtude, e sendo moço (por desgostos, que via entre seus pais) passou a Castela; onde oferecendo-se-lhe diversas religiões, em que pudera servir ao Senhor (por sua muita humidade) se contentou com hábito de Converso da hospitalidade de S. João de Deus, que tomou no hospital da dita cidade, na qual serviu muitos anos com grande louvor, exemplo, e caridade, assistindo sempre na cozinha, onde o achavam os doentes, e pobres a toda a hora para lhes acudir a suas necessidades, e por isso nunca saía da casa, mais que Quinta-feira de Indulgências visitar as Igrejas. Vendo os Prelados seus exemplares procedimentos, e virtudes por três vezes lhe quiseram deita o hábito, mas ele (como humilde) o não consentiu, dizendo que não se sentia capaz de responder às obrigações de religioso. Estava tão resignado no divino beneplácito, que movido do espírito, de que anda um cheio, dizia falando com Deus "Senhor bueno es tu cielo, pero mejor es tu voluntad." Sendo pois sua vida adornada de muitas virtudes, penitência, mortificação, humildade, obediência, e de ardente caridade para os próximos, conhecido de todos por Santo, abraçado com um Crucifixo, que trazia ao peito, e com estas afectuosas palavras na boca: "Hijos, com esta prenda os deixo ricos" (o que disse pelo S. Cristo) ano 1630 repousou em paz, com universal sentimento de toda aquela cidade.
 
- do comentário:
O Lumiar, uma légua de Lisboa para o Norte, foi pátria [aprecie-se o uso de "pátria" para neste tempo designar um território mais restrito onde se pertence] de António Martins, seu pai se chamou Martim Alvares, e sua mãe margarida Vicente. No dito lugar se conservam as casas em que nasceu, e no ano de 1643 em que fizemos diligências para nos informarem havia ainda nele homens velhos, que o conheceram. E se nos não constara do livro de Baptismo que lhe foi imposto o nome de António, e que o sobrenome era patronímico, entenderamos que (à imitação daquele santo varão António Martim, companheiro do nosso S. João de Deus) tomara semelhante nome. Depois de seu feliz trânsito, veio a esta cidade, e foi ao Lumiar mandado pela religião o Pe. Fr. João de S. Bernardo, Cordovês, da mesma família, a tirar mui particulares informações, de seus costumes no século, e do que achou, e do mais que se tinha observado em sua religiosa vida, a publicou estampada, aquele por causa da separação deste Reino, nos não chegou até agora às mãos. E o que dele referimos (excepto algumas informações, que à nossa instância averiguou o Prior do Lumiar, que nos remeteu) o mais nos comunicou (por relação firmada de sua mão em 15 de Março de 1645). Fr. Bento Pais, Vigário Provincial da Ordem neste Reino.

(a continuar)

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