15/02/17

15 de FEVEREIRO - AGIOLÓGIO LUSITANO (I)

Agiológio Lusitano

FEVEREIRO 15
 

a) Em Pádua, a festa da transladação do nosso milagroso St. António (grande ornamento da Seráfica família, e singular glória de Portugal, e de Lisboa pátria sua) cujos ditosos moradores (que gozam depósito de suas sagradas Relíquias) obrigados dos contínuos milagres, e favores soberanos, que por sua intercessão cada dia recebem da poderosa mão de Deus, erigiram em sua honra um magnífico templo, para onde no ano 1263 com grande pompa, e solenidade foram trasladadas do convento de Sta. Maria, assistindo a esta solene festa o Seráfico Doutro S. Boaventura como Ministro Geral da Ordem Franciscana; o qual abrindo o precioso sepulcro, em que o rico penhor do sagrado corpo estava de propositado havia trinta e dois anos, o achou todo desfeito, e só a língua inteira, e fresca, e tão rubicunda, como de corpo vivo. Então (com suma reverência) tomando-a nas mãos, banhado todo em devotas lágrimas, falou com ela desta maneira: Ó língua benedicta, quae Dominum sempre benedixisti, et alios benedicere fecisti: nunc manifeste apparet, quanti meriti extitisti apud Deum. E dando-lhe devotíssimos ósculos a colocou no Santuário da Sacristia entre outras preciosas relíquias. Depois ano 1350, Guido de Monforte, Cardeal Bolonha, Legado Apostólico em Itália, em reconhecimento de milagrosamente haver escapado de uma mortal enfermidade per oração do nosso Santo, foi a Pádua, e num riquíssimo cofre de prata, segunda vez trasladou as sagradas relíquias, deixando fora parte da S. Cabeça para consolação dos inumeráveis peregrinos, que por todo discurso do ano com devoção concorrem a visitá-las, e cumprir seus votos, implorando tão poderosa intercessão.

- do comentário:
Celebra neste dia a trasladação do nosso Lisbonense St. António (de mais da Seráfica família) a Igreja de Lisboa, e a de Pádua, aquela por pátrio berço de seu nascimento, esta por depositária de suas sagradas relíquias. E há que se saber que duas vezes se fez translação do sagrado corpo; a primeira a 7 de Abril do ano 1263 (que então caiu no oitavo dia da Páscoa de Ressurreição) a segunda a 15 de Fevereiro de 1350 cuja festa no Capítulo Geral, que se celebrou em Leão de França o ano seguinte, se mandou rezar sub ritu duplici, concedendo o Papa Martinho V a todos os que visitarem em tal dia as Igrejas da Ordem 50 anos de Indulgência, e 12 quarentenas. Consta do Compêndio dos privilégios dela.
Nas Crónicas se conta (tomando-o de Pisano l. 1 Confirmitatum) que levando a língua do Santo certo Ministro Geral do lugar em que S. Boaventura a colocara, ao sair nunca acertara com a porta, e como a não pudesse tornar ao próprio lugar, a ocultou num altar, onde esteve alguns anos, até que o céu quis que fosse achada para ser venerada de todos; mostrando-se hoje aos muitos peregrinos, que por todo ano concorrem a visitar as milagrosas relíquias. As quais a cidade de Pádua devota, e agradecida as inumeráveis mercês, e favores soberanos que da poderosa mão de Deus recebeu em vida, e depois de sua morte recebe continuamente pela intercessão deste seu maravilhosos patrono lhe fabricou um magnífico, e admirável sepulcro de pórfidos, que na perfeição, magnitude, e excelência de obra excede a todos os de que se tem notícia na Cristandade. As paredes da dita capela estão adornadas de quadros de meio relevo de finíssimos alabastros, que contêm a vida e a morte, e milagres deste nosso insigne Português, patrono seu. De cujo sepulcro sai cheiro celestial, e suavíssimo, como refere o Pe. Fr. António Soares, Monge de Alcobaça no l. I c.10 de seu Itinerário da Terra Santa, cuja peregrinação foi no ano 1554:
Chegando a Pádua (diz ele) fomos logo com M. Simão Rodrigues da Companhia, e dois Reitores, que connosco vinham dos colégios de Veneza, e Pádua, tomar a bênção a St. António, e feita nossa oração fomos pela parte de fora beijar a pedra, onde jaz o Santo Padre, na qual sentimos tão grande, e celestial cheiro, que olhando uns para os outros, estávamos como fora de nós; então os Padres sorrindo-se nos disseram; que tivéssemos por certo nunca se haver apartado este celestial cheiro de seus Santíssimos ossos, desde o tempo que N. Senhor o apartou deste mundo. Meu companheiro, e eu não fazíamos mais, que cheirar por muitas vezes, e experimentar o milagre, e um de nós duvidando se porventura estaria aquela pedra empastilhada perdeu o cheiro, e vendo que o outro cheirava, e ele não, arrependeu-se, e tornou logo a cobrar o dito sentido. Ao outro dia entrando o Pe. M. Simão a dizer Missa sobre esta ara sagrada se volveu (contra seu costume) aos que estávamos detrás, como que sentira alguma coisa. E preguntando depois da Missa disse: que sentira tão grande fragrância, e que lhe cheirara em tanta maneira, que cuidava lhe havíamos posto aos pés alguma casula. Preguntamos então muito devagar deste divino cheiro, assim aos principais do convento, como da cidade, os quais nos respondiam: "O volete parlare daqueste odore? Cosi & stato sempre". E zombavam do caso que nos fazíamos deste milagre por ser tão contínuo, que já dele senão faz ali nenhum. Eu disse Missa no mesmo altar, e não me esqueci da célebre antífona: si quaeris miracula, mors, error etc.
Referem a translação de S. António neste dia demais dos Martirológios de Galesino, Maurolico, e Ferrario, St. António (in Chr. p. 3 tit.24 c.3 § 5 & 6 F.) Marcos de Lisboa (p. I l. 5 c.37 & p.3 l.2 c.2) Marieta no Flos Santorum dos Santos de Hespanha (2 p. l.26 c.21) Wadingo (in Annalibus varijs in locis.) Mattheo Alemão (na vida de St. António l.3 c.4) D. Rodrigo da Cunha (na hist. da Igreja de Lisboa 2 p. c. 37) e Fr. Artur (à Monast. no Martyr. Franc.) e outros.
 
 
b) Em Vila Viçosa, Arcebispado de Évora, a louvável memória de Álvaro Fernandes, Sacerdote de grande virtude, e recolhimento, natural e morador da própria vila, que à imitação dos antigos Padres do Ermo (inspirado pelo céu) se retirou a uma pequena horta, desviada do povoado, e mui apta à vida solitária, e contemporânea (e tanto que depois a família dos Piedosos, satisfeita do sítio, erigiu nela a primeira casa da sua Província) onde levantado um devoto Oratório, gastou o restante da vida em perpétuo silêncio, penitência, e oração, vacando a espirituais exercícios sem afrouxar um ponto de rigor começado, sendo a todo género de estado, em particular a Sacerdotes, de virtude, e pureza um exemplar perfeitíssimo. Por seu testamento vinculou em capela a dita horta, e a mais fazenda que tinha, aquela deixou a Sacerdotes, que naquele sítio (à imitação sua) fizessem vida solitária. Ultimamente com morte felice foi chamado por Deus ao Reino perdurável, onde goza o eterno prémio de seus santos trabalhos, e merecimentos.
 
- do comentário:
Floresceu Aluaro Fernandes pelos anos 1400. Fez sua habitação fora de Vila Viçosa entre dois cabeços, onde hoje se chama S. Francisco o velho, nome que deixaram os Piedosos do tempo que ali tiveram o primeiro convento. A notícia deste Presbítero Eremita devemos a Fr. António de Nisa que na Chr. da mesma Província (l.2 c.7) o refere com grandes louvores. Se bem não sabemos, quem lhe sucedeu naquele Oratório, até vir a poder dos ditos religiosos.
 
 
c) Em Cambaia na Índia Oriental, a paixão de Simão Feio, escriturão que foi da Alfândega de Dio, no tempo que ElRei de Cambaia, Senhor de Durante com seu filho, pós cerco àquela praça, que durou sete meses, a qual D. João Mascarenhas, seu Capitão, defendeu com bravo valor acudindo-lhe o grande D. João de Castro, que de Goa levou muita gente de socorro. Neste cerco Simão Feio (como pessoa principal, inteligente, e valorosa) obrou muito, servindo diversas vezes de Embaixador de uma a outra parte, até que da última (por não concederem os nossos o que o bárbaro Rei pedia) ficou lá preso, com os que o acompanhavam; a todos os quais, com muitos outros Portugueses, que haviam cativado por aqueles marítimos portos (indignados os Gentios da insigne, e milagrosa victória, que os nossos deles alcançaram na defensão daquela praça) meteram em ásperas, e cruéis prisões, dando-lhes grandes baterias com graves opróbrios, para que deixada a lei de Cristo, seguissem a abominável seita Maometana. O que tudo os valerosos soldados Evangélicos sofreram com paciência constante. Mas vendo os idólatras, que nenhuns terrores eram bastantes aos dobrar, lhes ofereceram ricas dádivas, e a Simão Feio, que o fariam Senhor de vassalos; e como nada disto aproveitasse, porque os confessores da Fé desprezavam todas suas vãs honras, e acrescentamentos, foram condenados à morte. Chegado o desejado dia da execução, posto Simão Feio a porta do cárcere, com fervorosas palavras que o Espírito Santo naquela hora lhe ditava, animou a todos para o último combate lembrando-lhes o momentâneo prazo desta vida, e as eternas coroas, que Deus lhes tinha deputado na outra, se confessando seu nome a sacrificassem por seu amor. Corroborados todos com tão abrasadas palavras, e cheiros de superior fortaleza, e paciência sofreram por Cristo serem despedaçados, e finalmente degolados, com que deram perfeição a suas gloriosas palmas. E para o céu mostrar quão odorífero lhe fora este suave holocausto, logo no próprio lugar, rebentou uma perene fonte de água, na qual indiferentemente lavando-se Mouros, e Cristãos todos cobram saúde de suas enfermidades, apregoando a Simão Feio por Santo, com grande glória de nossa sagrada religião.
 
- do comentário:
Com a insigne vitória, que D. João de Castro, Governador da Índia, alcançou DelRei de Surrate no ano 1546 de tal maneira se encheu de furor ElRei Sultão de Cambaia, que para se vingar dos nossos mandou matar a Simão Feio, e aos mais Portugueses, que estavam lá cativos; cujo número uns fazem de 20 outros o estenderam a 30 (de todos só ficou em lembrança Atanásio Freire, nobre cidadão de Goa) os quais em Fevereiro de 1547 deram as vidas pela confissão da Fé gloriosamente. Assim o refere Diogo de Couto (décad. 6 l.4 c.4) Fr. António de S. Romão na História da Índia (l.4 c.2 e6) Lopo de Sousa no cerco de Dio, e outros. Quem quiser saber as particulares circunstâncias desta victória, que algumas foram miraculosas, veja Lucena na vida de S. Francisco Xavier (l.6 c.I) Maphaeo de rebus (Indicis in fine libri tertij), e Andrade na Crónica RelRei D. João III.
 
 
d) Item em Damão, na costa da Cambaia, a morte gloriosa de Fr. Pedro da Madalena, que sendo Converso, e filho do convento de S. Domingos de Lisboa, ano 1548 passou àquelas parte em companhia de Fr. Diogo Bermudes, primeiro Vigário Geral da Ordem. E depois de assistir na fábrica da Igreja de Sta. Bárbara, uma das quatro Vigairarias, que em Goa tem à sua obediência a dita religião; mandado ao novo convento de Damão, sobre a qual cidade vindo um copioso exército do Grão Mogor, ele foi o primeiro que se pós no campo a defensa (como Alferes da milícia Cristã) arvorando um devoto Crucifixo, imitando nesta heroica acção a seu Padre S. Domingos, que deste modo acompanhava os esquadrões Católicos contra os hereges Albigenses. A batalha foi tão travada, como incerta a victória, porque muitos dos nossos desesperados da poderem conseguir deram as costas. Mas ele (como valeroso Alferes) perseverando a pé quedo, sem nunca desamparar o posto, animando a todos a pelejarem pela Fé, mereceu ser feito preciosa vítima de Cristo, ficando entre inumeráveis mortos, não vencido, mas triunfante, e vencedor, pois em guerra tão santa (contra infiéis) deu gloriosamente a vida, confortando os Católicos.

- do comentário:
Achamos Fr. Pedro umas vezes nomeado com o apelido da Madalena, outras de S. Domingos; mas com qualquer deles é certo que foi natural de Lisboa, verão muito prudente, e de grande virtude, e por isto o escolheu o Pe. Mestre Fr. Francisco de Bovadinha (sendo Provincial de Portugal) para com ele fechar o duodécimo número dos religiosos (à imitação do Apostolado) com que se deu princípio à Congregação da Índia. Foi morto em Damão no ano 1580. Referem já seu triunfo. Fr. João dos Santos na Etiópia Oriental (p.2 l.2 c.5), Fr. Afonso Fernandes na História Ecclesiástica (l.2 c.9) e in Concert. praed. (pág.307), Lopez nas Chr. in fine (p.4 c.37), Fr. Luís de Sousa p.1 l.3, e outros.

(continuação, II parte)

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